sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Lugar Nenhum


Resenha

Livro: Lugar nenhum
Autor: Neil Gaiman
Editora: Conrad
Páginas: 236
Ano: 2010

Richard é um típico londrino de classe média, trabalhava e estava noivo de Jéssica. A maior aventura de sua vida até aquele momento tinha sido o planejamento do casamento. Em uma determinada noite, quando Richard estava caminhando para chegar em um jantar de negócios com sua noiva, ajuda uma menina de rua, aparentemente uma mendiga, que estava sangrando numa calçada, sob os protestos de sua noiva.

A partir do momento que Richard ajuda a menina, ele se torna invisível para todas as outras pessoas. Os táxis não atendem a seus chamados, as pessoas passam por ele e não o veem. Ele não tem outra alternativa, a não ser seguir a menina para a Londres de Baixo, uma versão dos esgotos e subterrânea da Londres de Cima, a Londres Real. Na Londres de Baixo, Richard vive inúmeras aventuras ao lado da menina que ajudou, Door, cujo dom é abrir portas, que o mudam por completo.

Após viver na Londres de Baixo, mesmo tendo a possibilidade, Richard não consegue retornar para sua vida normal. É nesse ponto que reside a genialidade do livro: a Londres de Baixo é a Londres dos excluídos, dos marginalizados, dos invisíveis, dos pobres. Quando Richard consegue ver e ajudar uma menina pertencente a essa Londres, ele mesmo se torna invisível. Fazendo uma analogia aos excluídos e marginalizados das grandes cidades que são invisíveis para as pessoas, que passam por eles todos os dias, mas fingem não vê-los, ou estão tão acostumados com aquela situação, que não os surpreende mais ver pessoas dormindo ao relento, pedindo dinheiro, convivendo com a fome, o frio e alcoolismo. Coisa que o uma banda baiana chamada Baiana Sytem também faz em sua música de nome Invisível (https://www.youtube.com/watch?v=2PrQwMFGMUc).   

Por que Richard, quando era habitante da Londres de Cima, ainda conseguiu ver a menina Door e ajuda-la? Provavelmente por que Richard ainda possuía alguma humanidade, que o fez enxergar uma excluída. Ao mesmo tempo que os habitantes do submundo são excluídos, temos grandes nobres, marqueses. Ou seja, apesar de serem excluídos por toda a sociedade, serem invisibilizados pelo poder público, são nobres e puros de coração.

A partir do momento que Richard sai de sua zona de conforto e ajuda a menina, ele não consegue retornar à sua vida antiga, mostrando que quando passamos a nos importar com as pessoas, nos envolvendo de verdade, isso provoca mudanças profundas em nós, que acabam por nos transformar.

Além de toda essa reflexão social, Gaiman mais uma vez nos traz um mundo de ficção e fantasia recheado de personagens surpreendentes e muito bem construídos. Podemos citar como exemplo os vilões Sr Croup e Sr Vandemar, frios, calculistas, porém bem humorados. A grande caçadora Hunter, forte, obstinada. O marquês de Carabás é um dos alívios cômicos do livro.


Uma leitura imperdível. Gaiman novamente me fazendo refletir e me surpreende com um romance muito bem construído, nos levando a refletir sobre empatia e solidariedade, sentimentos muito importantes nos dias atuais. 

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Eu vos abraço, milhões.

Resenha
Livro: EU VOS ABRAÇO, MILHÕES
Autor: Moacyr Scliar

Um avô é questionado pelo seu neto, através de uma carta, se é feliz. O avô pensa bastante antes de responder e conclui que sim, é feliz. A partir desse questionamento, o idoso começa a relembrar seus tempos de juventude nesse romance de formação, que é excepcional, o último na vasta carreira de Scliar.

Valdo, quando jovem, sonha em ser revolucionário, mudar o mundo em que vive, fazer a revolução do proletariado. Conhece a obra de grandes comunistas como Marx e Lênin através do filho de sua professora Doroteia, o Geninho. A primeira paixão do Valdo é a leitura. Através de sua sede incessante de leitura, Valdinho se apaixona pela ideologia comunista. Gaúcho, filho de um capataz que trabalhava numa estância e era frequentemente humilhado por seu patrão, coronel Nicácio, vê no comunismo uma chance de fornecer poder ao povo, para que se vejam livres de tantos coronéis Nicácios que vivem por ai.

Valdinho então abandona sua vida no Rio Grande e parte em direção ao Rio de Janeiro, com o objetivo de estudar sobre o comunismo e se tornar um camarada do partido, com a ajuda de um grande pensador da época, Astrojildo Pereira. Enquanto espera o momento de conhecer o intelectual, Valdo precisar começar a trabalhar a fim de sobreviver. Ele se torna operário da obra do Cristo Redentor, símbolo de - palavras dele - alienação, o ópio do povo.

O romance comporta um tempo histórico extenso. Desde a última década do século XIX passando pelas primeiras décadas do século XX, com Getúlio Vargas no poder até chegar aos dias de hoje.
Acompanhamos os questionamentos de Valdo mediante à sua vida, suas escolhas e contradições. Todos possuímos sonhos. A maior parte de nós, quando jovens, possuímos o desejo de mudar o mundo. Mas, muitas vezes, contra nossa vontade, somos levados pela vida a abandonar nossos anseios que tanto nutríamos na juventude pelas exigências da “vida real”, do sistema que vivemos, no qual somos obrigados a trabalhar para viver, muitas vezes em trabalhos que não fazem sentido para nós.

A obra aborda alguns fatos que realmente aconteceram, passando essa informação ao leitor de maneira leve e divertida. Mistura fatos históricos e ficcionais. Uma mixagem que dá certo.

Eu vos abraço, milhões. Uma obra pra ser lida e refletida. Principalmente nos dias de hoje. Fôlego de ânimo e força para quem está desanimado ou desanimada. Vale a pena a leituras das poucos mais de duzentas páginas.

domingo, 6 de agosto de 2017

Número Zero- Umberto Eco

Resenha
Livro: O Número Zero
Autor: Umberto Eco
Ano da primeira publicação: 2015

Uma história de enredo simples - apenas na superfície. Assim eu definiria o romance de Eco, Número Zero. A história se passa em 1992, ano em que ocorreu a operação Mani Pulite, que significa Mãos Limpas, operação que levou à prisão pessoas ricas e poderosas da Itália. Simei, ex professor universitário, fica incumbido de organizar um volume de jornal que nunca será publicado. Um jornal que se destina a difamar, atacar.
Para realizar essa tarefa, Simei contrata Colonna, um homem de 50 anos, que nunca terminou a faculdade e é um escritor frustado; Maia, uma mulher que trabalhava em revistas de fofoca; Bragadoccio, um homem que adora histórias mal contadas e conspirações, entre outros personagens peculiares.

No livro, são feitas reflexões sobre o fazer jornalístico. Como os jornais por muitas vezes, criam ou exageram nas notícias para conseguir conquistar seus leitores. O autor ironiza a prática jornalística que se destina somente à difamação e veiculação de notícias falsas, fazendo-nos refletir, como vem destacado no trecho abaixo:

                                   “Mas os jornais seguem tendências ou as criam?”

Ao longo da trama, podemos perceber como o jornalismo atualmente se alimenta de leituras fáceis, nada complexas, com o objetivo de prender atenção dos seus leitores, não importando muito se a notícia veiculada é realmente verdadeira. Quando alguns redatores do jornal sugerem notícias mais elaboradas, o Simei contra-ataca:

                                 “O leitor precisa de leituras fáceis de serem digeridas.”

Além do genial questionamento à toda classe jornalística, Eco traz outras questões que podem passar despercebidas caso não se preste muita atenção. Pelo fato de ser mulher, sempre me atento na construção das personagens femininas. A Maia, única redatora mulher do suposto Jornal, nunca tem suas ideias aceitas no grupo. Seus colegas de trabalho a desqualificam, tratando-a como louca ou como se seus apontamentos de nada valessem. Maia é uma mulher inteligente e forte, porém, nunca ouvida, retratando o machismo existente não somente na imprensa, como na sociedade como um todo.

Além dos apontamentos já falados, Eco traz uma crítica à expulsão de pessoas de seu local de origem para dar lugar à pessoas ricas, um processo chamado de gentrificação. A transformação do espaço, com posterior expulsão dos moradores locais, o que caracteriza uma crítica à especulação imobiliária, que, no caso do romance, ocorreu em Milão.


Por todos os motivos citados, Número Zero é uma obra que vale a pena ser lida, compartilhada, divulgada e refletida. Configura-se num clássico da literatura de nossos tempos.

2001- Uma odisseia no espaço

                                                               Resenha   Livro: 2001- Uma odisseia no espaço   Autor: Arthur ...