domingo, 31 de dezembro de 2017

A Revolução dos Bichos

Resenha
Livro: A Revolução dos Bichos
Autor: George Orwell
Ano de lançamento: 1945

A Revolução dos Bichos, de autoria de George Orwell, um ex militante da POUM (Partido Operário de Organização Marxista), possui um enredo simples: bichos de uma granja, chamada Granja do Solar, são explorados continuamente pelos humanos, representado aqui na figura do Sr Jones. O porco Major,  após dar-se conta dessa exploração, convoca que todos os bichos se reúnam, pois juntos conseguiriam se livrar da exploração causada pelos seres humanos. Passado um tempo, Major morre, mas suas ideias continuam vivas e são postas em práticas pelos animais da granja.

Com um enredo de fácil compreensão, somos apresentados aos personagens, que em sua maior parte, representam importantes personagens históricos presentes na Revolução Russa: temos os líderes Napoleão, que representa Stalin, autoritário desde o início e que sempre discorda das ideais de seu companheiro, mesmo sem oferecer nenhuma outra em troca; temos o outro líder, Bola de Neve, que representa Trotsky, que é expulso logo no começo e pintado como ameaça à Revolução; Sansão e Quitéria, que representam a força do proletariado; o corvo, que representa a igreja, entre outros personagens peculiares.

Através dos acontecimentos na Granja do Solar, que após a tomada de poder pelos animais passa a se chamar Granja dos Bichos, vamos conhecendo um pouco mais sobre a Revolução Russa, sob o ponto de vista de um socialista insatisfeito com os rumos que a mesma teve.  Os porcos se tornam os líderes intelectuais da revolução, e sempre levam vantagem em relação aos outros bichos, com a desculpa de precisarem de mais alimento, mais repouso, pois pensar para todos os bichos, cansa muito. Em suas próprias palavras, todos os bichos são iguais, mas uns mais iguais que os outros.

Enfatizo a origem do autor, pois essa história já foi utilizada diversas vezes como instrumento anticomunista, pois vemos na história uma severa crítica feita aos líderes da Revolução. Porém, em minha opinião, e lendo artigos sobre a escrita do livro e o posfácio do próprio autor, podemos perceber que a história em si não é um crítica ao comunismo, mas ao modo como um movimento, liderado por Stalin, que teve suas origens no proletariado e que se propunha a igualar todos, acabou se transformando em instrumento de poder e coerção. Tanto que podemos perceber as diferenças gritantes entre os  ideias de Bola de Neve e Napoleão, fazendo uma analogia às diferenças que culminaram no afastamento de Stalin e Trostky e posterior perseguição  do último.


Uma obra prima clássica, que pode ser utilizada para discutir variados assuntos dentro da grande temática abordada: política. Porém, deve ser lido com muito cuidado e atenção, para não nos entregarmos às primeiras impressões e tentarmos entender as reai intenções do autor quando escreveu o livro.

domingo, 24 de dezembro de 2017

O Caçador de Pipas

Resenha
Livro: O Caçador de Pipas

Autor: Khaled  Hosseini


O livro conta a história de dois meninos afegãos: Hassan e Amir. A narrativa começa no tempo presente, no momento em que Amir recebe uma ligação de um antigo amigo da família, que diz a ele a seguinte frase pelo telefone: Há uma chance de ser bom novamente. A partir disso, somos levados a mergulhar no mundo de Amir, que começa a narrar sua infância em Cabul, na década de 70 até os dias atuais (começo dos anos 2000).

Amir era um menino rico, filho de um homem poderoso em Cabul. Hassan era um empregado da família de Amir, um hazara, etnia que no Afeganistão do momento somente poderia ocupar papeis de servidão na sociedade. Acompanhamos muito marcadamente a divisão de classes na sociedade afegã da época: o menino rico, que possuía vários bens materiais, ia a escola; o menino pobre, que ficava em casa ajudando o pai, Ali, que também era serviçal da família de Amir, não sabia ler nem escrever. Apesar das diferenças, os dois meninos cresceram juntos, brincavam, saiam, Amir lia para Hassan e diante desses fatos vamos observando e conhecendo, com riqueza de detalhes, a vida dos dois.

No Afeganistão daquela época, era comum ocorrer campeonatos de pipa. Os meninos ficavam soltando pipas, no inverno, e ganhava quem conseguia ficar no céu durante mais tempo com sua pipa intacta. Além disso, quando as pipas caíam no chão, existiam os caçadores, que eram meninos que corriam atrás delas. No inverno de 1975, a vida de Amir e Hassan sofre profundas mudanças. Durante o campeonato de pipas, Hassan desaparece. Amir o encontra em uma situação horrível e violenta, e não o defende, fato que o leva a sentir culpa pelo resto da vida.

Além de acompanharmos a história dos meninos, podemos conhecer melhor hábitos da cultura da sociedade afegã durante os anos. Achei muito interessante e comovente, a descrição dos horrores do início da guerra, quando a URSS invade o país e posteriormente a paz, a um custo alto, obtida com a chegada do Talibã. Os momentos em que havia descrição de situações envolvendo esses eventos era ricamente detalhados, e me emocionaram, me fazendo pensar em como não lemos livros literários que retratam essa realidade, pela ótica do povo que sofreu com esses eventos.

A escrita do autor é fluida e compreensível, não deixando de ser literária, denotativa, porém acessível a todos os públicos. Em alguns momentos o autor insere expressões típicas da cultura e idioma afegãos, traduzindo os termos em seguida, na maior parte das vezes. Passei a conhecer mais a cultura desse povo, que é tão rica e pouco falada.

É um livro emocionante, que possui plot twist, ou seja, viradas extraordinárias, que são realmente surpreendentes, e que não são nem um pouco piegas. Para ser lido e refletido!



domingo, 17 de dezembro de 2017

Paisagem de Outono

Resenha
Livro: Paisagem de Outono – Estações Havana
Autor: Leonardo Padura

No quarto livro da tetralogia Estações Havana, acompanhamos mais uma investigação criminal do detetive Mário Conde. Estações Havana é uma série literária, composta por quatro livros, cada um deles se passando em estação diferente do ano de 1989, ano da queda do Muro de Berlim: Passado Perfeito, que se passa no inverno; Ventos de Quaresma, na primavera; Máscaras, no verão, e finalmente Paisagem de Outono, que como o nome já diz, se passa no Outono.

Nesse último livro dessa série, acompanhamos Mário Conde tentando encontrar o assassino de Míguel Forcade, um homem que fora em vida, expropriador de bens. Ele pegava os bens das famílias que possuíam estátuas valiosas, quadros e entregava ao governo, não sem antes um pequeno desvio aqui e outro acolá. Por essa profissão, e por sua personalidade sórdida, era odiado por grande parte de seus conhecidos. Um dia, após uma viagem à URSS se exila na Espanha para depois ir viver em Miami, casa-se com Miriam, uma jovem, bem mais nova que ele, e retorna à Cuba com a desculpa de ver seu pai doente. Nesse ínterim, acaba sendo assassinado de maneira brutal e seu corpo é achado no mar.

Aliado à toda essa trama, temos um furacão chegando em Havana, que promete arrasar com a cidade, levando tudo que encontrar pelo caminho. Além disso, temos a continuação da investigação policial iniciada no livro anterior.

Nessa obra, recheada de metáforas e analogias, pode-se dizer que podemos encontrar o livro mais melancólico e nostálgico da tetralogia. Todos os volumes trazem um quê de nostalgia, porém nesse último volume, temos essa sensação exacerbada, combinando perfeitamente com a estação retratada: outono. No outono, temos a sensação de que todos os fins de tarde são um pouco tristes, o vento que sopra ao anoitecer, nos traz uma saudade do que ainda não vivemos. É esse sentimento que a leitura desse livro me proporcionou. Saudade do que podemos ainda viver.

A metáfora do furacão é a mais genial do livro: ele representa as mudanças que atingiram não somente Cuba, mas o mundo todo, com a culminância da queda do muro de Berlim, que representou o fim de uma era, o inicio do fim do socialismo na Europa. O furacão arrasta tudo, destrói a ilha, mas não traga o que Conde e todos os cubanos tem de mais forte: a memória. O muro de Berlim, não por acaso, teve sua queda ocorrida em 9 de novembro de 1989, um mês após a data em que o livro termina, que se deu em 9 de outubro de 1989, dia do aniversário de Conde e de Padura.

Ao longo de todos os volumes dessa série, acompanhamos o crescimento de Conde, um personagem cada mais vez intimista, que nos revela ser um policial deslocado, que não possui e nunca possuirá o ethos policial.

Fico imensamente feliz e contemplada por ter conhecido um autor tão completo como o Padura,- fato este que se deu meramente por acaso - e poder acompanhar as histórias escritas por ele. Recomendo a leitura de todos os volumes da tetralogia, se possível, na ordem, para que haja um acompanhamento eficiente do sentimento que Padura tenta nos traduzir em palavras.


domingo, 10 de dezembro de 2017

Máscaras ( Verão)- Estações Havana

Resenha
Livro: Máscaras – Estações Havana ( Verão)
Autor: Leonardo Padura

Terceiro livro da tetralogia Estações Havana, que acompanha o cotidiano de um policial investigador, Mário Conde, durante um ano inteiro de 1989, ano da queda do muro de Berlim.

Esse volume narra a investigação que Conde faz de um assassinato de uma travesti que ocorreu no Bosque de Havana, de maneira sórdida, em meio ao verão escaldante de Cuba. Durante a investigação, Conde conhece personagens peculiares, tais como o Alberto Marqués, dramaturgo que ficou proibido de fazer sua arte na década de 70 e 80, pelo fato de ser gay.

Durante todo esse livro, acompanhamos a discussão do sofrimento que gays, lésbicas, travestis, e pessoas transexuais sofreram em Cuba na década de 70, pois eram vistos como pessoas desviantes da norma padrão e pesos para a classe trabalhadora, o que não era muito diferente da forma como os não héteros também eram vistos nesse momento da história em todo o resto do mundo. Porém, acompanhar o sofrimento dessas pessoas nos faz sentir na pele como o preconceito pode ser cruel, pode inclusive matar, tema importantíssimo ainda na sociedade atual.

Como o próprio nome do livro sugere, nessa obra as Máscaras vão caindo uma a uma. Desde a revelação do fato de um homem que todos acreditavam ser o melhor do mundo e acaba se saindo um grandíssimo covarde, até o fato de Alberto Marqués se mostrar um homem extremamente culto, sábio, o que acaba por ajudar a quebrar a visão estereotipada que Conde possuía do público LGBT. Obviamente, Conde é um homem auto-reconhecidamente machista, mas podemos observar seu crescimento ao longo do livro no sentido de enxergar as pessoas LGBTs como sujeitos, dotadas de razão, sentimentos, talento e que não se resumem somente a sua sexualidade e gênero.

As máscaras, assim como no teatro, vão sendo retiradas gradativamente, o que é interessante para refletirmos como, em nossa sociedade da aparência e do espetáculo, às vezes um fato não é o que parece ser. Nas redes sociais, observamos pessoas cem por cento felizes o tempo inteiro, sem problemas, mas não sabemos o que se encontra por trás dessa máscara de felicidade e contemplação. Atrás disso, podem esconder-se pessoas depressivas, infelizes, entediadas. Por isso é importante refletirmos sobre as máscaras que colocamos em nós e nos outros, a fim de parecer desejável e desejado na nossa sociedade do espetáculo.


E ao se levantar
Olhou pros mascarados
Condenou
São todos falsos
Tantas cópias
De um rosto que antes era meu
(Rubel – Mascarados)

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Ventos de Quaresma

Resenha
Livro: Ventos de Quaresma (Primavera)
Autor: Leonardo Padura

Segundo livro da tetralogia Estações Havana, Ventos de Quaresma se passa na primavera do ano de 1989, ano da queda do muro de Berlim, evento que trouxe muitas mudanças para Cuba. Diante desse fato, acompanhamos mais uma das investigações do detetive Mário Conde, um saudosista e romântico policial, que queria ser escritor.

Nesse segundo volume, Conde precisa desvender o mistério do assassinato de uma professora  de química de 24 anos do antigo colégio dele, La Víbora, ao mesmo tempo que investiga o tráfico de drogas crescente em Cuba. Em contrapartida , Conde vive um momento mágico em sua vida pessoal: se apaixona por uma engenheira química tocadora de saxofone, com quem imagina possuir no futuro uma vida, casar e ter filhos.

Assim como no primeiro livro, temos descrições muito detalhadas da história, o que nos faz estar quase presente em todo o enredo, nos envolve de maneira deliciosa. Acompanhamos o Vento de Quaresma, que traz um prelúdio de uma nova era em Cuba. Pelo país e o mundo estarem atravessando momentos de mudanças, Conde se mostra cada vez mais nostálgico e melancólico, lembrando sempre do passado, do que já aconteceu.

Podemos perceber uma Cuba diferente daquela que conhecemos, através dos livros de Padura: longe de um romance imparcial, conseguimos entender um pouco as contradições desse país que inspira tantos debates apaixonados. Não temos em nossa frente uma defesa acrítica do regime cubano de governo. Em seu lugar, observamos, através das descrições do cotidiano dos personagens, uma visão nada maniqueísta da vida em Cuba, com todas as suas alegrias e seus agrures, numa narrativa cada vez mais sórdida e comovente.


sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Passado Perfeito ( Estações Havana) - Um livro sórdido e comovente

                                               Foto: Emanoel Daflon, da Daflon Fotografia


Resenha: Passado Perfeito (Inverno)
Autor: Leonardo Padura

Me apaixonei pela escrita de Padura ao ler O homem que amava os cachorros. Apesar de ser um calhamaço de mais de 500 páginas, devorei o livro e me interessei em saber mais sobre a vida e obra de Padura. Passado Perfeito é o primeiro livro da tetralogia Estações Havana, que retrata um ano inteiro, passando pelas quatro estações, na vida de Mário Conde, um detetive policial resolvendo seus casos em Cuba. O ano, não por acaso, é de 1989, ano da queda do Muro de Berlim e que trouxe muitas mudanças na vida de todos cubanos. A tetralogia ganhou uma adaptação pela Netflix, roteirizada pelo próprio Padura e sua mulher Lúcia, que vale a pena ver.

Nesse primeiro volume da série, Padura tem seu Ano Novo interrompido para resolver um caso: Rafael Morín, seu ex colega de pré-universitário e homem modelo, sumiu sem deixar vestígios. A partir desse acontecimento, somos levados a mergulhar na vida de Morín, que tem um passado aparentemente perfeito, e vamos descobrindo ao longo da narrativa que a perfeição realmente não existe.

Combinando com a estação retratada, que é o inverno, o livro possui um tom melancólico, pois Conde , quando começa a investigar a vida de Rafael, para conseguir entender o motivo do seu sumiço, acaba investigando a si mesmo, lembrando dos tempos de pré-universitário, em que Conde e seus amigos  tinham todos os sonhos do mundo, todas as possibilidades. Conhecemos e nos apaixonamos por cada personagem apresentada ao longo da trama. O Magro, amigo de Conde da época da escola, que já não é magro há muito tempo, que vive em uma cadeira de rodas após ser baleado e tem com Conde uma relação de irmandade; Jose, a mãe de Magro, que é como uma segunda mãe para Conde; Tamara, que era paixonite de todos os menino do pré universitário; Manolo, parceiro de Conde; Rafael Morín, com seu passado imaculado e Conde, que possuía o sonho de ser escritor, mas acaba virando policial por questões desconhecidas até mesmo pelo próprio.

Somos apresentados a uma Cuba desconhecida, nem descrita com paixão cega tampouco com ódio. Padura se utiliza de romance policial para retratar a realidade de seu país, seus costumes, por isso esse livro não se encaixa no gênero policial, ele vai além disso.

Conde se lembra muito de seu passado e por muitas vezes esse tempo é idealizado, romantizado, assim como todos nós quando nos lembramos de tempo antigos, Conde também idealiza e romantiza seu passado quando mais jovem.

Todos os detalhes do enredo são descritos de maneira meticulosa. Quando temos uma cena em que os personagens estão comendo, conseguimos quase sentir o gosto da comida, por conta da narrativa contundente. Assim como as cenas de refeição, as cenas de sexo são extremamente bem detalhadas e repletas de sensualidade, ainda que por vezes Conde descreva suas mulheres como objeto de consumo, esperando serem conquistadas pelo macho alfa em questão. Acredito que esse seja o único aspecto que não gostei muito no livro e na série, mas essas situações acabam sendo descritas de maneira tão natural que acabam por serem necessárias e fazerem parte da narrativa, da construção do personagem Conde. Porém, em certo trecho do livro temos uma vingança contra essa objetificação das mulheres.


Um livro para ser DEGUSTADO, de maneira sórdida e comovente!!


terça-feira, 21 de novembro de 2017

Crime e castigo


Resenha
Livro: Crime e Castigo
Ano de lançamento: 1866
Autor: Dostoievski

Fiódor Dostoievski havia lançado seu romance de estreia Gente Pobre, pelo qual fora muito elogiado, quando aos 27 anos, em 1849 foi preso por participar de um grupo clandestino e conspirar contra o Nicolau I, imperador da Rússia. Na época, havia sido condenado ao pelotão de fuzilamento, mas acabou tendo sua pena convertida em longos anos de trabalhos forçados em uma prisão na Sibéria e Cazaquistão. Lá no confinamento, junto com diversas pessoas, conheceu melhor a mente humana e quando deixou o exílio, se tornou um grande expoente da literatura mundial.

O enredo de Crime e Castigo é bem conhecido: Rodion Romanovicht Raskolnikov, um  (ex)estudante paupérrimo de Direito, que morava em São Petesburgo para estudar e sobrevivia às custas do dinheiro que sua mãe mandava para ele resolve cometer um crime: matar uma velha usurarária, que emprestava dinheiro para os pobres e os explorava, recebendo todo o dinheiro de volta com juros astronômicos, se aproveitando da pobreza e necessidade alheias. Rodion planeja o assassinato da velha, porém no momento em que vai realiza-lo, a irmã dela, Lisavieta, uma doce criatura, chega em casa e acaba sendo morta juntamente com sua irmã. A partir disso, acompanhamos as consequências desse episódio na vida desse rapaz.

Rodion era um ser extremamente inteligente e perspicaz, sendo autor de uma teoria acerca de crimes, para ele existiam dois tipos de pessoas: comuns e extraordinárias. As comuns existiam para serem subjugadas às leis e as extraordinárias seriam imunes à elas. Pessoas tais como Napoleão, que mataram milhões, em busca de um bem maior. Podemos adivinhar à que classe de pessoas Raskolnikov achava que pertencia, com seu desprezo pelas pessoas e sua inteligência acima do usual.

Essa obra é um clássico, e como tal, é atemporal. São inúmeras as reflexões que podemos ter lendo essa grande obra prima, se emergimos e nos entregarmos de cabeça à leitura. As metáforas presentes ao longo de todo o texto são sensacionais. Como por exemplo a velha usurária representa para Rodion nada mais que um piolho, em suas próprias palavras, o próprio capitalismo, tão odiado por nosso protagonista, que explorava e subjugava os pobres, deixando-os sob seu domínio. A obra é lotada de personagens peculiares que contribuem para a grandeza magistral do enredo: Sonia, uma prostituta angelical que representava para Rodion a possibilidade de perdão, redenção, entrega; Lujín, um homem que gosta de ter entre seus domínios mulheres pobres para poder ser o herói da vida delas, entre outros.

Repleta de cenas extraordinárias, tais como o momento em que Lujín acusa Sonia de roubar dinheiro; as conversas entre o homem viúvo de Marfa e Rodion ou entre Rodion e seu amigo Rakumikin, todos esses diálogos contribuem para a grandiosidade da obra. Um ponto interessante a se ressaltar é como o autor retrata o pensamento de Raskolnikov: assim como somos assaltados por pensamentos enquanto falamos ou executamos ações, o protagonista também é invadido por reflexões, por muitas vezes nada agradáveis, no meio de suas falas e ações, contribuindo para a sensação de imersão tão urgente presente no decorrer de todo o livro.

Mais do que a história de um crime, o livro retrata um homem, antes de cometer o crime, sua humanidade, suas contradições. Seria Rodion capaz de viver em paz e livre após cometer seu crime ou só viveria em paz no momento em que se entregasse? O que se passa na cabeça de um criminoso logo após a ação criminal? Arrependimento, repulsa, dor? Conseguimos imaginar e mergulhar no mundo sórdido e sombrio de Rodion ao longo das mais de 500 páginas, ora sentindo pena do criminoso, ora sentindo raiva, ora compaixão, ora dúvida, num carrossel de sensações nada maniqueístas, que afinal, faz parte da vida de todas as pessoas. Um livro para ser lido, relido, discutido em qualquer tempo e espaço.


sábado, 28 de outubro de 2017

O Deus das Pequenas Coisas

                                                    Foto: Emanoel Daflon

Resenha
Livro: O Deus das Pequenas Coisas
Autora: Arundhati Roy
Ano de lançamento: 1997

A história do livro se passa em vários momentos: na Índia da década de 60 mesclando momentos da Índia atual (para a época do livro), na cidade de Ayemenem, estado de Kerala . A obra gira em torno de dois irmãos gêmeos bivitelinos muito unidos: Rahel e Estha. Esses irmãos foram separados quando tinham sete anos de idade, por conta de um acontecimento que mudou e moldou a vida dos dois e de toda a sua família. A partir desse acontecimento, somos convidados a conhecer profundamente outros personagens dessa trama.

Passamos a conhecer a intimidade de Ammu, a mãe dos gêmeos, que tinha um sonho de viver a vida, mas acaba casando com o primeiro homem que aparece na sua frente, para se libertar de seus pais, porém acaba caindo em outro tipo de prisão: a de um marido alcóolatra e violento; conhecemos Chacko, o tio dos gêmeos que não consegue superar o divórcio com sua ex-mulher; conhecemos Mamacchi, a avó cega das crianças; Baby Kochama, tia-avô e inimiga, sempre pronta a fazer mal a qualquer pessoa por puro prazer; Sophie Mol, a prima dos gêmeos que tem um desfecho trágico na história e finalmente Velutha, um sindicalista, membro do Partido Comunista, e paravan, intocável.
O livro aborda muito bem a questão dos intocáveis na Índia. As situações que essas pessoas passavam simplesmente por terem sido designadas ao nascer como pertencentes da casta dos intocáveis, que não possui outra função na sociedade, a não ser a de servir os tocáveis. O livro também trabalha muito bem a questão do marxismo e do partido comunista, que estava muito em voga na sociedade indiana, como uma tentativa de acabar com o sistema de castas na sociedade indiana, pelo menos em tese.

A escrita do livro é extremamente poética, me fazendo lembrar por muitas vezes o realismo mágico de Gabriel Garcia Marquez. A autora utiliza muitas figuras de linguagem, tais como metáforas, sinestesias, personificação, hipérboles. Não somente figuras de linguagem, mas outros recursos literários para podermos entender como os gêmeos pensavam e se expressavam. Eles gostam de juntar algumas palavras, como em Refrescodelaranja, refrescodelimão. Outras, eles gostam de separar, como em De Pois. Assim, podemos observar como essas crianças pensavam, e o texto ganha um tom próprio peculiar por conta desses detalhes. Aliás, a obra toda é um conjunto de detalhes extremamente bem trabalhados.

A obra nos faz refletir sobre as pequenas coisas do cotidiano e como no final das contas, são elas que importam. Elas que moldam nossa vida, seja de forma positiva ou negativa. Sempre nos lembraremos dos pequenos detalhes de um dia muito feliz ou muito triste por exemplo. Nos leva a refletir também, assim como na vida dessa família indiana tradicional, parafraseando o rapper Don L: uma frase muda o fim do filme. Ou seja, pequenos acontecimentos determinam e mudam o rumo de nossas vidas e podem influenciar no caminho traçado por nós a partir deles. Nos nossos sentimentos, nossos medos, angústias.

Podemos fazer uma reflexão também sobre o amor, a partir da relação proibida entre Velutha e Ammu. Afinal, quem merece ser amado? E quanto? E como? Os dois, mesmo sabendo de todos os riscos envolvidos na relação entre um tocável e um intocável na sociedade tradicional indiana na década de 60 escolhem viver um breve relacionamento, pois afinal, é nesses pequenos momentos compartilhados que os dois sofredores, por motivos diferentes, encontram a felicidade. O Deus das Pequenas Coisas e a sonhadora Ammu.


Quando lerem o Deus das Pequenas Coisas, prestem atenção aos detalhes, à sonoridade, ao não dito, que tem tanto ou maior significado do que é dito dentro do universo da trama. E mergulhem nessa leitura!

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

A invenção das asas

                                             Foto:Emanoel Daflon

Resenha
Livro: A invenção das Asas
Autora:  Sue Monk Kidd
Ano de lançamento: 2014

Hetty “Encrenca” Grimké: uma menina que era escrava e foi dada de presente à uma outra menina de sua idade quando tinha 10 anos. Seu nome de “branco” é Hetty, mas tradicionalmente os negros davam nomes aos seus filhos que correspondiam às características percebidas de sua própria personalidade, por isso Encrenca. Sarah Grimké: filha de juiz, moradora da Carolina do Sul, abolicionista, e feminista. A obra em questão tem essas duas protagonistas, e retrata a vida das duas durante 35 anos. Baseado na figura histórica de Sarah Grimké, uma abolicionista e feminista que acreditava que os negros eram iguais aos brancos, no século XIX, na Carolina do Sul, altamente escravocrata e racista.

Hetty, quando tinha 10 anos foi dada como propriedade para a Sarah quando esta fez 11 anos, mesmo Sarah tendo sido contra a posse de pessoas. Desde pequena, Sarah acreditava que negros e brancos eram pessoas iguais e deveriam gozar dos mesmos direitos. Desde pequena, lutava para se libertar de uma sociedade conservadora, preconceituosa, inclusive para se libertar de sua própria família. Já Hetty, sempre sonhou com a liberdade, para si e sua mãe, Charlotte. Desde criança, acompanhava os castigos desumanizantes que os negros escravizados sofriam. Esse é um livro feminista, pois mostra a luta por liberdade e emancipação de duas mulheres, claro que em graus diferenciados. Podemos perceber isso com a fala de Hetty quando se dirige à Sarah:

                  “Eu sou presa pelo corpo, mas você é presa pela mente.”

Um ponto muito importante que podemos perceber no livro é a legitimação da escravidão por parte da igreja. Em alguns trechos em que a Sarah está na igreja, podemos perceber como os dogmas da igreja contribuíram para a perpetuação da escravidão no Sul dos Estados Unidos. Um exemplo que podemos observar, e que foi verídico, conforme informado pela autora, foi o fato de Sarah ensinar crianças escravizadas a ler na aula de catequese e ser punida pelo padre por conta disso. Sarah também tenta fazer a libertação de Hetty, da maneira como ela pode quando é pequena, ensinando a pequena Encrenca a ler.

Podemos perceber a visão que os escravos possuíam do Deus retratado pela igreja, por conta da legitimação da escravidão por parte da Igreja, nesse trecho de Encrenca:

“Carregava a imagem de Deus na minha cabeça. Um homem branco, segurando uma bengala como a sinhá ou evitando escravos como o senhor Grimké.”

A obra mescla capítulos em que a narração fica por conta de Sarah e outros capítulos que fica por conta da Hetty. Com isso, podemos ler e conhecer o lado da escravidão vivido e sofrido pelos próprios escravos. Quando elas são crianças ainda, podemos perceber como a Sarah tem direito a ter sonhos, perspectivas de vida, enquanto a Hetty tem a sua infância negada.

Podemos perceber a trajetória tão importante das irmãs Grimké, não somente a Sarah, mas também sua irmã Angelina, que foram abolicionistas e defendiam o direito da mulher e dos negros de serem tratados como iguais na sociedade. Repare, elas iam além do que estava imposto, visto que mulheres não poderiam falar em público, muito menos defender a ideia de que negros eram iguais aos brancos. Nessa época, o Norte dos Estados Unidos já condenava a escravidão, porém não existia a defesa de igualdade racial. Elas foram mulheres que abdicaram de riquezas, famílias em prol de perseguir seus sonhos de liberdade.

A metáfora estabelecida pelo título da imagem é sensacional. Os negros são tratados como criaturas dotadas de poder e mágica, na sua terra Natal e possuíam asas, que são cortadas quando são levados à força pelos diversos locais onde a escravidão ocorreu.

O livro é antes de tudo um livro sobre amizade, sobre amor entre mulheres, não no sentido sexual do termo, mas em relação a amizade, parceria, que é abordada de forma sutil e muito bem construída ao longo de toda a trama.

A autora é uma mulher branca, por conta disso, devemos refletir sobre o motivo de muitas autoras brancas conseguirem escrever sobre a época da escravidão e racismo, e fazerem tanto sucesso e gerarem comoção com suas obras, enquanto obras de escritoras negras não alcançam o mesmo sucesso. É necessário que cada vez mais as próprias protagonistas pertencentes às minorias marginalizadas sejam capazes de escrever sobre suas próprias histórias e alcançarem igual sucesso e comoção às escritoras brancas.

Recomendo fortemente a leitura, por todos os motivos já mencionados. Fecho a resenha com uma frase que me fez refletir muito acerca do conteúdo do livro, fala proferida pela Encrenca:


“Permanecer em silêncio frente ao mal é em si uma das formas do mal.”

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Quarto de despejo- diário de uma favelada

Foto de: Emanoel Daflon

Resenha
Livro: Quarto de Despejo
Autora: Carolina Maria de Jesus
Ano de lançamento: 1960

“Quando eu não tinha nada o que comer, em vez de xingar eu escrevia. Tem pessoas que, quando estão nervosas, xingam ou pensam na morte como solução. Eu escrevia o meu diário.”

Com essa fala da Carolina Maria de Jesus começo minha resenha. Quarto de despejo é o diário de uma mulher negra, pobre, favelada e mãe solteira que viveu no Canindé, extinta favela de São Paulo, às margens do Rio Tietê na década de 1950. O diário acompanha sua vida e rotina durante cinco anos, de 1955 até 1960.  Ela foi descoberta por um repórter, de nome Aurélio Dantas, que tendo sido convocado a escrever sobre a favela, conheceu Carolina e sensivelmente percebeu que ela tinha muito a contar.
Catadora de papel - e tudo mais que pudesse arrumar -, Carolina contava sua história através de cadernos velhos que encontrava no lixo. Ela era mãe de três crianças, as quais criava sozinha. Essa obra é extremamente densa, cruel e real. Realíssima! A autora estudou pouquíssimo tempo na escola, mas apesar disso, seu texto é repleto de lirismo e metáforas. Podemos perceber um exemplo disso na fala abaixo:

“Eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.” 

Uma narrativa real e contundente dessa maneira só poderia ser obra de uma pessoa que vivia essa crua realidade. No livro, acompanhamos o relato de sua rotina e cotidiano da favela. Todas as brigas, violência, incesto, estupro, e principalmente e acima de tudo, a FOME. A fome é companheira fiel de Carolina e sua família durante toda a obra. Muitas vezes, senti vontade de chorar lendo trechos em que ela melhorava ou piorava seu humor de acordo com a disponibilidade de comida. Me fez refletir sobre pessoas que vivem nessa situação ainda, sem nem ter o que comer. Carolina vivia um dia após o outro. Sentimos na pele seu desespero quando não havia conseguido catar nada para tirar o sustento para seus filhos. Uma realidade cruel, que data da década de 50, mas não poderia ser mais atual. As favelas continuam a ser os Quartos de Despejo das cidades.
“É assim no dia 13 de maio eu lutava contra a escravatura atual- a fome.”
Como mulher negra e mãe, podemos perceber a opressão totalmente ampliada que Carolina sofria. O pai de um de seus filhos possuía recursos, mas mesmo assim não ajudava na criação de sua filha, ficando a cargo de Carolina todo o peso de sustentar sozinha uma família. Podemos perceber a todo momento como ela precisa se impor a todo momento para não ser mais uma mulher explorada e abusada dentro da favela.

“Quando eu era menina o meu sonho era ser homem para defender o Brasil porque eu lia na História do Brasil e ficava sabendo que existia guerra. Só lia os nomes masculinos como defensor da pátria. Então eu dizia para a minha mãe: - Porque a senhora não faz eu virar homem.”

Para além de toda dificuldade, fome e violência retratada na favela, podemos perceber um fato marcante: a solidariedade entre os que nada possuem. Na maior parte das vezes, os moradores da favela brigam e se desentendem, fruto do contexto em que estão inseridos, que é desesperador. Mas muitas das vezes eles se ajudam. Compartilham comida, cantam, fazendo da vida um fardo mais leve, quando compartilhado.
Acredito que toda pessoa deveria ler essa obra prima da nossa literatura. Uma literatura verdade, contada por uma pessoa que viveu e sentiu toda aquela realidade retratada. Por isso, apesar de erros gramaticais, não poderia ser mais adequada, cumprindo a função da língua, que é estabelecer comunicação. 

Foi muito difícil falar sobre esse livro por que são tantas questões retratadas, tanta realidade imprimida, tanto sentimento, que fica difícil colocar em palavras toda a enxurrada de emoções descarregada em mim com a leitura dessa obra. Por todos os motivos citados (e muitos outros), não deixem de ler e refletir sobre esse livro. Indispensável, para nos formarmos e reformarmos como seres humanos!

domingo, 17 de setembro de 2017

Droga de Americana!

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Resenha
Livro:  Droga de Americana
Autor: Pedro Bandeira
Ano de lançamento: 2001

Droga de Americana é o quinto livro da séria os Karas, escrito por Pedro Bandeira. Nesse livro, ocorre o sequestro da filha do presidente dos Estados Unidos, quando ele vem ao Brasil fazer um discurso juntamente com o presidente do Brasil. Sua filha estava participando de uma apresentação de ginástica olímpica com sua amiga brasileira, Magrí, quando é sequestrada.

Isso é o que todos pensam que aconteceu. Na realidade, Magrí e Peggy, a filha do presidente, são muito parecidas fisicamente. No lugar de Peggy, os bandidos sequestram Magrí e é óbvio a resolução desse problema é trabalho para os Karas.
Gosto sempre do clima leve dos livros de Bandeira dessa série, mas que sempre abordam assuntos relacionados às questões sociais e políticas. Essa quinta obra não foi diferente, apesar de a meu ver ser o mais fraco de todos os cinco livros da série. Isso pode se dever ao fato do livro ter sido lançado somente muitos anos após o quarto livro, tendo um espaço tão grande entre as continuações, fazendo perder um pouco o ritmo. Apesar disso, as cenas são bem marcantes e algumas muito hilárias, como quando por exemplo o detetive Andrade tenta entender o que os agentes da CIA estão falando, pois ele não fala uma palavra de inglês. Temos ainda nesse livro um diferencial: o detetive Andrade(Android haha), não sabe do envolvimento dos alunos do colégio Elite nesse caso.

A questão social desse livro é o desarmamento da sociedade americana, trazido à baila de maneira sutil com o grupo Heróis em Defesa da América para os Americanos. Esse grupo defende a todo custo o que eles consideram o American way of life, ou estilo de vida dos Americanos. A sociedade norte americana é pautada na tecnicamente liberal liberdade de expressão e defesa à qualquer custo, sendo em muitos Estados permitido ao cidadão andar armado. Nesse livro é feito o questionamento, muito bom por sinal, de quem ganha realmente com essa política armamentista da sociedade americana, ou seja os grandes empresários e políticos. Enquanto isso, a população segue sofrendo com a violência civil e vários países pobres continuam a orbitar em torno dos Estados Unidos, numa dependência tanto financeira quanto política.

Se eu recomendo a leitura? Muito. Apesar de ser o livro que considero mais fraco da série, ainda é um livro excelente, por conta dos questionamentos que levanta e por ressaltar , como sempre, o valor da amizade do grupo do Karas, que se encontra acima de quaisquer outras questões.


O mundo todo é trabalho para os Karas!


quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A droga do Amor

Resenha
Livro: A Droga do Amor
Autor : Pedro Bandeira
Lançamento: 1994

Esse é o quarto livro da série Os Karas. Nessa obra, um cientista que estava trabalhando na cura da Droga do Amor (AIDS) é sequestrado quando chega ao Brasil. Somente ele tem os exemplares da Droga e conhece a fórmula para fazer novas. Essa é mais uma aventura para a turma dos Karas, se não fosse por um detalhe: o grupo foi desfeito.

Magrí estava numa competição de ginástica olímpica nos Estados Unidos e recebe um recado de Chumbinho alertado para o fato da dissolução do grupo e informando que o doutor Q.I. fugiu da cadeia. Rapidamente, ela retorna ao Brasil. Ela não sabe que o grupo foi desfeito por que Calú, Miguel e Crânio são perdidamente apaixonados por ela e decidiram dar um fim à tudo antes que a “droga do amor” acabasse com a amizade deles. Em meio a todas as aventuras vividas, Magrí nos revela seu verdadeiro amor.

O amor de Magrí não é o foco principal da trama, que fala muito mais sobre o poder da amizade do que do amor em si. O livro trata de forma muito leve sobre o monopólio das grandes indústrias farmacêuticas sobre os medicamentos. Quantas pessoas morrem todos os anos por falta de distribuição igualitária de medicamentos? Quantas vidas seriam salvas se não fosse a ganância e exploração das grandes indústrias de medicamentos?

"Será que não somos todos culpados, quando colocamos a ânsia pelo lucro à frente das necessidades das pessoas?"

O título do livro serve para explicar sobre a Droga do Amor no sentindo mais literal, que no caso seria o medicamento que combate a Aids. Uma das maneiras de se contrair HIV é pelo sexo, se configurando como uma droga que se contraí através do “amor”. Como professora de Biologia, posso garantir que muitas pessoas ainda possuem dúvidas sobre a Aids, maneiras de transmissão, tratamento e prevenção, imagina naquela época, em 1994, pois apenas na década de 1980 o tema começou a ganhar notoriedade no mundo. Também pode ser ampliado o sentido para a Droga do amor que poderia acabar separando o grupo dos Karas, por conta do amor que sentiam por Magrí.

Não tenho filhos ainda, mas quando tiver, com certeza darei a coleção de Pedro Bandeira sobre os Karas para eles, por acredito que a abordagem que o autor faz de temas polêmicos é adequadíssima para a faixa etária para a qual o livro se destina. É uma coleção que te deixa com vontade de ler mais e mais. A personalidade dos personagens é muito bem construída, ao passo de sabermos quem está falando determinada fala sem ao menos olhar. Acompanhamos também o crescimento do grupo dos Karas, que nessa obra já estão no Ensino Médio, menos o Chumbinho, por isso podemos perceber o amadurecimento no trato com certas questões.



segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Anjo da morte


Resenha
Livro: Anjo da Morte
Autor: Pedro Bandeira
Ano: 1988

“Ele vivia dizendo que o conhecimento do mal era a única maneira de impedir que o mal se repetisse.”

Começo minha resenha com esse trecho do livro, e vocês entenderão o motivo com sua leitura. Em mais uma de suas aventuras, os Karas enfrentam dessa vez uma organização criminosa internacional, mais perigosa que todas as outras que eles já enfrentaram antes: os nazistas.

Solomon Friedman é (era) um ator judeu que vivia no Brasil desde o final da Segunda Guerra Mundial e amigo/mestre de Calú.. No dia da estreia de uma grande peça sua, enquanto Calú e Magri estão na plateia, Solomon é assassinado no seu camarim, segundos antes de entrar no palco. O grupo dos Karas começa a investigar, junto com seu inseparável amigo detetive Andrade, o possível assassino de Friedman: o Anjo Da Morte, um médico nazista que empalava cabeças de crianças na Segunda Guerra.
Em meio a toda essa aventura, temos a discussão do nazismo ressurgindo. Apesar do livro ter sido lançado em 1988, esse tema continua bastante atual, visto que temos acompanhado uma escalada fascista num mundo, como na a Alemanha pós-primeira guerra, assolado por uma crise econômica e consequentemente política.

Além de toda a discussão já mencionada, pode-se perceber uma crítica social ao abandono de crianças pelo Estado, além da violência sofrida por elas, como podemos ver através desse trecho:

     “Afinal, qual seria o destino delas, se aquele mundo fanático de crimes não lhe          tivesse aparecido? Não seria também um outro mundo de crimes? Não seria também   acabar morto pela bala da polícia ou enterrado nas prisões?”

Também podemos observar a temática do racismo, atrelada a todas as outras já faladas anteriormente. O livro possui como público alvo adolescentes e pré adolescentes, por isso a abordagem da história se dá de maneira leve, apesar de tratar de temas tão sérios e relevantes. Como esse é o terceiro livro da série dos Karas, pude perceber um amadurecimento do autor ao lidar com temas polêmicos. No primeiro livro tudo foi feito muito implicitamente, já no segundo e terceiro podemos observar as questões sendo melhor trabalhadas e um pouco mais aprofundadas – já faziam três anos do fim da Ditadura civil-militar no Brasil.


Recomendo fortemente a leitura, principalmente para jovens leitores, sejam eles de 10 anos ou 70!

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Pântano de Sangue- a saga continua

Resenha
Livro: Pântano de Sangue
Autor: Pedro Bandeira

Nesse segundo livro da coleção da turma dos Karas, os amigos continuam vivendo aventuras de gente grande. Um professor do colégio Elite é assassinado na frente do colégio de maneira brutal. A polícia acredita na hipótese de assassinato, porém, Crânio, o gênio da turma, acha que há algo por trás desse crime. O professor Elias, que foi assassinado, tirava fotos para complementar sua renda. O Crânio acredita que as fotos que foram tiradas pelo professor em sua última viagem ao Pantanal continham algo revelador demais, que acabou causando a morte do professor.
Apesar de na maior parte das vezes, as deduções de Crânio estarem corretas, a turma não acredita na lógica do assassinato que ele criou. Portanto, Crânio parte sozinho para uma aventura no Pantanal. Alguns dias após a saída de Crânio, a turma dos Karas recebe más notícias do detetive Andrade: um piloto fora encontrado morto no Pantanal e sussurrava o nome de Crânio. A partir desse acontecimento, a turma e o detetive Andrade partem para o Pantanal em busca do amigo perdido.
O autor acerta mais uma vez em tocar em assuntos polêmicos e reflexivos de maneira leve, apesar de que, nessa obra, os temas são falados mais abertamente. O livro fala sobre o tráfico de drogas internacional, comércio ilegal de peles de jacaré e em como a cultura indígena, já naquela época em que o livro foi escrito, na década de 80, era massacrada pelos homens brancos.
Tudo isso somado a um grande cenário de paraíso. No primeiro livro, a história se passa em São Paulo. Nesse segundo livro, a história se passa nas planícies do Pantanal, local inóspito para a maior parte da população brasileira, mas que possui uma riqueza e diversidade enormes, que são exploradas dia após dia pelos governos, pelos grandes fazendeiros e latifundiários.

Um livro leve, mas que nos leva a refletir sobre questões sérias, como as mencionadas acima. Vale a pena ser lido por todas as idades.

domingo, 3 de setembro de 2017

O avesso dos coroas, o contrário dos caretas

Resenha
Livro: A droga da Obediência
Autor: Pedro Bandeira


Li alguns livros da coleção dos Karas quando era criança. Fiz a leitura através da biblioteca da escola. Sempre me identifiquei com o ato de ler. Esse foi um dos livros que me cativou na infância e fez firmar em mim o gosto pela leitura. Decidi reler a coleção dos Karas, agora com 23 anos. Com um toque de nostalgia e medo, por perceber que a leitura não era nada daquilo que minhas doces lembranças da infância me proporcionavam.
Ledo engano. O livro foi extremamente revolucionário em sua época e continua o sendo atualmente. Não me decepcionei em nada. O livro é exatamente do jeito que me recordo, com o adendo de que hoje, adulta, amadurecida, consegui perceber questões que não notei na minha primeira leitura.
Os Karas, o avesso dos coroas, o contrário dos caretas. Eles são um grupo de cinco estudantes que estudam em umas das melhores escolas de São Paulo e se reúnem para resolver mistérios. Nessa obra, os amigos ( Miguel, Calú, Crânio, Magrí e Chumbinho) enfrentam o maligno Doutor Q.I., que criou uma droga que faz com que todos obedeçam cegamente suas ordens. Essa droga estava sendo testada em jovens das escolas mais caras de São Paulo. A partir disso, vivem grandes aventuras com o objetivo de solucionar esse caso.
Temos que lembrar a época em que esse livro foi lançado: 1984. Penúltimo ano da ditadura. Bandeira nos faz refletir sobre a ordem imposta, sobre ditadura, através de um livro infanto-juvenil. Os jovens se tornam obedientes, e essa obediência é conseguida através de mecanismos de coerção empregados neles. A metáfora é muito bem feita e nos leva a pensar.
Bandeira promove reflexões sobre a obediência, controle sobre nossos corpos, nossas dores e sofrimentos. Podemos perceber uma clara crítica às ditaduras, aos regimes autoritários que não nos permitem questionar. Trago um trecho em que o temido Doutor Q. I. fala sobre o objetivo da criação da droga:

                   “Nós queremos uma sociedade perfeita como a das formigas, onde cada um conheça seu                       lugar e nele permaneça, produzindo aquilo que deve produzir, cumprindo aquilo que                              deve cumprir.”

Uma leitura clássica, que deve ser lida e apreciada em todas as idades. As crianças irão curtir as aventuras e os adultos conseguirão refletir mais profundamente acerca da história. Termino minha resenha com esse trecho de fala do líder dos Karas:

                 “Eu só entendo que minha capacidade de criticar tudo o que eu ouço e vejo e  a minha                          capacidade de contestar tudo que descubro de errado é o que fazem de mim um ser                              humano. É a minha capacidade de desobedecer que faz de mim um homem.”


Meu desejo é que possamos sempre desobedecer, desafiar a ordem vigente, criticar. Que tenhamos sempre a liberdade de questionar!

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Dias perfeitos

Resenha
Livro: Dias Perfeitos
Autor: Raphael Montes

Téo é um estudante de medicina, que não gosta de se relacionar com ninguém. Possui uma única amiga, Gertrudes, um cadáver da aula de anatomia da faculdade. Vive com sua mãe e o cachorro de sua mãe, Sansão. Téo não é apegado a nenhuma pessoa na sua vida, incluindo sua mãe, a quem se refere constantemente como peso morto, pelo fato de ser cadeirante. Até conhecer Clarice num churrasco em que foi obrigado a ir por sua mãe. Clarice é uma estudante de história da arte e roteirista de cinema amadora. A partir desse momento, Téo vive um sentimento obsessivo por ela. Faz de tudo para terem um relacionamento que não existe, inclusive sequestrando-a e a mantendo em cárcere privado.
Téo é um psicopata. Podemos perceber já no começo quando o autor coloca em evidência que a única amiga dele é um cadáver, nos apresentando o tipo de pessoa com quem ele gosta de se relacionar - uma que não contrarie suas regras -. É um homem, além de desequilibrado mentalmente, extremamente machista, antiquado e conservador. Já Clarice é o oposto dele. É uma mulher bissexual, a favor dos direitos LGBTS, de esquerda, feminista. Um espírito livre que o Téo fez questão de aprisionar, com o objetivo de moldar a personalidade a seu bel prazer.
O autor consegue construir uma narrativa extremamente contundente. Em determinados momentos, admito, preferi pular pelo peso dramático da narrativa. A história é pesada e a construção da personalidade do personagem principal é extremamente eficiente, já que imaginamos mesmo ele como um psicopata, frio e calculista, capaz de fazer qualquer coisa para obter o seu desejo.
Como mulher, me coloquei no lugar da Clarice o tempo inteiro e a sensação foi de coração apertado e frio na barriga (de medo). Nesse quesito o livro cumpre seu objetivo de nos transpor de maneira profunda para a narrativa.
Confesso que fiquei um pouco chateada com o final, pois esperava um completamente diferente. Mas isso não tira o mérito da obra e acredito que o final foi positivo no sentido de nos aproximar com a realidade.
Raphael Montes é um escritor extremamente novo, tem apenas 24 anos. Esse é seu segundo livro que ele classifica como romance policial. No meu ponto de vista, a investigação policial que ocorre é quase inexistente. Para mim esse livro é sobre obsessão, sobre controle do corpo e da mente de mulheres, sobre um psicopata executando seus atos. Vale a pena a leitura!



2001- Uma odisseia no espaço

                                                               Resenha   Livro: 2001- Uma odisseia no espaço   Autor: Arthur ...