domingo, 29 de dezembro de 2019

A mãe, a filha e o espírito da santa



RResenha

Livro: A mãe, a filha e o espírito da santa
Autor: P. J. Pereira
Ano:2017
Nº de páginas: 496
Editora: Planeta

P. J. Pereira, autor da trilogia Deuses de dois mundos, lança mais uma obra prima da literatura nacional. Me interessei pelo livro logo que li seu título. Quando fui buscar saber mais sobre a história, fiquei completamente apaixonada. Procurei bastante e consegui adquiri-lo em uma promoção de uma livraria.

O livro conta a história do novo messias, ou melhor, nova, Pilar da Anunciação. Nascida no Maranhão, na cidade de Codó, filha de Maria e três anjos, em meio a uma família praticante do terecô, religião oriunda do Maranhão, que mistura preceitos da Encantaria e Umbanda.

A obra é dividida em três partes, homônimas das do título. A parte I, intitulada A mãe, conta a história da concepção de Pilar e um pouco da vida de sua mãe Maria, ao mesmo tempo que narra os primeiros períodos da infância da nossa messias. A segunda parte, A filha, narra a adolescência e primeira fase adulta de Pilar, enquanto a parte III, O espírito da santa, aborda especificamente a atuação de Pilar como líder religiosa. Tudo isso embalado à uma trilha sonora escrita pelo próprio autor.

O livro trata, na minha opinião, sobre preconceitos. De todos os tipos possíveis. Ao longo do enredo, podemos perceber o preconceito da cidadezinha de Codó em relação à Pilar, pelo fato dela ser menina e escolhida Messias; podemos observar o preconceito da sociedade em relação aos praticantes de religiões de matriz africana; o preconceito , novamente, das pessoas, quando são abordadas ao longo do livro relações homossexuais.

Existem cenas muito fortes, de abuso, violência, estupro, que podem impressionar os mais sensíveis. Mas são cenas necessárias para a construção da trama. Tem muitas cenas de sexo também, mas mostrando que o sexo é uma atividade normal da vida, assim como comer ou dormir.

O que me deixou mais impressionada foi a construção de todos os personagens: parecem tirados de algum filme, ou série, ou mesmo da vida real, tamanha a verossimilhança. Pilar , sobretudo. Ela é retratada como uma líder humana, que tem partes boas e ruins, que vão se alternando ao longo do tempo. É necessário que estejamos livres de todo pudor para conseguir acompanhar as tramoias que ela se mete. Por vezes amada, outras odiada, mas, humana. As descrições dos cheiros, gostos, sentimentos são meticulosas, detalhadas e novamente, cinematográficas. O tempo inteiro imaginei uma adaptação para as telinhas ou telonas da obra.

Respira-se Brasil ao longo de todo o livro. O autor, neto de nordestinos, escreveu o livro utilizando gírias da região, o que causa uma maior imersão na história. Parece que estamos ouvindo a conversa da boca dos personagens. Pude conhecer mais sobre as diversas manifestações religiosas do nosso país e que não fazia a mínima ideia. Além de poder conhecer melhor três locais: Maranhão, Brasília e São Paulo, que são os espaços onde se desenrola a trama. Como a história atravessa as décadas de 60,70,80 e 90, podemos sentir a inserção do tempo através de sutilezas: a perseguição aos comunistas (qualquer um que discordasse do governo ou lesse livros proibidos) na ditadura é um exemplo de marca da temporalidade.

O próprio autor conta que escreveu a história inspirado em casos de abuso religioso ao redor do mundo. Vários profetas da fé se aproveitam da boa vontade alheia, para infligir sofrimentos os mais variados possíveis e isso fica muito bem retratado no livro: pessoas perdem empregos, casamentos, filhos, amigos, por se isolar em uma religião que não permite contato com pessoas “de fora”.É um livro riquíssimo culturalmente e esse caldo só poderia ter sido proporcionado por um autor brasileiro de qualidade como P. J. Pereira. Recomendo fortemente a leitura.


domingo, 8 de dezembro de 2019

Ponciá Vicêncio


Resenha
Livro: Ponciá Vicêncio
Autora: Conceição Evaristo
Ano: 2017
Editora: Pallas
Número de páginas: 120

Conceição Evaristo, não escreve, faz “escrevivência”. Mulher negra, nascida na periferia de Minas Gerais, se formou adulta como professora de Escola Normal, e passou em um concurso para o magistério no Rio de Janeiro. É mestre em Literatura pela PUC e doutora pela Universidade Federal Fluminense. Disputou a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras, que perdeu para o jornalista Cacá Diegues. Sua campanha para a Academia foi impulsionada pela internet e teve amplo apoio popular. Apesar disso, não ocupou a cadeira, em uma Academia majoritariamente composta por homens brancos(atualmente há apenas um homem negro e cinco mulheres brancas contra trinta e três homens brancos na Academia). Autora de inúmeros contos e poesias, tem em Ponciá Vicêncio seu romance de estreia.

A obra narra a vida de Ponciá Vicêncio. Nascida em um quilombo, neta de um negro que foi escravizado, Ponciá cresceu no interior com sua família, pai, mãe e irmão. Não conheceu muito o avô, que morre quando ela era pequena, mas todas as pessoas afirmam que ela receberá um dia a herança dele. Ponciá e sua mãe, Maria Vicêncio, fazem objetos de barro para vender. Seu pai e irmão trabalham na terra dos brancos. Após a morte do pai, Ponciá decide se mudar e ir tentar a vida na cidade grande.

Ponciá leva uma vida difícil na cidade e vive mais nas suas memórias do que no momento presente. A história é narrada por um narrador em terceira pessoa, observador, e constituída de flashes, que não seguem uma ordem cronológica. 

É interessante notar que a história trabalha com as memórias, que podem ser encaradas como única e exclusivamente do ponto de vista individual como serem tratadas como a memória da história do povo negro. Quando é contado no livro que o sobrenome Vicêncio vem do coronel Vicêncio, que colocava seu sobrenome nos escravos, isso não diz respeito apenas à esse caso individual, mas reflete esse apagamento da história dos negros que foram escravizados. Ponciá tenta o tempo inteiro recuperar essa memória, perdida. Quando Ponciá relata que o pai e irmão continuam a trabalhar na terra dos brancos, mesmo o pai tendo sido de ventre livre, e não recebem salário, sendo as relações no quilombo de troca de materiais, isso diz muito sobre a condição do negro no Brasil pós abolição. Não houve uma libertação de fato com a assinatura da Lei Áurea e não igualdade ainda em nosso país entre negros e brancos, visto que os negros são mortos pelo braço armado do Estado, são os que ganham menos, acessam menos às Universidade. Apesar disso, o mito da democracia racial se faz presente. É interessante, ainda levando em consideração esse ponto, quando seu irmão Luandi chega na cidade e vê soldados negros, exclama: nunca vi negro ocupar posição de poder. Depois, com o tempo, ela vai desconstruindo essa visão de que o soldado ocupa alguma posição de superioridade , e descobre que ele é apenas mais um subalterno com uma ilusão.

O modo de contar a história me fez lembrar de outras escritoras negras, como Maria Firmino dos Reis e Carolina Maria de Jesus. Conceição tem na sua prosa, poesia. Dotada de lirismo que consegue transformar em beleza até mesmo o movimento da folha de uma árvore.

Dói no âmago , na alma, ler certas passagens que jogam em nossa cara as chagas do racismo pungente e institucional que insistem em fazer parte do cotidiano do Brasil, último país das Américas a abolir a Escravidão. As dores de uma mulher negra no seu cotidiano, tudo que ela tem de enfrentar para conseguir viver de maneira digna, evidenciam nossas injustiças diárias. É interessante destacar que apesar de Conceição ser uma autora pós moderna, ela também toca profundamente nas questões das desigualdades, das estruturas da sociedade, o que faz com que sua escrita seja dotada de originalidade. Depois de tudo isso, só consigo pensar que quem saiu perdendo a oportunidade de imortalizar uma escritora tão completa foi a Academia Brasileira de Letras. Azar o deles, sorte a nossa, pois ficamos conhecendo essa autora de qualidade inigualável. Recomendo fortemente a leitura!


domingo, 17 de novembro de 2019

Laranja Mecânica: um livro muito horrorshow!



Resenha
Livro: Laranja Mecânica
Autor: Anthony Burguess
Ano de lançamento: 1962
Número de páginas: 224
Editora: Aleph

Um livro muito horrorshow!

Um clássico da literatura mundial, Laranja Mecânica é um romance de formação que acompanha o amadurecimento de Alex, um garoto que vive numa Inglaterra futurista, membro de uma gangue que pratica atos de ultraviolência.

Narrado pelo próprio personagem principal, o livro é dividido em três partes: a primeira parte trata da vida de Alex com seus drugis (companheiros), descrevendo as noites da gangue que ele faz parte: tomar leite moloko, roubar, estuprar e abusar. Mostram também como era a sociedade no romance, dividida em classes, hierarquizada, com muitos pobres e muita violência. Esses atos ultraviolentos não são exclusividade da turma de Alex. Fica claro que é comum adolescentes cometerem esses delitos ao longo da narrativa. Os crimes são detalhados minunciosamente, o que pode acabar embrulhando o estômago de pessoas mais sensíveis. Numa dessas noites de crimes, Alex é traído por seus companheiros e acaba sendo preso, condenado à 14 anos de prisão. Ele tinha apenas 15 anos na época.

A segunda parte narra a vida de Alex na prisão. Ele não perde traços de seu comportamento violento, o que acaba fazendo com que ele se torne objeto de um experimento que prometia curá-lo da violência e deixa-lo livre da prisão em 15 dias. Ele aproveita a deixa para sair mais cedo da cadeia e participa do tratamento, chamado Ludovico. O tratamento consistia em assistir diariamente filmes ultraviolentos, após a administração de um remédio que fazia com que ele associasse as cenas com um enorme mal-estar, fazendo com que ele se sentisse a ponto de morrer toda vez que visse ou pensasse em atos de violência, ou até mesmo sexo.

A terceira parte narra a vida de Alex logo após ele deixar a prisão. Todo o livro utiliza-se de uma linguagem chamada Nadsat, inventada pelo autor, inspirada na linguagem dos jovens ingleses e russos da época em que ele escreveu o livro, com suas gírias e malemolência. Na versão que li há um glossário ao final do livro com o significado das palavras, mas recomendo não o olhar. A estranheza provocada pelo fato de não sabermos o significado das palavras é necessária para emergirmos na atmosfera do livro. Acredito que olhar o glossário deixaria tudo menos interessante.

O livro trabalha com a questão do livre-arbítrio, afinal Alex só começou a agir bem após passar por uma tortura e aborda a questão do Estado: ate onde pode ir o seu controle na vida das pessoas, nas suas vontades individuais? A certa altura do livro um capelão da prisão se questiona se um homem que não pode escolher ser bom é igual ou pior aquele que escolhe ser mau. Podemos perceber uma crítica forte ao behaviorismo, que é um conjunto de abordagens nascidas nos séculos XIX e XX que propõe o comportamento como objeto de estudo da psicologia. A terapia/tortura do livro me fez lembrar da época da faculdade quando estudei em Psicologia da Educação o método pavloviano que consiste em um condicionamento clássico, um processo que descreve a gênese e modificação de alguns comportamentos com base nos efeitos binômio estímulo-resposta sobre o sistema nervoso central dos seres vivos. Até que ponto nossas escolhas são realmente nossas?

Também podemos extrapolar o debate que o livro traz para uma temática que vira e mexe está presente nos noticiários ou nas propagandas eleitorais de certos políticos de extrema direita: a redução da maioridade penal. Acompanhamos um Alex adolescente que apenas faz piorar seus comportamentos ultraviolentos na prisão, em contato com criminosos mais velhos e mais experientes. O próprio tratamento Ludovico nasce da necessidade de esvaziar as prisões, visto que já era evidente que as cadeias não recuperavam ninguém, pelo contrário, apenas pioravam. Esse debate já era feito há quase cinquenta anos atrás. Hoje temos observado que o Brasil é um dos países que possui uma das maiores populações carcerárias do mundo, principalmente de jovens negros e pobres, acompanhando os Estados Unidos, país onde as prisões são privadas e cada preso é uma possibilidade de lucrar em potencial. O livro nos ajuda a refletir sobre esse fato, se o encarceramento é uma solução para nos livrar da violência.

Como a obra é narrada pelo próprio Alex, senti muita repulsa e ojeriza em várias partes onde ele conta sobre os atos perpetrados nas noites violentas. Com a linguagem Nadsat, há uma certa veracidade nos relatos, que parecem estar sendo narrados por um adolescente de fato. Mas depois, quando ele passa pelo tratamento/tortura de ser obrigado a assistir filmes horríveis, ficar de pálpebras abertas, entre outras ações deploráveis, sentimos pena desse ser, que afinal, apesar de tudo, é apenas um adolescente. O autor joga com essa ambiguidade da vida, afinal, se o Alex é criminoso e tem que pagar pelos delitos que cometeu, a pessoa que tortura ele não seria igualmente um criminoso? Quem vigia os vigilantes? O autor também nos mostra que todas as pessoas podem ter um lado violento, quando escracha cenas de violência policial, aparelho repressor do Estado, e velhinhos aparentemente inocentes cometendo atos de ultraviolência por vingança.

O livro é um clássico, pois é atemporal e nos fornece material denso para posteriores debates. Possui uma adaptação para o cinema de 1972, com direção do Kubrick. Recomendo fortemente a leitura desse livro horrorshow, meus drugis!



domingo, 27 de outubro de 2019

NIX


Resenha
Livro: Nix
Autor: Nathan Hill
Ano: 2018
Número de páginas: 672
Editora: Intrínseca

Livro de estreia do autor Nathan Hill, confesso que fui fisgada pela capa: uma foto em preto e branco de jovens em um protesto com o título peculiar em letras garrafais e coloridas. O enredo é simples, na superfície e gira em torno de duas pessoas: Samuel Andresen-Anderson e sua mãe, Faye.

Samuel é um escritor frustrado, que leciona em uma universidade e nas horas vagas, se perde no jogo de computador Elf Scape. Odeia dar aula, pois seus alunos são desinteressados. Samuel foi abandonado pela mãe quando tinha onze anos, fato que o marcou para sempre. Samuel continuaria sua vida tediosa, se não fosse por um fato: sua mãe desaparecida, Faye, joga pedras no governador, um candidato a presidência de extrema direita. Samuel é contatado por um advogado que defende sua mãe, que pede para ele escrever uma carta a fim de ajuda-la no julgamento.

A história se passa em três temporalidades diferentes: 1960-68, final dos anos 80 e ano de 2011(tempo atual). O livro conta com capítulos curtos, que alternam entre os personagens principais e secundários. A maestria de Hill reside no fato de conectar todos esses personagens. Podemos ver como somos algozes ou oprimidos, em certa medida, ao longo da vida. Os personagens são humanos, dotados de contradições.

Na década de 60 acompanhamos a trajetória de Faye, sua infância e adolescência, e todos os fatores que contribuíram para que ela se tornasse quem é. Eu, particularmente, tive a Faye como personagem preferida e foi uma delícia acompanhar as aventuras de uma mulher que tentava romper com o que com as expectativas do que era esperado para as mulheres da época. Na década de 80 acompanhamos a infância de Samuel pouco antes de ser abandonado pela mãe. Também foi enriquecedor conhecer um pouco da sociedade da época com as ótimas descrições. No ano 2011, acompanhamos o drama de Samuel, intimado por seu editor a escrever um livro falando mal do “Terror do Governador”, sua mãe Faye, para conseguir pagar a dívida do adiantamento que recebeu pelo livro que nunca publicou, na sua juventude.

É interessante notar que Nix usa a individualidade dos personagens para falar da sociedade de cada época. Os jovens que protestavam na década de 60 e os jovens atuais, que navegam nas redes sociais. O autor trabalha com a hipótese, a meu ver, de que todos os jovens querem ser notados e amados, e usam os meios que dispõem para isso, seja protestando ou postando memes e textões nas redes sociais. Compartilho parcialmente essa visão com o autor, pois acredito que naquela época, a motivação poderia ser a mesma, porém, era necessária uma força de ação para coloca-lá em prática que não é necessária hoje nas redes sociais. Qualquer um pode ser considerado militante.

É um livro com personagens deliciosos e complexos, que emociona, diverte e leva à reflexão, de uma maneira acessível a todos os públicos. Para quem leu, fica o questionamento: você já foi/é o Nix de alguém? Recomendo a leitura!


domingo, 6 de outubro de 2019

A morte é legal


Resenha
Livro: A morte é legal
Autor: Jim Anotsu
Editora: Draco
Páginas: 320

Esse é o segundo livro que leio do autor brasileiro Jim Anotsu. O primeiro que li foi Rani e o Sino da divisão. Apesar de ter gostado dos dois livros, Rani conseguiu me agradar mais, por vários motivos, que não cabem aqui citar, visto que a resenha é do livro A morte é legal e não de Rani.

O livro é narrado em terceira pessoa e engloba o ponto de vista de quatro diferentes personagens : Andrew, Amber, Rayla e Astrophel. Essas quatro micro histórias se interconectam o tempo inteiro no livro. Andrew e Amber são irmãos , que perderam a mãe cedo, morta em decorrência de uma doença que tem o nome de um jogador de beisebol. Andrew é um menino de 19 anos, meio emo, recluso, que passa seu tempo lendo livros, escutando música e escrevendo seu romance, A Violinista de Fevereiro. É apaixonado por sua melhor amiga Briony e não tem coragem de se declarar. Tudo muda quando ele conhece uma Ive, a princesa do fim inevitável, filha mais nova da Morte. Ela propõe a ele que juntos procurem os nomes do gato, a criatura mais poderosa do universo e que concede dois desejos às pessoas que adivinharem seus nomes. Andrew aceita e começa sua aventura.

Amber , sua irmã, é melhor amiga de Jonas, um menino negro que sofre racismo na escola. Os dois se reúnem para fazer rap. A história deles é a parte mais realista do livro e foi uma das que mais gostei. Podemos acompanhar o crescimento e amizade dos dois jovens, que , além de passarem dificuldades inerentes à adolescência, enfrentam juntos as dores e agruras de ser o que se é.

Rayla é irmã mais velha de Ive, uma burocrata do mundo espiritual. No começo, podemos achar que ela é uma vilã sem motivações, que executa suas atividades apenas pelo prazer de matar ou punir, mas ao longo da narrativa vamos começando a entender suas reais razões.

Astrophel é casado com Stella, uma fada que escolheu deixar de ser criatura sobrenatural para se tornar humana e viver seu amor ao lado de seu marido. Só que Stella está envelhecendo e os dois buscam os nomes do gato a fim de conceder a vida eterna a ela. O passado deles é emocionante e seu amor que atravessa séculos é descrito em passagens muito bonitas.

Todas essas histórias estão conectadas e se passam na cidade de Desbrel, um lugar frio parecido com Londres. Confesso que fiquei com vontade de visitar essa cidade fictícia.  Os personagens não são maniqueístas. Bons ou ruins, são simplesmente como nós, humanos (ou criaturas de outro mundo), que tomam atitudes boas ou ruins dependendo da circunstância em que se encontram. O livro possui alguns erros gramaticais, algumas frases que não terminam , que poderiam ter sido revistos ao longo da edição.

Mais do que acompanhar a história de amor do personagem principal, Andrew, é um romance de fantasia que fala muito sobre o crescimento, primeiros amores, perdas, ato de perdoar. Mistura realidade e acontecimentos fantásticos de uma maneira deliciosa de ler para quem pretende fugir um pouco dessa literalidade em que nós encontramos. Por tudo isso, recomendo a leitura, tanto desse livro,  assim como de Rani e o Sino da divisão.

domingo, 15 de setembro de 2019

Úrsula


Resenha
Livro: Úrsula
Autora: Maria Firmina dos Reis
Ano da publicação: 1859

Vocês já ouviram falar de Maria Firmina dos Reis? Começo essa resenha com esse questionamento, visto que na minha época de escola nunca havia ouvido falar dessa incrível autora, mulher, negra, abolicionista. Ela é autora do primeiro livro escrito por uma mulher, Úrsula, com temática abolicionista. Pensem o que era naquela época uma mulher negra escrever um romance que trazia a história de negros e negras como pessoas, dotadas de características positivas, não animalizadas e além de tudo, questionando o sistema , patriarcal e escravocrata. Como diz a escritora Chimamanda Ngozi Adichie, é necessário que escutemos outras histórias. A história não é única.
Em sua superfície, o romance possui um enredo simples e folhetinesco: a heroína que dá nome à história, Úrsula, uma mulher branca e pobre, que vive com a mãe, uma senhora paralitica, se apaixona por Tancredo, um jovem bacharel , que corresponde seu amor. Porém, a jovem é objeto da paixão de seu tio, irmão de sua mãe Luisa B., um comendador cruel, que jura que sua sobrinha será sua esposa , custe o que custa. Luisa B. e a filha vivem desamparadas, numa sociedade que tratava as mulheres como meros objetos de apreciação masculina(algo mudou?). Porém, esse é o enredo da superfície.
Logo no começo do livro somos apresentados à Tulio, um jovem negro escravizado, cuja senhoria é a Luisa B. que salva Tancredo, pois esse havia caído de seu cavalo e ficado desacordado. Nessa parte, já ficamos conhecendo as virtudes de Tulio, jovem lindo, negro, escravizado, gentil, bondoso e grato. Ele é colocada em pé de igualdade com o homem branco , Tancredo , e ainda por cima salva sua vida. Tancredo, muito agradecido, devota-lhe amizade, que é correspondida, além de comprar sua carta de alforria.
Também ficamos conhecendo dois outros negros escravizados: mãe Susana e Antero. Um dos capítulos mais comoventes do romance é a narrativa de mãe Susana de como era sua vida no continente africano, com marido, filha e mãe e do dia mais triste de sua vida, a sua captura pelos europeus. Ela narra a liberdade que tinha em sua terra natal e que nunca possuiria no Brasil, mesmo que um dia fosse alforriada, pois sua vida ficara lá. Aqui Maria Firmina inova trazendo uma historicidade ao negro. Na maior parte das histórias da época, os negros são simplesmente escravos, anistóricos, animalizados, sem família nem passado. Aqui, Firmina traz a perspectiva da mulher negra escravizada, e seu passado. Ponto muito ousado do romance naquela época.
A estratégia da autora é louvável: com um enredo na superfície simples e atrativo, acabaria por atrair aquela parcela da população que lia folhetins: burgueses, além da estrutura típica dos romances românticos. Com isso, esperava traduzir os horrores da escravidão para essas pessoas dotadas de privilegio. Firmina ainda usa os valores cristão para rechaçar a escravidão, numa época em que a própria igreja utilizada a Bíblia para justificar o sistema escravocrata.
Os marginalizados em uma sociedade patriarcal e escravocrata, as mulheres e os negros, tem voz e vez nesse romance. Contam sua histórias, são dotadas de sentimentos, de passado, de perspectivas, existem para além de fazer figuração ao homem branco, representado pela figura do Comendador. A mensagem é clara: enquanto existisse o sistema escravocrata e patriarcal, a felicidade de mulheres, negros e marginalizados da sociedade não seria possível. Pergunto a vocês por que um romance dessa magnitude e importância não tem destaque maior nas escolas? Por que, apesar de passados alguns anos do fim da escravidão, vivemos ainda num país racista, que possui em suas instituições a legitimação para suas práticas. Um país que mata seus jovens negros pelas mãos do Estado, que segrega, que magoa, que marginaliza. É necessário que façamos um esforço de sempre perseguir outras histórias, contadas pelo outro, pela mulher, pelo negro, pelo indígena, ou seja, pelo oprimido, a fim de mudar essa homogeneização, pois somos e sempre seremos plurais. Recomendo a leitura.

domingo, 1 de setembro de 2019

Vox


Resenha
Livro: Vox

Autora: Christina Dalcher

Ano: 2018

Número de páginas: 320

Editora: Arqueiro

 

Imaginem um mundo onde as mulheres só podem falar cem palavras por dia? Desde mulheres adultas até adolescentes e bebes recém-nascidos, onde o controle do número de palavras faladas é feito através de uma pulseira colocada no pulso dessas mulheres que as eletrocuta quando falam a centésima primeira palavra do dia. Essa é a premissa básica do livro Vox, escrito pela autora Christina Dalcher.

Esse futuro distópico, mas não muito distante, ocorre apenas nos Estados Unidos, com a eleição de um presidente ultra conservador, que foi precedido por um presidente negro. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. O livro foca-se na historia de Jean, uma ex neurolinguista e professora universitária, que, assim como todas as mulheres, perde seu direito à voz, ao trabalho, à possuir conta, acesso à internet, de ser alguém independente de sua família. Acompanhamos a rotina dessa mulher, que é casada e possui quatro filhos, uma menina e três meninos. Ela vive sua vida até que o irmão do presidente sofre um acidente e fica com um problema na região do cérebro responsável pela fala. Como ela é uma das únicas especialistas nesse assunto no país, o governo abre uma exceção e contrata ela para recuperar a fala do irmão do governante. Ela aceita, não sem antes relutar, mas exige coisas em troca, como tirar a pulseira de sua filha de cinco anos durante o processo de pesquisa.

O livro me lembrou muito outro livro de futuro distópico , O conta da Aia. Nele , as mulheres também perdem o direito às suas escolhas, se transformando em meros receptáculos de crianças. Esse livro, da autora Margaret Atwood, atualmente possui uma adaptação para a tv, na forma de um seriado, que já conta com duas temporadas. Como o livro foi escrito na década de 80, o seriado traz a história para os dias atuais. E qual não foi minha surpresa ao constatar que Vox se parece muito com o seriado. Assim como no seriado, em Vox a protagonista tem uma amiga feminista , que alerta a todos sobre o perigo que as mulheres estavam correndo, mas ninguém acredita, inclusive a protagonista. Assim como no seriado, as protagonistas tem filhos. Uma diferença é que em Vox a Jean possui filhos adolescentes, que estão sendo criados em um meio ideológico ultra- conservador e acabam absorvendo essas ideias. Mas as duas obras são bem similares, por isso o presente livro não me despertou tamanho assombro e surpresa, pois já tinha sido surpreendida anteriormente com a adaptação feita do Conto da Aia.

Em Vox, a narração se dá em primeira pessoa. No meu ponto de vista, as personagens não são muito bem construídas. Gosto bastante de obras onde o autor humaniza seus personagens, dotando-os de atitudes contraditórias, por vezes egoístas, mas acho que essa tentativa foi um pouco fracassada nesse livro. Eu vários momentos me vi com raiva da personagem tamanho o egoísmo dela em algumas de suas motivações. Primeiro, quando jovem ela não se importava com política e ainda ridicularizava sua amiga que se importava. Só passa a querer discutir o assunto quando ela se torna minoria. Tem uma passagem que tenta problematizar o feminismo branco liberal, mas não é desenvolvido no livro, sendo trazido muito jogado, o que acaba prejudicando o envolvimento com essa parte da história. Uma personagem evidencia que as feministas brancas só se preocupam com as pautas das feministas brancas, no que a protagonista sente o constrangimento dessa fala, mas não muda em nada suas atitudes.

O final do livro, apesar de subverter um pouco a lógica que vinha se desenvolvendo, o que acho um aspecto positivo, é muito apressado. Os fatos se resolvem muito rapidamente e se encaixam perfeitamente. Há um clímax que vai se resolvendo, como peças em um quebra cabeça, com pouca complexidade. Isso não me agradou muito.

Apesar dessas críticas, é um livro acessível à todos os públicos, por sua linguagem clara e simples: homens e mulheres deveriam lê-lo e refletir sobre. Nos tempos em que vivemos, onde aqui mesmo no Brasil tivemos a eleição de um candidato que se mostrou misógino, homofóbico e racista durante sua campanha, é um ótimo exercício a leitura dessa obra para questionarmos e conjecturarmos qual será o futuro não só das mulheres, mas dos oprimidos, que não fazem parte do ápice da escala de poder. Como ler para mim, é, além de tudo, uma atividade que desperta empatia, que nos coloquemos no lugar do outro, acredito que seja uma obra necessária, apesar das minhas críticas. Recomendo a leitura, prestando atenção aos detalhes. Termino o texto com uma frase da grande pensadora Simone de Beauvoir, que tem muito a ver com a temática do livro.

 

“Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.”

domingo, 18 de agosto de 2019

Reima


Resenha
Livro: Reima
Autor: Dau Bastos
Ano:2009
Número de páginas: 384
Editora: Record

Reima é um livro lançado pelo autor Dau Bastos, que além de escritor leciona literatura brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Conta a história de personagens, que de tão bem desenvolvidas, parecem pessoas reais, moradores possíveis da cidade do Rio de Janeiro, mais especificamente da região de Santa Teresa, no morro dos Prazeres e do Cerro, além de narrar o cotidiano dos moradores do condomínio Equitativa, que fica entre os dois morros em conflito, que abriga pessoas de classe média.

A obra se desenrola nesse espaço e no tempo presente. Acompanhamos a trajetória dos traficantes, que são humanizados, não se tornando pobres coitados, mas é feito todo um esforço para mostra-los como são: pessoas, seres humanos. As causas que levaram os traficantes Camarão e Reimoso a se tornarem o que são também são bem evidenciadas ao longo da trama.

Também acompanhamos a vida de Boiô, um músico que cresceu no morro dos Prazeres, bissexual e foi ganhar a vida na Europa. Com esse personagem, escancara-se a homofobia presente no Brasil. Também ficamos conhecendo Juca, morador dos Prazeres que se tornou um líder da associação de moradores e enfrenta o poder local, seja dos desmandos dos traficantes ou da polícia.

O enredo se desenrola contando um conflito que ocorreu naquela região, envolvendo os moradores dos três locais citados. Com os moradores do condomínio de classe média desvela-se as contradições dos mesmos e da sociedade dividida em classes e todos os conflitos oriundos dessa organização. Desde Clara, a síndica que passou a se importar com os moradores do morro por serem funcionários do prédio, mas gasta o equivalente ao salário dos funcionários de um mês em cosméticos, até Manuela, mulher jovem universitária de esquerda, que deseja o fim da desigualdade, filha de Gabriel, um homem conservador, com ideais meio psicopatas e dado ao crime.

Os personagens não são unidimensionais. Todos, seja os moradores do morro ou da classe média, tem atitudes boas e ruins, amam, odeiam, traem, transam, choram e riem, são como nós, seres humanos perfeitos em nossa imperfeição. Além do excelente desenvolvimento de personagens, a construção do conflito é memorável. Toda a violência vivida pelos favelados, seja pelas mãos do Estado ou de sujeitos que atuam na ilegalidade, pode ser sentida por nós. Os traficantes são construídos como meras peças de uma engrenagem, substituíveis, enquanto grandes empresários estão por trás da guerra às drogas, guerra essa que mata pobres, negros e periféricos, sem produzir resultado esperado pela população. Também demostra que essa guerra é em certa medida estimulada pela grande mídia e tem apoio maciço de grande parcela da população, que por temer por sua segurança, apoia atrocidades.

A sinopse do livro pode enganar. Muitas pessoas podem achar que se trata de um livro de ação, suspense, que narrará o conflito, com sangue, tiroteio e violência. Isso ocorre, mas o foco não é o suspense em si, mas as consequências dessa violência, os atores que sofrem, os sujeitos que provocam, o estado da cidade do Rio, as desigualdades que os cidadãos cariocas enfrentam, o racismo do Estado, institucionalizado. Existem muitas cenas de sexo no livro, mas que se encaixam no contexto e acabam compondo o conjunto de maneira orquestrada e equilibrada.

Por todos os motivos mencionados, ler essa obra em tempos de intolerância, desamor, violência e falta de empatia é um excelente exercício para nos fazer pensar em nossas próprias contradições, nosso modo de ler e interpretar o mundo, nossa sociedade desigual, mas que não precisa ser assim para sempre. Recomendo a leitura!


domingo, 21 de julho de 2019

Favela Gótica


Resenha
Livro: Favela Gótica
Autor: Fabio Shiva
Ano: 2019
Número de páginas: 279
Editora: Verlidelas

         Favela Gótica, romance com pitadas de ficção científica, distopia, policial e terror. Tudo isso ambientando no nosso Brasil desigual, evidenciando nossas rachaduras enquanto sociedade. Com enredo envolvente e cenas de tirar o fôlego, representa uma inovação muito bem-vinda à literatura nacional. Vamos ao enredo.
         Liana é uma adolescente viciada em uma droga chamada Z, que tem muitas semelhanças com o crack. Como várias outras garotas pobres das nossas periferias brasileiras, precisa mendigar, se prostituir de diversas formas a fim de sobreviver e alimentar seu vício. Paralelamente à história de Liana, acompanhamos os Registros Akáshicos, uma espécie de subnarração que vai ajudando a encaixar os acontecimentos ao longo da obra.
         Liana mora em um casebre numa favela com sua “família”, pessoas sem laços de sangue que se juntaram a fim de conseguir melhor se manter nesse local tão cruel. Em uma noite, que poderia acabar como outra qualquer, Liana presencia um assassinato e acaba sendo perseguida pelos lobisomens, os policiais. O romance todo trabalha através de metáforas: os policiais são lobisomens, que se tornam mais agressivos durante a noite, mostrando as torturas e violência cotidiana à qual os moradores da favela estão submetidos diariamente; as crianças invisíveis , menores moradores de rua, os quais a sociedade não consegue enxergar; os zumbis, usuários da droga, tão submersos nessa situação e viciados quanto os nossos usuários de droga que moram nas ruas; o próprio sistema de produção da droga é tão sujo e envolve autoridades que ganham com essa situação quanto na nossa realidade.
         Acompanhamos através de um narrador em terceira pessoa, que se foca na trajetória de Liana, sua aventura, que é ao mesmo tempo uma busca pela solução de problemas que vão aparecendo ao longo da trama como uma busca por autoconhecimento, onde ela consegue enxergar o verdadeiro sentido de sua existência, das trevas para a luz. A narrativa me lembrou alguns livros que já li, como A mãe, a filha e o espírito da santa, de P. J. Pereira e o clássico de sci fi Laranja Mecânica, do Anthony Burguess, no modo de narrar a história e na violência de alguns acontecimentos.
         Comecei a leitura e conclui em apenas três dias, tamanha a ansiedade para saber sobre os acontecimentos. Uma trama envolvente, narrativa fluida e que de quebra, ainda nos faz pensar sobre as mazelas e chagas da nossa sociedade. Recomendo fortemente a leitura da obra.

domingo, 7 de julho de 2019

A princesa prometida


Resenha
Livro: A Princesa Prometida
Autor: William Goldam (S. Morgenstern.)
Ano da edição: 2018
Número de páginas: 416
Editora: Intrínseca

Uma paródia dos livros de romance épicos. Uma história diferente de tudo que já havia lido do gênero. Essas frases são poucas para expressar a surpresa que me atingiu lendo esse clássico cult, que teve uma adaptação para o cinema, roteirizada pelo próprio autor, na década de 80.
Goldman começa a história dizendo que A princesa Prometida é seu livro preferido, apesar de nunca ter lido o mesmo. Ele nos esclarece esse ponto. O autor fala que o livro, na realidade, não é de sua autoria, mas de um homem chamado S. Morgenstern, nascido em Florin, que possuía mais de 1000 páginas. Ele segue dizendo que o livro foi lido por seu pai para um Goldman de apenas 10 anos quando convalescia de uma pneumonia, na cama de seu quarto. Seu pai havia resumido o livro conforme lia, deixando apenas as partes boas, recheadas de amor, vingança, aranhas, cobras, esgrima, lutas, coragem. Por isso, o Goldman, já adulto, decide reeditar esse grande calhamaço deixando apenas as partes boas lidas pelo seu pai. Ao longo de toda a trama, o autor interrompe a história para contar um pouco de sua vida pessoal e da maneira como foi feita a edição da história.
Nesse momento, posso dizer que fui fisgada pela leitura, pois essa organização era algo totalmente diferente das leituras com as quais estava acostumada. Eis a história. O livro conta a saga de Buttercup e Westley, uma camponesa e um menino da fazenda. Buttercup é uma mulher lindíssima, que se apaixona perdidamente por Westley, os dois apenas dois jovens na época. Ela morava com seus pais em uma fazenda e Westley era um empregado da mesma. Ela sempre maltratava o menino, que respondia aos seus insultos com a mesma frase: como queira. Um dia, quando uma mulher poderosa visita a fazenda dos pais da protagonista e dá em cima de Westley, Buttercup percebe que ele é o amor da sua vida e se declara. O empregado corresponde ao seu amor, mas decide ir para a América em busca de dinheiro, para poder se casar e dar uma vida à altura da protagonista.
Conforme o tempo vai passando, os dois se correspondem por cartas, que , de uma hora para outra, deixam de chegar. Um boato chega aos ouvidos de Buttercup, dizendo que seu amado fora morto por um pirata. Ela perde a razão e jura nunca mais se apaixonar. Após passar um tempo, o príncipe do país necessita casar, em ocasião da morte iminente de seu pai e vê em Buttercup a possibilidade de uma esposa linda, de causar inveja à todos e a pede em casamento. Ela aceita, mas deixa claro que não o ama e nunca amará.
O tempo vai passando, os dois ficam oficialmente noivos. Buttercup é sequestrada por três sujeitos peculiares: o gigante , doce e poeta Fezzik; o italiano Vizzini e o bruxo esgrimista Inigo. Devo confessar que Fezzik e Inigo acabam se tornando meus personagens preferidos ao longo da história, ao lado do casal de protagonistas, pelo seu carisma. Mas o trio sequestrador não contava com a interferência de um homem de preto, que buscava salvar Buttercup das garras dos três. A partir desse momento, a história se desenrola e nos surpreende a cada momento, com muita ironia sobre os clássicos romances românticos, muito bom humor, sátiras e uma pitada de romance na dose certa. A lição principal dessa história é que a vida não é justa.

SÓ LEIAM ESSE PARÁGRAFO APÓS A LEITURA DO LIVRO

Lembra que eu disse que o autor tece comentários ao longo de todo o livro, sobre a edição e sua vida pessoal? Fazendo um pesquisa, descobri que tudo isso não passa de invenção do autor. Todos esses comentários foram muito bem construídos e inseridos, conferindo verossimilhança à história. Juro que realmente acreditei e sofri, ri, com toda a história relatada, mas descobri, após a leitura do livro, se tratar de ficção. A meu ver, não prejudica a leitura, pelo contrário, adorei saber que ao final fui enganada assim como muitos leitores ao redor do mundo. Para mim, isso, junto ao conjunto da obra, torna-a um livro diferente de outros do gênero e especialmente interessante. Descobri também que muitos seriados, filmes e animações fazem referência à essa história. A mais interessante que descobri foi Shrek, que também é uma espécie de paródia dos contos de fada, sendo Fiona a Buttercup e Shrek o Westley. Para quem quiser se divertir, surpreender, chorar, e conhecer esse clássico cult que inspirou dezenas de outas produções, recomendo a leitura.


domingo, 23 de junho de 2019

1984



Resenha
Livro: 1984
Autor: George Orwell
Ano: 2009
Número de páginas: 416
Editora: Companhia das Letras

Guerra é Paz
Liberdade é escravidão
Ignorância é força

Esses são os lemas do Partido, regime de governo que controla a tudo e todos, desde o mais ínfimo pensamento até a maior ação, no ano de 1984, distopia futurística, obra-prima de George Orwell, autor de o também aclamado A Revolução dos Bichos. Antes de abordarmos o livro propriamente dito, é necessário ter em mente quem foi o autor: um homem de esquerda, adepto das ideais socialistas. Quando lançado, o livro foi encarado como uma crítica aos regimes totalitários, de maneira geral. Nos Estados Unidos, por ter sido lançado na época da perseguição aos comunistas (macartismo), foi visto como mais uma ferramenta dessa perseguição.
Mais um olhar mais apurado nos fará perceber que 1984 já está entre nós. Vamos ao enredo. O livro conta a história de Winston Smith, um membro do Partido Externo (algo próximo à nossa classe média), que vive em uma sociedade totalmente controlada pelo governo, o Partido, encarnado na figura do Big Brother (Grande Irmão, reconhece esse nome?). A sociedade é dividida em três classes: aquela à qual pertence Wisnston, a classe mais alta, que seriam os membros do Núcleo do Partido, a elite mais favorecida com o regime e por fim os proletas, a grande massa de trabalhadores. Winston começa a questionar o regime em que vive, de vigilância constante, onde até o mais ínfimo pensamento é passível de ser controlado através de teletelas, aparelhos capazes de transmitir e captar sons e ruídos ambientais ( smart Tv?). Winston conhece Julia, uma jovem sonhadora que odeia o partido e juntos embarcam em uma aventura, junto à uma organização secreta rebelde.
Vários conceitos são apresentados ao longo da trama, como a Novafala, um tipo de dialeto que seria implementado até o final de 2050, próprio do Socing, o regime totalitário do livro. Na Novafala, existia o conceito de duplipensamento, que em linhas gerais, significa conseguir comportar ideias contraditórias e conviver com esse paradoxo. Para exemplificar, nessa sociedade o Ministério do Amor persegue pessoas contrárias ao regime e as mata, o Ministério da Paz promove a guerra, e o Ministério da Verdade reescreve a realidade.
Podemos encontrar muitos paralelos do romance com o momento atual em que vivemos. Afinal de contas, o que seriam as exaustivas fake News, o grande revisionismo histórico observado no mundo e os fatos alternativos de Donaldo Trump senão tentativas de se reescrever a realidade? O que seriam os aparelhos eletrônicos, como smart tv, ou smarthphones, senão as teletelas? O que seriam as redes sociais, senão o Grande Irmão em ação, nos obtendo como produtos?
Acho que o mais perturbador do romance, e por isso mesmo seja um clássico, além do paralelo feito com regimes totalitários que já existiram, é perceber traços de totalitarismo em regimes considerados democráticos, afinal de contas, todos os casos citados no parágrafo anterior ocorrem cotidianamente em democracias. O final do livro não é feliz, mas podemos pensar que na época em que foi escrito havia esse sentimento melancólico e pesado de descontentamento com a situação humana e incerteza em relação ao futuro. Em 2019  o livro completa 70 anos do seu lançamento, que ele possa nos servir para uma reflexão acerca do nosso futuro e sobretudo, do nosso presente. Por todas as razões citadas, recomendo a leitura do livro.

Dica adicional: para quem gosta de ficção científica, recomendo a leitura de mais três romances clássicos do gênero: Laranja Mecânica, Farenheit 451 e Admirável Mundo Novo, todos lidos por mim e com resenhas aqui no blog. Boa leitura e reflexão.

domingo, 2 de junho de 2019

Caminhos de liberdade :a luta pela defesa da selva


Resenha
Livro: Caminhos de Liberdade, A luta pela defesa da selva
Autor: Javier Moro
Ano: 2011
Número de páginas: 460
Editora: Planeta do Brasil

Achei essa obra prima da literatura numa banca que vendia livros pela bagatela de dez reais. Eu, como professora de Biologia, assim que li o nome Chico Mendes na parte de trás do livro me interessei. Não me arrependo de ter comprado.

O livro narra a saga de Chico Mendes- seringueiro, sindicalista, homem de esquerda, ativista pelo meio ambiente- na luta pela defesa da selva. Acompanha a trajetória da família de Chico, desde a juventude de seu pai, até sua morte. O autor narra a vida e luta não só de Chico, como de várias outras pessoas que participaram das lutas , foram companheiras desse ativista durante os anos. Conhecemos Mary Alegretti, uma professora universitária que se dedicou a construir escolas para os seringueiros e teve de enfrentar a ira dos latifundiários, afinal para que pobre empregado precisaria aprender a ler e escrever? Conhecemos Gilson Pescador, um ex padre que lutou nas trincheiras da vida ao lado do companheiro Chico, e apesar de não possuir mais a batina, levou os ensinamentos cristãos a sério e entendia Jesus como homem que foi perseguido, e viveu e morreu pelos pobres. Conhecemos personagens contraditórios, como o matador, ex açougueiro e ex garimpeiro Pernambuco.

Como na vida, os personagens não são unidimensionais, apenas bons ou maus. Todos tem suas contradições e suas qualidades. A exceção talvez fique por conta dos matadores de Chico e grandes latifundiários, preocupados apenas com a acumulação de riqueza em detrimento da exploração da natureza humana e não humana. As atrocidades cometidas pelos latifundiários contra os seringueiros e camponeses é de doer a alma, de arrancar lágrimas de indignação e tristeza. Observamos que os pobres desse país não tem voz e vez, nem direito à nada, nem ao mais básico dos direitos: o de ter uma moradia e garantia de alimentação.

O autor narra com maestria como o Brasil enquanto Estado ao longo dos anos vem tomando iniciativas para favorecer os grandes detentores da terra, deixando seus trabalhadores oprimidos à própria sorte. Acompanhamos o ciclo da borracha, a construção da Transamazônia e todas as consequências drásticas que isso veio a causar para os moradores da floresta e das cidades em volta dessa estrada; acompanhamos o sofrimento dos seringueiros durante a ditadura e sua aproximação com o PT, que representava naquela época a única alternativa de oposição aos militares e de luta nas bases.

O livro atenta para o fato de que o senso comum, a mídia e ate o governo tratam a região da Amazônia como sendo um vazio demográfico, sem gente morando. Sabemos que indígenas e os povos da floresta moram lá e cuidam do seu ambiente há muito tempo.

Chico, assim como as populações tradicionais, pescadores, quebradoras de coco, quilombolas, raízeiras, indígenas, fazem parte de um grupo que tem uma relação com a natureza totalmente diferente da nossa: eles são parte indissociável da natureza. Tem a consciência que para sobreviver, é necessário preservar, pois tiram seu sustento da floresta. Esses povos são responsáveis por reservas de minério, corpos de água sem poluição, solo protegido do agronegócio. Acredito que tenhamos muito a aprender com a maneira com a qual esses povos convivem com a floresta, e parar de tratar a natureza como objeto a ser explorada e dominada.

Conheci através da leitura do livro, toda a luta de Chico Mendes. Me emocionei, ri, chorei, me indignei com seu assassinato. Um povo que não tem memória, está fadado a repetir seus erros. É necessário que resgatemos nossos verdadeiros heróis, e façamos a reflexão de que, após 31 anos da morte de Chico Mendes, os grandes latifundiários continuam a matar os ambientalistas que acreditam em outra lógica de conviver com a natureza, que questiona o modo de produção capitalista. É necessário que saibamos quem foi esse ser humano, que resgatamos suas historicidade, sua materialidade e tenhamos sempre esperança em dias melhores. Recomendo a leitura.


domingo, 19 de maio de 2019

A mulher na janela



Resenha
Livro: A mulher na janela
Autor: A. J. Finn
Ano: 2018
Número de páginas: 352
Editora: Arqueiro

Uma mulher que sofre de agorafobia, medo de sair de casa após um estresse pós traumático. Vivendo a dor de uma separação, seu marido e filha longes, a psicóloga Anna Fox passa seus dias bebendo vinho, que mistura com seus remédios psiquiátricos, jogando xadrez na internet, falando no bate papo com desconhecidos que também sofrem de agorafobia, vendo filmes antigos e espionando seus vizinhos. A casa de Anna é grande e possui muitas janelas, por isso acaba passando o dia todo olhando através delas para a vida de seus vizinhos, que conseguem sair de casa e viver em sociedade. Ela acaba vivendo a vida através deles.

Até o dia que uma nova família se muda para a casa em frente a sua, os Russel. Ela passa a observar essa família e acaba testemunhando um fato grave. Mas ninguém acredita nela, pois, ela é instável, por conta dos vinhos e remédios que toma. Acredito também que pesa o fato dela ser uma mulher. Afina de contas, nós já somos desacreditadas na sociedade, imagina aquelas que sofrem de algum distúrbio psiquiátrico? São tratadas como loucas. Acho que o livro também quis passar essa ideia. Também percebi isso lendo a entrevista que o autor concedeu ao Estadão.

Somos levados o tempo inteiro a tentar entender o que está se passando na cabeça dos personagens do livro. Me fez lembrar bastante de dois outros livros de thriller psicológico também, A Garota exemplar e a A garota no trem. O que realmente é verdade? O Que realmente está acontecendo? O autor vai construindo o mistério ao longo de todo o livro, vai nos dando pistas, mas sem revelar a verdade. O enredo possui muitas viradas surpreendentes.

A linguagem é fluida, narrado em primeira pessoa. Por isso, a sensação que dá é de que você está preso na casa junto com a protagonista. Mais do que isso, a prisão da protagonista é em sua mente, afinal de contas, é isso que a impede de sair de casa. A capa do livro traz a seguinte frase: não é paranoia se está realmente acontecendo. Acaba nos dando pistas sobre os acontecimentos do livro.

O próprio autor afirmou em uma entrevista que teve a ideia do livro baseando-se no filme de Hitchcock, Janela Indiscreta. A inspiração é clara da premissa principal. Ao longo da trama, a protagonista assiste vários filmes desse diretor, inclusive citando as falas. As próprias falas refletem o estado de espirito da personagem naquele momento. Acredito que por isso mesmo, o livro é muito cinematográfico. Não à toa a Fox comprou os direitos da adaptação para o cinema e fiquei curiosa para saber o resultado. O autor também contou na mesma entrevista que sofria de depressão e estava um tempo de licença para se tratar quando teve a ideia do livro. O que explica a profundidade com que o tema de fobia, depressão, ansiedade é tratado. O próprio autor vivenciou essas sensações, o que acaba trazendo muita verossimilhança aos relatos.

Se você gosta de um suspense, de tentar desvendar mistérios, vai adorar esse livro. Eu devorei em apenas poucos dias, quando não estava lendo, ficava pensando na leitura e tentando juntar as peças do quebra-cabeça. Recomendo a leitura!

2001- Uma odisseia no espaço

                                                               Resenha   Livro: 2001- Uma odisseia no espaço   Autor: Arthur ...