domingo, 24 de março de 2019

On the road- pé na estrada


Resenha
Livro: On the road- Pé na estrada
Autor: Jack Kerouac
Ano da edição: 2004
Editora: L&PM Pocket

Expoente da geração Beat, Jack Kerouac sempre gostou de escrever. Quando pequeno, escrevia diários. Largou a marinha e a faculdade, com o objetivo de se tornar escritor. A geração beat surgiu a partir do encontro de três estudantes na Universidade Columbia, o próprio autor, Allen Ginsberg e William Burroughs. Foi um movimento literário, instalado em uma sociedade altamente conservadora que sustentava a prosperidade econômica americana pós Segunda Guerra Mundial. Esses escritores decidiram inaugurar um movimento que ia na contramão da literatura europeia e estadunidense, com suas prosas bem paragrafadas, pontos e vírgulas de acordo com a norma padrão da língua. O movimento era contrario ao american way of life, aquele estilo de vida que serviria de referência para o mundo: o típico americano, com emprego fixo, casado, com filhos, casa e carro próprios. É bom termos todo esse contexto em mente quando formos mergulhar nessa obra.

O livro tem um tanto de autobiográfico: o próprio autor viajou na companhia de seus amigos através dos Estados Unidos. Acredita-se que ele passou ao todo sete anos nas estradas e levou apenas três semanas para escrever o livro. Na primeira versão, era um texto de parágrafo único de 36 metros de comprimento, pois o Jack escreveu em rolos de papel manteiga colados, para não perder tempo de colocar papel. Escrito à base de muita benzedrina e café, parece realmente nos transportar para aqueles momentos. A primeira versão não foi aceita por nenhuma editora, ele teve que refazer o texto, colocando indesejáveis pontos e virgulas.  O enredo é simples: conta as aventuras de dois amigos viajando. Os personagens são Sal Paradise e Dean Moriarty. Ao longo da trama, temos vários personagens surgindo, as inúmeras mulheres de Dean, os outros amigos que pegavam carona em algumas das inúmeras vezes que eles estavam na estrada. Acredita-se que Sal represente o autor e Dean o amigo com o qual viajou.

O livro é narrado em um fluxo. Os diálogos não são marcados por aspas nem travessões, pois fazem parte da narrativa. Para quem está acostumado à leitura de livros bem formatados, pode estranhar. Eu estranhei um pouco a velocidade da narrativa, mas é perfeitamente compreensível. Parece que estamos pedindo carona junto com os personagens, dirigindo através da América ou adentrando o México, como ocorre na última viagem deles juntos.

Muitas atitudes dos personagens podem ser consideradas machistas em alguns momentos, irresponsáveis, mas é necessário levar em conta o contexto da escrita. Os personagens se desfizeram de todas as amarras sociais a fim de encontrar AQUILO: vida, amor, amizade, felicidade, drogas, sexo, companhia, seja lá o que aquilo represente.

É certamente um livro que te deixa com vontade de viajar e explorar por aí. As descrições meticulosas de tudo e de todos nos traz a sensação de que estamos conhecendo, sentindo os cheiros, gostos, vendo as paisagens, passando perrengues, juntamente com os personagens.

O livro no final, acaba sendo sobre dois amigos. É lindo e às vezes irritante o modo como Sal Paradise idolatra o amigo Dean, que é seu ídolo. Dean, no seu jeito louco, também ama Sal. A amizade que os une acaba sendo o elo do livro, o que importa no final de tudo é estarmos cercados de gente que amamos. O final do livro considerei uma metáfora interessante sobre o modo de vida do autor, não falarei para não dar spoilers, mas prestem atenção.

Para gostar do livro, é necessário levar em consideração todo o contexto de produção e o que essa obra e todas as outras do movimento beat representaram. Acredito que uma das funções da literatura seja criar empatia, que nos coloquemos no lugar do outro. Esse livro me fez pensar em como seria ser um jovem na década de 40 e 50 nos Estados Unidos, em meio a uma sociedade altamente tradicional e que vendia um único modo de vida como certo e detentor da felicidade. Recomendo a leitura, com um olhar empático. Se deixe levar pelas estradas sinuosas da América, na companhia de dois grandes amigos. Relaxe e aproveite a leitura.

domingo, 10 de março de 2019

A casa dos espíritos


Resenha
Livro: A casa dos espíritos
Autora: Isabel Allende
Número de páginas: 448
Editora: Bertrand Brasil

Isabel Allende é uma escritora nascida no Peru, mas com nacionalidade chilena. Autora premiada que conta com mais de 20 títulos escritos, entre romances, contos, poemas e peças. Antes de ser escritora, foi jornalista em uma revista feminina na juventude, onde tratava temas polêmicos, como aborto e liberdade sexual feminina. É sobrinha do Salvador Allende, presidente deposto pela ditadura militar no Chile na década de 70.

Realmente fiquei estagnada, arrepiada, emocionada e no final, sem palavras com a leitura do romance. O livro conta a história de 3 gerações de uma família, que começa com os Del Valle no começo do século passado e termina na década de 70 do mesmo século, com os Trueba. Mistura elementos reais com outros mágicos, típico do realismo mágico. Foi publicado em 1982 durante o boom da literatura latino-americana, na mesma época da publicação de Cem Anos de Solidão, do Gabriel Garcia Marquez. E não é somente a época de publicação que esses dois romances dividem. Os dois contam histórias reais misturados com magia, abordam a trajetória de uma família, e sobretudo, de um continente. Através da leitura dos livros, podemos conhecer melhor a América Latina, no caso da Casa dos Espíritos, pelo ponto de vista feminino.

A história começa com os Del Valle, que tinham vários filhos. A mãe se chamava Nivea e era sufragista, um escândalo naquela época, uma das primeiras feministas do país. Sua filha preferida era Rosa, que acaba morrendo. Rosa estava prometida à Esteban Trueba, que após a morte de sua amada, decide se casar com Clara, que aceita, acreditando ser seu destino. Clara é uma das personagens mais encantadoras da obra. Era clarividente, falava com os espíritos como quem conversa com os vivos. Dona de um coração puro e bom, sempre ajudava muitas pessoas. Pelo seu aspecto divino, não consegue se conectar com seu marido, Esteban. Esse sim, representando a sociedade burguesa, machista. Abusou de muitas mulheres, e nesse momento podemos fazer um paralelo com a colonização da América Latina e em como ocorreram diversos estupros ao longo desse processo. Eles tiveram três filhos: Jaime, Nicolau e Blanca.

Jaime herda o coração puro da mãe e se torna médico para ajudar os pobres e necessitados. Se preciso for, tira a roupa do corpo para dar aos que necessitavam. Nicolau é um  “maluco beleza”, praticante do amor livre e vida sem amarras. Blanca também é uma mulher forte e se apaixona por um dos empregados da fazendo do pai, Pedro Tercero Garcia. Pedro é um homem revolucionário, que desde pequeno desafiava o patrão por acreditar que todos tem o direito à viver com dignidade. Lutava contra a desigualdade em todas as suas formas e vive na história um amor avassalador com Blanca, que resulta em uma gravidez e no nascimento de Alba.

Eu me apaixonei pela Alba. Personagem feminista, idealista, socialista e que acaba desafiando seu avô, que apesar de odiar os comunistas, não consegue fazer o mesmo com sua neta. Ela e o avô tem uma relação de amor, pois esse sentimento é assim, contraditório e que não há concordância entre todas as atitudes dos envolvidos.
A história de desenrola até chegar ao seu clímax, que consiste na deposição de um presidente de esquerda eleito democraticamente. Semelhança com a realidade, pois o Chile teve seu presidente Salvador Allende deposto e viveu quase duas décadas sob o jugo de uma ditadura militar, fato que se repetiu em toda a América Latina.

Nesse livro, podemos sentir o quanto fomos roubados, maltratados, e apesar de tudo, conseguimos fazer poesia, enxergar a magia da vida , mesmo nas coisas mais terríveis. Tudo sob a ótica da mulher, escrito com muito cuidado e abordando temas sensíveis. Além da escrita ser extremamente fluida, o enredo é envolvente. A própria história da família é envolvente e quando fazemos o paralelo com a história da América Latina, isso enriquece mais ainda. Me apaixonei pelo livro, pela autora e pretende ler mais livros dela. Vamos ler mulheres, autores latino-americanos, descolonizar o pensamento e a literatura. Recomendo, obviamente, a leitura do livro.


2001- Uma odisseia no espaço

                                                               Resenha   Livro: 2001- Uma odisseia no espaço   Autor: Arthur ...