domingo, 18 de agosto de 2019

Reima


Resenha
Livro: Reima
Autor: Dau Bastos
Ano:2009
Número de páginas: 384
Editora: Record

Reima é um livro lançado pelo autor Dau Bastos, que além de escritor leciona literatura brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Conta a história de personagens, que de tão bem desenvolvidas, parecem pessoas reais, moradores possíveis da cidade do Rio de Janeiro, mais especificamente da região de Santa Teresa, no morro dos Prazeres e do Cerro, além de narrar o cotidiano dos moradores do condomínio Equitativa, que fica entre os dois morros em conflito, que abriga pessoas de classe média.

A obra se desenrola nesse espaço e no tempo presente. Acompanhamos a trajetória dos traficantes, que são humanizados, não se tornando pobres coitados, mas é feito todo um esforço para mostra-los como são: pessoas, seres humanos. As causas que levaram os traficantes Camarão e Reimoso a se tornarem o que são também são bem evidenciadas ao longo da trama.

Também acompanhamos a vida de Boiô, um músico que cresceu no morro dos Prazeres, bissexual e foi ganhar a vida na Europa. Com esse personagem, escancara-se a homofobia presente no Brasil. Também ficamos conhecendo Juca, morador dos Prazeres que se tornou um líder da associação de moradores e enfrenta o poder local, seja dos desmandos dos traficantes ou da polícia.

O enredo se desenrola contando um conflito que ocorreu naquela região, envolvendo os moradores dos três locais citados. Com os moradores do condomínio de classe média desvela-se as contradições dos mesmos e da sociedade dividida em classes e todos os conflitos oriundos dessa organização. Desde Clara, a síndica que passou a se importar com os moradores do morro por serem funcionários do prédio, mas gasta o equivalente ao salário dos funcionários de um mês em cosméticos, até Manuela, mulher jovem universitária de esquerda, que deseja o fim da desigualdade, filha de Gabriel, um homem conservador, com ideais meio psicopatas e dado ao crime.

Os personagens não são unidimensionais. Todos, seja os moradores do morro ou da classe média, tem atitudes boas e ruins, amam, odeiam, traem, transam, choram e riem, são como nós, seres humanos perfeitos em nossa imperfeição. Além do excelente desenvolvimento de personagens, a construção do conflito é memorável. Toda a violência vivida pelos favelados, seja pelas mãos do Estado ou de sujeitos que atuam na ilegalidade, pode ser sentida por nós. Os traficantes são construídos como meras peças de uma engrenagem, substituíveis, enquanto grandes empresários estão por trás da guerra às drogas, guerra essa que mata pobres, negros e periféricos, sem produzir resultado esperado pela população. Também demostra que essa guerra é em certa medida estimulada pela grande mídia e tem apoio maciço de grande parcela da população, que por temer por sua segurança, apoia atrocidades.

A sinopse do livro pode enganar. Muitas pessoas podem achar que se trata de um livro de ação, suspense, que narrará o conflito, com sangue, tiroteio e violência. Isso ocorre, mas o foco não é o suspense em si, mas as consequências dessa violência, os atores que sofrem, os sujeitos que provocam, o estado da cidade do Rio, as desigualdades que os cidadãos cariocas enfrentam, o racismo do Estado, institucionalizado. Existem muitas cenas de sexo no livro, mas que se encaixam no contexto e acabam compondo o conjunto de maneira orquestrada e equilibrada.

Por todos os motivos mencionados, ler essa obra em tempos de intolerância, desamor, violência e falta de empatia é um excelente exercício para nos fazer pensar em nossas próprias contradições, nosso modo de ler e interpretar o mundo, nossa sociedade desigual, mas que não precisa ser assim para sempre. Recomendo a leitura!


2001- Uma odisseia no espaço

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