domingo, 31 de dezembro de 2017

A Revolução dos Bichos

Resenha
Livro: A Revolução dos Bichos
Autor: George Orwell
Ano de lançamento: 1945

A Revolução dos Bichos, de autoria de George Orwell, um ex militante da POUM (Partido Operário de Organização Marxista), possui um enredo simples: bichos de uma granja, chamada Granja do Solar, são explorados continuamente pelos humanos, representado aqui na figura do Sr Jones. O porco Major,  após dar-se conta dessa exploração, convoca que todos os bichos se reúnam, pois juntos conseguiriam se livrar da exploração causada pelos seres humanos. Passado um tempo, Major morre, mas suas ideias continuam vivas e são postas em práticas pelos animais da granja.

Com um enredo de fácil compreensão, somos apresentados aos personagens, que em sua maior parte, representam importantes personagens históricos presentes na Revolução Russa: temos os líderes Napoleão, que representa Stalin, autoritário desde o início e que sempre discorda das ideais de seu companheiro, mesmo sem oferecer nenhuma outra em troca; temos o outro líder, Bola de Neve, que representa Trotsky, que é expulso logo no começo e pintado como ameaça à Revolução; Sansão e Quitéria, que representam a força do proletariado; o corvo, que representa a igreja, entre outros personagens peculiares.

Através dos acontecimentos na Granja do Solar, que após a tomada de poder pelos animais passa a se chamar Granja dos Bichos, vamos conhecendo um pouco mais sobre a Revolução Russa, sob o ponto de vista de um socialista insatisfeito com os rumos que a mesma teve.  Os porcos se tornam os líderes intelectuais da revolução, e sempre levam vantagem em relação aos outros bichos, com a desculpa de precisarem de mais alimento, mais repouso, pois pensar para todos os bichos, cansa muito. Em suas próprias palavras, todos os bichos são iguais, mas uns mais iguais que os outros.

Enfatizo a origem do autor, pois essa história já foi utilizada diversas vezes como instrumento anticomunista, pois vemos na história uma severa crítica feita aos líderes da Revolução. Porém, em minha opinião, e lendo artigos sobre a escrita do livro e o posfácio do próprio autor, podemos perceber que a história em si não é um crítica ao comunismo, mas ao modo como um movimento, liderado por Stalin, que teve suas origens no proletariado e que se propunha a igualar todos, acabou se transformando em instrumento de poder e coerção. Tanto que podemos perceber as diferenças gritantes entre os  ideias de Bola de Neve e Napoleão, fazendo uma analogia às diferenças que culminaram no afastamento de Stalin e Trostky e posterior perseguição  do último.


Uma obra prima clássica, que pode ser utilizada para discutir variados assuntos dentro da grande temática abordada: política. Porém, deve ser lido com muito cuidado e atenção, para não nos entregarmos às primeiras impressões e tentarmos entender as reai intenções do autor quando escreveu o livro.

domingo, 24 de dezembro de 2017

O Caçador de Pipas

Resenha
Livro: O Caçador de Pipas

Autor: Khaled  Hosseini


O livro conta a história de dois meninos afegãos: Hassan e Amir. A narrativa começa no tempo presente, no momento em que Amir recebe uma ligação de um antigo amigo da família, que diz a ele a seguinte frase pelo telefone: Há uma chance de ser bom novamente. A partir disso, somos levados a mergulhar no mundo de Amir, que começa a narrar sua infância em Cabul, na década de 70 até os dias atuais (começo dos anos 2000).

Amir era um menino rico, filho de um homem poderoso em Cabul. Hassan era um empregado da família de Amir, um hazara, etnia que no Afeganistão do momento somente poderia ocupar papeis de servidão na sociedade. Acompanhamos muito marcadamente a divisão de classes na sociedade afegã da época: o menino rico, que possuía vários bens materiais, ia a escola; o menino pobre, que ficava em casa ajudando o pai, Ali, que também era serviçal da família de Amir, não sabia ler nem escrever. Apesar das diferenças, os dois meninos cresceram juntos, brincavam, saiam, Amir lia para Hassan e diante desses fatos vamos observando e conhecendo, com riqueza de detalhes, a vida dos dois.

No Afeganistão daquela época, era comum ocorrer campeonatos de pipa. Os meninos ficavam soltando pipas, no inverno, e ganhava quem conseguia ficar no céu durante mais tempo com sua pipa intacta. Além disso, quando as pipas caíam no chão, existiam os caçadores, que eram meninos que corriam atrás delas. No inverno de 1975, a vida de Amir e Hassan sofre profundas mudanças. Durante o campeonato de pipas, Hassan desaparece. Amir o encontra em uma situação horrível e violenta, e não o defende, fato que o leva a sentir culpa pelo resto da vida.

Além de acompanharmos a história dos meninos, podemos conhecer melhor hábitos da cultura da sociedade afegã durante os anos. Achei muito interessante e comovente, a descrição dos horrores do início da guerra, quando a URSS invade o país e posteriormente a paz, a um custo alto, obtida com a chegada do Talibã. Os momentos em que havia descrição de situações envolvendo esses eventos era ricamente detalhados, e me emocionaram, me fazendo pensar em como não lemos livros literários que retratam essa realidade, pela ótica do povo que sofreu com esses eventos.

A escrita do autor é fluida e compreensível, não deixando de ser literária, denotativa, porém acessível a todos os públicos. Em alguns momentos o autor insere expressões típicas da cultura e idioma afegãos, traduzindo os termos em seguida, na maior parte das vezes. Passei a conhecer mais a cultura desse povo, que é tão rica e pouco falada.

É um livro emocionante, que possui plot twist, ou seja, viradas extraordinárias, que são realmente surpreendentes, e que não são nem um pouco piegas. Para ser lido e refletido!



domingo, 17 de dezembro de 2017

Paisagem de Outono

Resenha
Livro: Paisagem de Outono – Estações Havana
Autor: Leonardo Padura

No quarto livro da tetralogia Estações Havana, acompanhamos mais uma investigação criminal do detetive Mário Conde. Estações Havana é uma série literária, composta por quatro livros, cada um deles se passando em estação diferente do ano de 1989, ano da queda do Muro de Berlim: Passado Perfeito, que se passa no inverno; Ventos de Quaresma, na primavera; Máscaras, no verão, e finalmente Paisagem de Outono, que como o nome já diz, se passa no Outono.

Nesse último livro dessa série, acompanhamos Mário Conde tentando encontrar o assassino de Míguel Forcade, um homem que fora em vida, expropriador de bens. Ele pegava os bens das famílias que possuíam estátuas valiosas, quadros e entregava ao governo, não sem antes um pequeno desvio aqui e outro acolá. Por essa profissão, e por sua personalidade sórdida, era odiado por grande parte de seus conhecidos. Um dia, após uma viagem à URSS se exila na Espanha para depois ir viver em Miami, casa-se com Miriam, uma jovem, bem mais nova que ele, e retorna à Cuba com a desculpa de ver seu pai doente. Nesse ínterim, acaba sendo assassinado de maneira brutal e seu corpo é achado no mar.

Aliado à toda essa trama, temos um furacão chegando em Havana, que promete arrasar com a cidade, levando tudo que encontrar pelo caminho. Além disso, temos a continuação da investigação policial iniciada no livro anterior.

Nessa obra, recheada de metáforas e analogias, pode-se dizer que podemos encontrar o livro mais melancólico e nostálgico da tetralogia. Todos os volumes trazem um quê de nostalgia, porém nesse último volume, temos essa sensação exacerbada, combinando perfeitamente com a estação retratada: outono. No outono, temos a sensação de que todos os fins de tarde são um pouco tristes, o vento que sopra ao anoitecer, nos traz uma saudade do que ainda não vivemos. É esse sentimento que a leitura desse livro me proporcionou. Saudade do que podemos ainda viver.

A metáfora do furacão é a mais genial do livro: ele representa as mudanças que atingiram não somente Cuba, mas o mundo todo, com a culminância da queda do muro de Berlim, que representou o fim de uma era, o inicio do fim do socialismo na Europa. O furacão arrasta tudo, destrói a ilha, mas não traga o que Conde e todos os cubanos tem de mais forte: a memória. O muro de Berlim, não por acaso, teve sua queda ocorrida em 9 de novembro de 1989, um mês após a data em que o livro termina, que se deu em 9 de outubro de 1989, dia do aniversário de Conde e de Padura.

Ao longo de todos os volumes dessa série, acompanhamos o crescimento de Conde, um personagem cada mais vez intimista, que nos revela ser um policial deslocado, que não possui e nunca possuirá o ethos policial.

Fico imensamente feliz e contemplada por ter conhecido um autor tão completo como o Padura,- fato este que se deu meramente por acaso - e poder acompanhar as histórias escritas por ele. Recomendo a leitura de todos os volumes da tetralogia, se possível, na ordem, para que haja um acompanhamento eficiente do sentimento que Padura tenta nos traduzir em palavras.


domingo, 10 de dezembro de 2017

Máscaras ( Verão)- Estações Havana

Resenha
Livro: Máscaras – Estações Havana ( Verão)
Autor: Leonardo Padura

Terceiro livro da tetralogia Estações Havana, que acompanha o cotidiano de um policial investigador, Mário Conde, durante um ano inteiro de 1989, ano da queda do muro de Berlim.

Esse volume narra a investigação que Conde faz de um assassinato de uma travesti que ocorreu no Bosque de Havana, de maneira sórdida, em meio ao verão escaldante de Cuba. Durante a investigação, Conde conhece personagens peculiares, tais como o Alberto Marqués, dramaturgo que ficou proibido de fazer sua arte na década de 70 e 80, pelo fato de ser gay.

Durante todo esse livro, acompanhamos a discussão do sofrimento que gays, lésbicas, travestis, e pessoas transexuais sofreram em Cuba na década de 70, pois eram vistos como pessoas desviantes da norma padrão e pesos para a classe trabalhadora, o que não era muito diferente da forma como os não héteros também eram vistos nesse momento da história em todo o resto do mundo. Porém, acompanhar o sofrimento dessas pessoas nos faz sentir na pele como o preconceito pode ser cruel, pode inclusive matar, tema importantíssimo ainda na sociedade atual.

Como o próprio nome do livro sugere, nessa obra as Máscaras vão caindo uma a uma. Desde a revelação do fato de um homem que todos acreditavam ser o melhor do mundo e acaba se saindo um grandíssimo covarde, até o fato de Alberto Marqués se mostrar um homem extremamente culto, sábio, o que acaba por ajudar a quebrar a visão estereotipada que Conde possuía do público LGBT. Obviamente, Conde é um homem auto-reconhecidamente machista, mas podemos observar seu crescimento ao longo do livro no sentido de enxergar as pessoas LGBTs como sujeitos, dotadas de razão, sentimentos, talento e que não se resumem somente a sua sexualidade e gênero.

As máscaras, assim como no teatro, vão sendo retiradas gradativamente, o que é interessante para refletirmos como, em nossa sociedade da aparência e do espetáculo, às vezes um fato não é o que parece ser. Nas redes sociais, observamos pessoas cem por cento felizes o tempo inteiro, sem problemas, mas não sabemos o que se encontra por trás dessa máscara de felicidade e contemplação. Atrás disso, podem esconder-se pessoas depressivas, infelizes, entediadas. Por isso é importante refletirmos sobre as máscaras que colocamos em nós e nos outros, a fim de parecer desejável e desejado na nossa sociedade do espetáculo.


E ao se levantar
Olhou pros mascarados
Condenou
São todos falsos
Tantas cópias
De um rosto que antes era meu
(Rubel – Mascarados)

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Ventos de Quaresma

Resenha
Livro: Ventos de Quaresma (Primavera)
Autor: Leonardo Padura

Segundo livro da tetralogia Estações Havana, Ventos de Quaresma se passa na primavera do ano de 1989, ano da queda do muro de Berlim, evento que trouxe muitas mudanças para Cuba. Diante desse fato, acompanhamos mais uma das investigações do detetive Mário Conde, um saudosista e romântico policial, que queria ser escritor.

Nesse segundo volume, Conde precisa desvender o mistério do assassinato de uma professora  de química de 24 anos do antigo colégio dele, La Víbora, ao mesmo tempo que investiga o tráfico de drogas crescente em Cuba. Em contrapartida , Conde vive um momento mágico em sua vida pessoal: se apaixona por uma engenheira química tocadora de saxofone, com quem imagina possuir no futuro uma vida, casar e ter filhos.

Assim como no primeiro livro, temos descrições muito detalhadas da história, o que nos faz estar quase presente em todo o enredo, nos envolve de maneira deliciosa. Acompanhamos o Vento de Quaresma, que traz um prelúdio de uma nova era em Cuba. Pelo país e o mundo estarem atravessando momentos de mudanças, Conde se mostra cada vez mais nostálgico e melancólico, lembrando sempre do passado, do que já aconteceu.

Podemos perceber uma Cuba diferente daquela que conhecemos, através dos livros de Padura: longe de um romance imparcial, conseguimos entender um pouco as contradições desse país que inspira tantos debates apaixonados. Não temos em nossa frente uma defesa acrítica do regime cubano de governo. Em seu lugar, observamos, através das descrições do cotidiano dos personagens, uma visão nada maniqueísta da vida em Cuba, com todas as suas alegrias e seus agrures, numa narrativa cada vez mais sórdida e comovente.


sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Passado Perfeito ( Estações Havana) - Um livro sórdido e comovente

                                               Foto: Emanoel Daflon, da Daflon Fotografia


Resenha: Passado Perfeito (Inverno)
Autor: Leonardo Padura

Me apaixonei pela escrita de Padura ao ler O homem que amava os cachorros. Apesar de ser um calhamaço de mais de 500 páginas, devorei o livro e me interessei em saber mais sobre a vida e obra de Padura. Passado Perfeito é o primeiro livro da tetralogia Estações Havana, que retrata um ano inteiro, passando pelas quatro estações, na vida de Mário Conde, um detetive policial resolvendo seus casos em Cuba. O ano, não por acaso, é de 1989, ano da queda do Muro de Berlim e que trouxe muitas mudanças na vida de todos cubanos. A tetralogia ganhou uma adaptação pela Netflix, roteirizada pelo próprio Padura e sua mulher Lúcia, que vale a pena ver.

Nesse primeiro volume da série, Padura tem seu Ano Novo interrompido para resolver um caso: Rafael Morín, seu ex colega de pré-universitário e homem modelo, sumiu sem deixar vestígios. A partir desse acontecimento, somos levados a mergulhar na vida de Morín, que tem um passado aparentemente perfeito, e vamos descobrindo ao longo da narrativa que a perfeição realmente não existe.

Combinando com a estação retratada, que é o inverno, o livro possui um tom melancólico, pois Conde , quando começa a investigar a vida de Rafael, para conseguir entender o motivo do seu sumiço, acaba investigando a si mesmo, lembrando dos tempos de pré-universitário, em que Conde e seus amigos  tinham todos os sonhos do mundo, todas as possibilidades. Conhecemos e nos apaixonamos por cada personagem apresentada ao longo da trama. O Magro, amigo de Conde da época da escola, que já não é magro há muito tempo, que vive em uma cadeira de rodas após ser baleado e tem com Conde uma relação de irmandade; Jose, a mãe de Magro, que é como uma segunda mãe para Conde; Tamara, que era paixonite de todos os menino do pré universitário; Manolo, parceiro de Conde; Rafael Morín, com seu passado imaculado e Conde, que possuía o sonho de ser escritor, mas acaba virando policial por questões desconhecidas até mesmo pelo próprio.

Somos apresentados a uma Cuba desconhecida, nem descrita com paixão cega tampouco com ódio. Padura se utiliza de romance policial para retratar a realidade de seu país, seus costumes, por isso esse livro não se encaixa no gênero policial, ele vai além disso.

Conde se lembra muito de seu passado e por muitas vezes esse tempo é idealizado, romantizado, assim como todos nós quando nos lembramos de tempo antigos, Conde também idealiza e romantiza seu passado quando mais jovem.

Todos os detalhes do enredo são descritos de maneira meticulosa. Quando temos uma cena em que os personagens estão comendo, conseguimos quase sentir o gosto da comida, por conta da narrativa contundente. Assim como as cenas de refeição, as cenas de sexo são extremamente bem detalhadas e repletas de sensualidade, ainda que por vezes Conde descreva suas mulheres como objeto de consumo, esperando serem conquistadas pelo macho alfa em questão. Acredito que esse seja o único aspecto que não gostei muito no livro e na série, mas essas situações acabam sendo descritas de maneira tão natural que acabam por serem necessárias e fazerem parte da narrativa, da construção do personagem Conde. Porém, em certo trecho do livro temos uma vingança contra essa objetificação das mulheres.


Um livro para ser DEGUSTADO, de maneira sórdida e comovente!!


2001- Uma odisseia no espaço

                                                               Resenha   Livro: 2001- Uma odisseia no espaço   Autor: Arthur ...