Resenha
Livro: O conto da Aia
Autora: Margaret Atwood
Ano de lançamento: 1985
Número de páginas: 366
Margaret Atwood é uma
escritora canadense de 78 anos que já escreveu romances, ensaios, poesias,
contos e histórias em quadrinho. Ganhadora de vários prêmios internacionais, e
está na calçada da fama do Canadá, em Toronto.
O livro O conto da Aia,
de nome original The Handmand’s Tale, foi adaptado para o cinema na década de
90 e ganhou uma adaptação mais recente na forma de série de tv, produzida pela
Hulu, streaming que não chegou ao Brasil ainda, concorrente da Netflix. É
exibida no Brasil pela Paramount. Já tem duas temporadas e a terceira está
confirmada.
A obra fala sobre um
futuro distópico, onde o presidente dos Estados Unidos sofre um golpe por parte
de um grupo religioso fazendo com que o país se torne uma teocracia, baseando
suas leis na bíblia, passando a se chamar Gilead.
Nesse novo país, as
mulheres não têm direito à nada: nome próprio, ler, escrever, trabalhar, sair
de casa. Por conta de desastres ambientais, a maior parte das mulheres não
consegue ter filhos. São divididas em castas: as tias (responsáveis por
educarem as futuras reprodutoras da nação); as esposas, que se vestem de azul e
por não conseguirem cumprir com seu papel na sociedade, são obrigadas a tolerar
a presença de uma aia em sua casa; as Marthas, que se vestem de verde, uma
espécie de governanta da casa dos oficiais; e finalmente as Aias. As Aias, que
se vestem de vermelho, são mulheres que ainda são férteis e utilizadas como
receptáculos, meros úteros de duas pernas, para ter filhos para os comandantes.
Os comandantes são o que conhecemos hoje como governadores, prefeitos etc.
A história é narrada por
Offred. Reparem no nome: Of (significa “de”) mais o nome a quem essas mulheres
pertenciam. A Offred pertencia ao comandante Fred. As mulheres não possuíam
mais seu nome passado, destituídas do que nos diferencia, elas são simplesmente
úteros, cuja função é a reprodução. Quando uma mulher muda de casa, outra se
torna Offred e assim por diante.
Todo mês no período
fértil as Aias são estupradas pelos comandantes, num ritual bizarro. A esposa
participa desse ritual. Confesso que as descrições desse processo me deixaram
nauseadas.
Offred ainda consegue se
lembrar de como era antes desse regime teocrático se instalar. Ela tinha uma
família, uma filha e um marido e acaba sendo separada de todos que ama. Mas ela
possui algo que ninguém consegue remover: a sua memória, suas lembranças. É
através do seu pensamento que a protagonista consegue se manter viva, como um
traço de realidade no bálsamo de tristeza, irracionalidade, que a cerca. Isso
que a faz manter-se viva e ao mesmo tempo, acaba gerando angústia, pois ela se
recorda como era ser mulher naquela sociedade. Necessitamos permanecer
vigilantes aos nossos direitos, sempre, pois de uma hora para outra, eles podem
ser retirados.
A justificativa que se dá
para o cerceamento das mulheres é bíblica e cercada de protecionismo. Os homens
dizem estar protegendo as mulheres de toda aquela liberdade que havia sido
conquistada e mal utilizada.
Aliás, o livro como um
todo me deixou enojada. Por se tratar de uma ficção, uma distopia, carrega um
quê de profecia. Como não traçar paralelos com a realidade em que vivemos?
Algum dia não fomos tratadas como meros receptáculos pelo Estado? Acompanhamos
a discussão sobre descriminalização do aborto recentemente. Até mesmo nos casos
em que há garantia de aborto legalizado no Brasil, a mulher encontra
dificuldades para consegui fazê-lo. No outro extremo, observamos a proposta de
esterilização compulsória das mulheres mais pobres, negando-as o direito de
planejar suas vidas, construir suas famílias. Em que momento da história
recente tivemos nossos plenos direitos garantidos? A nossa sociedade é machista
e por isso, nós, mulheres, somos vistas como meros objetos criados para a
satisfação do homem.
É um livro amargo,
difícil de digerir, impossível esquecer. Acredito que essa seja uma das funções
da literatura: incomodar, tocar na ferida, machucar. Por vezes, precisei parar
para respirar ao ler algumas passagens do livro. Mas, não podemos perder a
esperança de que, em algum dia, consigamos construir uma sociedade mais justa e
mais igualitária para todas e todos. Por isso, fecho a resenha com esse trecho
abaixo:
“Sigo
adiante esta história triste e faminta e sórdida, esta história trôpega e
mutilada, porque afinal, quero que você a ouça... Pelo fato de estar lhe
contando alguma coisa, estou pelo menos acreditando em você... Por que estou
contando está história para você, desejando sua existência, logo você existe.”