domingo, 24 de junho de 2018

Suicidas


Resenha
Livro: Suicidas
Autor: Raphael Montes
Ano de lançamento: 2012

Desde pequena, sou uma leitora ávida: amo literatura e leio livros ficcionais de todos os tipos: sejam eles histórias de romance, literatura clássica, suspense, aventura, entre outros. Já li diversos livros policiais e recentemente descobri um novo tipo de literatura: noir. Esse tipo de escrita, que também se estende à obras cinematográficas, mistura elementos de suspense, literatura policial, onde o mais importante não é a descoberta do criminoso que está sendo investigado em si, mas o desenrolar da trama, a história contada, a atmosfera sendo sentida. Esse tipo de literatura é bem mais rica, no meu ponto de vista, quando comparada com a literatura policial clássica, onde o objetivo inicial e final é a descoberta do culpado. Entretanto, não é a esse tipo de literatura que me refiro na presente obra, Suicidas, mas o tipo clássico de literatura policial.

Raphael Montes é autor desse livro, que aliás, é seu romance de estreia. Após o lançamento de Suicidas, ele já tem outros títulos publicados, como: Dias Perfeitos, O Vilarejo e Jantar Secreto. Tem despontado como uma das grandes revelações da literatura nacional, tendo sido finalista dos prêmios nacionais Benvirá e Machado de Assis. Sua obra Suicidas foi adaptada para o teatro em 2015.

Após pontuar esses aspectos, vamos ao enredo do livro. Nove jovens, moradores da zona sul carioca, decidem se matar em um dia de setembro, em uma casa de campo, praticando roleta russa. Por que jovens, aparentemente com uma vida perfeita, decidem pôr um fim à ela, de maneira tão violenta? Porém, no dia da roleta russa, algo não sai como o esperado e os corpos são encontrados carbonizados, sendo possíveis de serem identificados somente com o fornecimento de arcada dentária. Um ano após esse acontecimento, a polícia, representada pela figura da delegada Diana, convoca as mães desses suicidas para tentar esclarecer as motivações de cada um dos jovens, à luz de novas pistas: foi encontrado um caderno com as anotações de um dos participantes, Alessandro Parentoni. Esse participante, além de possuir um diário, foi escrevendo um livro em tempo real, narrando todos os acontecimentos do dia da roleta.

A partir disso, a narrativa se passa em três distintos tempos: vamos acompanhando a leitura do diário de Alessandro, do seu livro e a gravação da reunião com as mães.
Uma coisa já começou a me incomodar nesse momento: por que somente as mães foram chamadas para essa reunião? Por que não os pais, os responsáveis? Pode parecer um ponto sem importância, mas contribui para perpetuar a ideia de que a educação de um filho é responsabilidade única e exclusiva da mãe.

A policial Diana vai lendo o livro e o diário de Alessandro, considerando tudo aquilo como prova cabal e definitiva dos fatos passados. Se considerarmos toda a adrenalina que ocorria enquanto a roleta russa se desenrolava, como podemos considerar que o Alessandro conseguiu narrar tudo aquilo em tempo real? Como atestar que a história narrada pelo ponto de vista de um único personagem é a verdade? Esses fatos, básicos, não parecem incomodar a polícia. Achei essa uma enorme falha no livro. O motivo da reunião é torpe: não vejo realmente o sentido de levar mulheres, que já foram despedaçadas pelo suicídios de seus filhos, a reviver todos aqueles momentos, pois a policial faz a leitura da obra de Alessandro, que narra em detalhes os acontecimentos.
Achei que o livro exagera na violência. Tudo bem que é um livro policial, já esperamos esse tipo de cena, mas acredito que tenha violência gratuita. Podemos considerar o fato dos jovens estarem passando por momentos de tensão extrema e liberar o que há de mais podre no ser humano, todavia, ainda sigo firme na minha posição de que algumas cenas não precisariam estar presentes, tais como estupro, necrofilia, conferindo um caráter meio sádico ao enredo.

 À primeira vista, os personagens  podem parecer que são caricatos, estereotipados. Temos um playboy da zona sul, forte, meio burro, que só pensa em mulheres; uma mulher feminista, considerada feia para os padrões de beleza; um emo depressivo com tendências suicidas; um nerd que ama escrever e não se dá bem com mulheres. Como falei, o autor tenta desenvolver melhor esses personagens e ir além do estereotipo inicial, sendo em alguns momentos bem sucedido e em outros, nem tanto. Já li uma obra do mesmo autor, Dias perfeitos. Nessa obra, também temos um personagem tímido, nerd, que não se dá bem com as mulheres. Parece repetir uma fórmula.

Acaba a leitura, fiquei surpresa com a reviravolta presente. Porém, analisando melhor, pude perceber que o autor vai deixando várias pistas ao longo da trama, e que, para um leitor mais atento, ficaria fácil de perceber. Assim como em Dias perfeitos, temos aqui um final inesperado, me levando a levantar novamente a hipótese de fórmula que parece dar certo, repetida. Não posso afirmar isso lendo apenas dois livros do autor, mas foi a impressão que ficou comigo.

Acredito ser importante avisar que a obra não deve ser lida por pessoas que possuem depressão, que tenham algum tipo de tendência suicida, pois, como já foi apontado por diversos órgãos, tais como OMS, falar sobre esse assunto acaba ativando gatilho em pessoas que já possuem tais tendências a tentarem realizar esses atos.

O livro contém muitas páginas. Raphael usa de artifícios para te prender até o fim do livro, mas, não por ser excelente, apenas pelo motivo de querer chegar ao fim. Esse foi meu caso. Achei o livro bem problemático em todos os sentidos que falei acima, além da motivação para tudo, que acabamos descobrindo ao final, ser extremamente torpe. 

domingo, 17 de junho de 2018

O caminho de casa


Resenha
Livro: O caminho de casa
Autora: Yaa Gyasi
Ano de lançamento: 2017


Duas meias irmãs, separadas por ocasião de seu nascimento, fruto de um estupro, que nunca vieram a se conhecer. Essa é a premissa inicial da obra O caminho de casa, da escritora ganense Yaa Gyasi.

Esi e Effia , as irmãs, foram criadas por famílias diferentes. Effia foi criada por uma mulher que a odiava e que a vendeu para ser esposa de um britânico, indo morar em Cape Coast, por ocasião de seu casamento. Esi, pelo contrário, teve uma infância recheada de carinho, criada com todo amor por sua família, mas quando sua aldeia perde uma batalha, ela é separada de sua família e levada como escrava. A partir desse ponto, teremos a narração da história de diferentes personagens, todos eles descendentes das duas irmãs. Cada capítulo nos introduz à vidas diferentes, porém ligadas entre si. Longe de conferir ao texto uma quebra ou deixá-lo menos dinâmico, acredito que essa estrutura tenha promovido o efeito contrário: conferiu dinamismo à prosa.

O fato de traçar uma genealogia de família, faz lembrar o livro Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquez, onde o autor colombiano conta a história de várias gerações da família Buendía. Yaa consegue um feito semelhante a Gabo. Sua forma de contar história me lembra a autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.

 

Mais do que contar a história de uma família, observamos o retrato do negro durante vários séculos ate chegar aos dias atuais, tendo como cenário ora Gana ora Estados Unidos. Podemos sentir na pele como a escravidão foi cruel e trouxe consequências para a vida dos descendentes de negros escravizados que ultrapassam séculos. É muito interessante, nesse sentido, o esforço feito no livro de falar sobre a ancestralidade de negros, visto que, em países onde houve a escravidão, é impossível conhecer a sua hereditariedade.

 

A escravidão é retratada de forma muito dolorida, levando-nos, leitores, a refletir sobre como um regime perverso se sustentou durante muito tempo em diversas sociedades. Podemos acompanhar no livro também como os britânicos apreciavam a guerra existente entre os povos fânti e axânti, pois conseguiam lucrar com essa briga, com o comércio de escravos.

 

Podemos observar como a escravidão influenciou a forma como os negros são vistos pela sociedade e instituições em geral, fato que tem origem na sociedade colonial e escravocrata. É impossível não traçar paralelos com o nosso país. Um local extremamente racista, de maneira velada. Onde negros e negras são mortos e mortas pelo simples fato de ter a pele mais escura, não conseguem empregos, não conseguem estudar e ter acesso à uma vida que se equipare à dos brancos. É necessário que façam esforços sobre humanos para conseguir conquistar algo na vida. Enquanto o número de homicídios de mulheres brancas diminui no Brasil, o de mulheres negras aumentou. Vivemos genocídio da população jovem e negra.

 

A autora toca em um importante ponto: fala sobre o colorismo e a tentativa de deixar aquele negro de pele mais clara como sendo não negro. Também é abordado no enredo o tema da solidão da mulher negra, que é relegada à viver sozinha ou se subjugar à relacionamentos com homens que não acreditam que uma mulher negra seja “feita para casar.”

 

De maneira leve e poética, nos leva a refletir acerca de temas tão caros e tão urgentes em nossa sociedade. Leitura necessária e atual, que tem todas as características para se tornar um clássico.


domingo, 3 de junho de 2018

Alvo Noturno


Resenha
Livro: Alvo Noturno
Autor: Ricardo Piglia
Lançamento : 2011



Ricardo Piglia foi um escritor argentino, nascido em 1941, que morreu no ano de 2017 em consequência da doença que descobriu em 2014: esclerose lateral amniotrófica. Autor de cinco romances, dentre eles Alvo Noturno , Dinheiro Queimado e inúmeros ensaios. Pelo livro Alvo Noturno recebeu o prêmio literário venezuelano Romulo Gallegos, já concedido a Gabriel García Marquez, Roberto Bolaños entre outros, além do prêmio Dashiel Hammet.

Alvo Noturno é um livro de narrativa policial na superfície, mas que possui muitas camadas a serem desvendadas. Faz parte da literatura noir, que se caracteriza por histórias que misturam terror, mistério e elementos policiais, mas que vai além da investigação policial.  Assim faz Piglia nesse romance: temos um crime, que já é apresentado nas primeiras páginas. Em um povoado no interior é assassinado Tony Durán, um porto riquenho negro, morador de Nova Jersey, que chega ao interior da Argentina com muito dinheiro. Tony teve um caso com as gêmeas Belladona, filhas de um dos mandachuvas daquele local.

Emilio Renzi, alter ego de Piglia, já presente em outras obras, é enviado de Buenos Aires para o povoado para investigar a morte, mas seu principal objetivo é traçar um painel social daquele local. Essa obra é muito mais que um romance policial usual, visto que o mais importante não é conhecermos o assassino, o responsável pela morte. O crime fica na superfície. O autor está mais preocupado que consigamos conhecer um pouco mais sobre a sociedade argentina retratada na época.

O livro se passa na década de 1970, a mesma época da ditadura na Argentina. Temos personagens usuais de romances policiais, como o  Croce, o comissário investigador, que possui métodos nada comuns para solucionar seus casos de crime, se internando em manicômios ou indo para a cadeia de vez em quando para pensar, adota métodos indutivos e não dedutivos, um excêntrico em sua essência.

Ricardo Piglia narra com êxito o processo de desconcentração industrial que ocorreu na Argentina, assim como suas consequências. Os desmandos e crueldades do capitalismo ficam bem evidentes ao longo de toda a trama. Também podemos perceber por que a chegada de Durán em povoado do interior causa tanto espanto: ele era um negro, com dinheiro. Quase não existem negros na Argentina, pois foram exterminados, como fica bem evidenciado no romance.

Podemos observar a extrema concentração fundiária que existe no meio rural argentino, onde temos uma pequena parcela da população possuindo muitas propriedades de terra, enquanto a maior parte fica relegada ser empregada dessa minoria rica, sem nenhuma perspectiva de melhoria, pois os possuidores de terra já herdam a mesma, por ocasião de nascimento.

O estilo noir, o fato da  revelação da identidade do criminoso não ser o ponto principal do livro, se constituindo, mais do que isso, em um  painel da sociedade argentina da época, me lembra muito a prosa de Leonardo Padura, escritor cubano, autor de romances policiais nada convencionais também, onde, assim como em Alvo Noturno, o principal é conseguirmos conhecer um pouco mais sobre as complexas sociedades, de Piglia, a argentina e de Padura, a de Cuba. Adoro livros nesse estilo e fiquei extremamente feliz em poder conhecer mais um autor latino-americano que contemple esse tipo de escrita. A América Latina é muita rica em literatura, basta sabermos procurar.

2001- Uma odisseia no espaço

                                                               Resenha   Livro: 2001- Uma odisseia no espaço   Autor: Arthur ...