Resenha
Livro: Crime e Castigo
Ano de lançamento: 1866
Autor: Dostoievski
Fiódor
Dostoievski havia lançado seu romance de estreia Gente Pobre, pelo qual fora
muito elogiado, quando aos 27 anos, em 1849 foi preso por participar de um
grupo clandestino e conspirar contra o Nicolau I, imperador da Rússia. Na
época, havia sido condenado ao pelotão de fuzilamento, mas acabou tendo sua
pena convertida em longos anos de trabalhos forçados em uma prisão na Sibéria e
Cazaquistão. Lá no confinamento, junto com diversas pessoas, conheceu melhor a
mente humana e quando deixou o exílio, se tornou um grande expoente da
literatura mundial.
O
enredo de Crime e Castigo é bem conhecido: Rodion Romanovicht Raskolnikov,
um (ex)estudante paupérrimo de Direito,
que morava em São Petesburgo para estudar e sobrevivia às custas do dinheiro
que sua mãe mandava para ele resolve cometer um crime: matar uma velha
usurarária, que emprestava dinheiro para os pobres e os explorava, recebendo
todo o dinheiro de volta com juros astronômicos, se aproveitando da pobreza e
necessidade alheias. Rodion planeja o assassinato da velha, porém no momento em
que vai realiza-lo, a irmã dela, Lisavieta, uma doce criatura, chega em casa e
acaba sendo morta juntamente com sua irmã. A partir disso, acompanhamos as
consequências desse episódio na vida desse rapaz.
Rodion
era um ser extremamente inteligente e perspicaz, sendo autor de uma teoria
acerca de crimes, para ele existiam dois tipos de pessoas: comuns e
extraordinárias. As comuns existiam para serem subjugadas às leis e as
extraordinárias seriam imunes à elas. Pessoas tais como Napoleão, que mataram milhões,
em busca de um bem maior. Podemos adivinhar à que classe de pessoas Raskolnikov
achava que pertencia, com seu desprezo pelas pessoas e sua inteligência acima
do usual.
Essa
obra é um clássico, e como tal, é atemporal. São inúmeras as reflexões que
podemos ter lendo essa grande obra prima, se emergimos e nos entregarmos de
cabeça à leitura. As metáforas presentes ao longo de todo o texto são
sensacionais. Como por exemplo a velha usurária representa para Rodion nada
mais que um piolho, em suas próprias palavras, o próprio capitalismo, tão
odiado por nosso protagonista, que explorava e subjugava os pobres, deixando-os
sob seu domínio. A obra é lotada de personagens peculiares que contribuem para
a grandeza magistral do enredo: Sonia, uma prostituta angelical que
representava para Rodion a possibilidade de perdão, redenção, entrega; Lujín,
um homem que gosta de ter entre seus domínios mulheres pobres para poder ser o
herói da vida delas, entre outros.
Repleta
de cenas extraordinárias, tais como o momento em que Lujín acusa Sonia de
roubar dinheiro; as conversas entre o homem viúvo de Marfa e Rodion ou entre
Rodion e seu amigo Rakumikin, todos esses diálogos contribuem para a
grandiosidade da obra. Um ponto interessante a se ressaltar é como o autor
retrata o pensamento de Raskolnikov: assim como somos assaltados por
pensamentos enquanto falamos ou executamos ações, o protagonista também é
invadido por reflexões, por muitas vezes nada agradáveis, no meio de suas falas
e ações, contribuindo para a sensação de imersão tão urgente presente no
decorrer de todo o livro.
Mais
do que a história de um crime, o livro retrata um homem, antes de cometer o
crime, sua humanidade, suas contradições. Seria Rodion capaz de viver em paz e
livre após cometer seu crime ou só viveria em paz no momento em que se
entregasse? O que se passa na cabeça de um criminoso logo após a ação criminal?
Arrependimento, repulsa, dor? Conseguimos imaginar e mergulhar no mundo sórdido
e sombrio de Rodion ao longo das mais de 500 páginas, ora sentindo pena do
criminoso, ora sentindo raiva, ora compaixão, ora dúvida, num carrossel de
sensações nada maniqueístas, que afinal, faz parte da vida de todas as pessoas.
Um livro para ser lido, relido, discutido em qualquer tempo e espaço.