domingo, 26 de agosto de 2018

Guantánamo Boy


Resenha
Livro: Guantánamo Boy
Autora: Anna Perera
Ano de lançamento: 2009
Número de páginas: 309

Khalid Ahmed é um típico garoto inglês de 15 anos: vai para escola estudar, sai com amigos, paquera meninas, gosta de futebol e não se liga muito em assuntos de política. Adora mexer no computador, conversar, principalmente com seu primo Tariq, que vive no Paquistão. Apenas por um fato ele se diferencia do resto dos meninos do seu país: ele é muçulmano, com mãe turca e pai paquistanês. Depois do 11 de setembro, começa a sentir na pele a paranoia que se instalou contra o terrorismo no Ocidente. Muitas pessoas passavam na rua olhando para ele, com ojeriza, medo. Seu pai vivia dizendo: são tempos difíceis para os muçulmanos. Mas Khalid, como adolescente, acaba não dando muita importância à essas questões.

No feriado de Páscoa, Khalid viaja com a família para o Paquistão, para visitar seus parentes, por ocasião da morte da sua avó. No Paquistão, Khalid é sequestrado, pois é confundido com um terrorista da Al-Qaeda. A partir desse momento, é levado para uma prisão, onde é interrogado e torturado, sendo transferido posteriormente para Guantánamo, prisão americana que fica em Cuba.

É importante frisar que Khalid tinha apenas 15 anos na ocasião de sua prisão. Não cometeu nenhum crime, apenas era um garoto muçulmano que vivia no Ocidente. Podemos sentir na pele a angústia vivida por Khalid, consegui sentir a dor das torturas, da injustiça. Ainda um menino, sendo tratado de maneira desumana e injusta.
Podemos relacionar o assunto do livro com casos de xenofobia, que todos os dias enche os noticiários. Imigrantes sofrem preconceito e violência nos países que moram. É importante também reparar o emprego do pai e da mãe de Khalid. O pai trabalha há anos como ajudante de cozinha, ganhando pouco e a mãe é secretaria. Os dois, apesar de residirem há anos na Inglaterra, não conseguem ter acesso à empregos que ganhem um pouco mais. Na minha visão, por serem imigrantes.

O livro é ficcional, mas poderia facilmente ser confundido como baseado em fatos, visto a verossimilhança transmitida através do tema, super atual, e da descrição contundente de todo o ambiente. Os personagens são muito bem trabalhados e desenvolvidos. O enredo te envolve e a escrita da autora é fluida, apesar do tema pesado. Indico a leitura.


sábado, 18 de agosto de 2018

O sol na cabeça


Resenha
Livro: O sol na cabeça
Autor: Geovani Martins
Ano de lançamento: 2018
Número de páginas: 119

Geovani Martins é um escritor brasileiro de apenas 26 anos, nascido em Bangu, já morou na Rocinha e atualmente vive no Vidigal. Já trabalhou em diversos ofícios, como atendente de lanchonete, garçom em bufê infantil, barraca de praia e “homem-placa”. Participou da Festa Literária das Periferias, a Flup, teve alguns de seus contos publicados na revista setor X e foi convidado para a programação paralela da Flip. Por que eu fiz toda essa apresentação inicial do autor? Por que o fato de ser quem ele é- pobre, negro, morador de favela- é certamente a inspiração para os treze contos que compõem o livro.

O livro O sol na cabeça já teve seus direitos vendidos para virar filme e já foi comercializado para nove países diferentes. O que o torna tão especial? É um livro que possui treze contos, todos diferentes e sem ligação entre si, mas que giram em torno de uma temática principal: a vida nas periferias.

A obra impressiona pelo realismo e pela presença de muitas vozes. Nos contos onde o narrador é personagem, a linguagem é característica da juventude periférica, com gírias, muitas vezes locais, com traços de oralidade. Isso impressiona, parece que estamos escutando uma pessoa contar, tamanho o grau de realidade que esse tipo de escrita confere. Já nos contos onde o narrador é observador, a linguagem já é a da gramática normativa. Isso confere um extremo realismo aos contos, pois parecem que foram escritos por pessoas realmente diferentes, e você passa a acreditar naquelas histórias.

Percebam que usei as palavras realismo e realidade, por que é basicamente disso que os contos tratam.  A realidade da vida nas periferias brasileiras, mais especificamente no Rio de Janeiro. Mas ao invés daquela visão que muitos, que não vivem a realidade de uma favela tem, estereotipada, conseguimos enxergar as cores, sons, e beleza na vida daquelas pessoas que são tão maltratadas pelo Estado, seja pelas mãos da polícia , dos bandidos ou pela ausência de políticas públicas.
O trecho abaixo é apenas um dos inúmeros que evidenciam a desigualdade presente no Rio de Janeiro:

“ Era tão bom tudo aquilo, que queria continuar trabalhando pra sempre, pensava isso enquanto estava em casa; mas, quando chegava nos condomínios, pegava o cano que usava pra recolher as bolinhas de tênis, pisava na quadra, sentia o sol esquentando na minha cabeça, a obrigação de servir gente que nem olhava na minha cara, nessas horas eu queria nunca mais depender de ninguém nessa vida.

O Brasil é um país que foi formado e carrega até hoje traços de seu passado colonial, com tradições escravocratas, onde o negro era e ainda é tratado como não gente, pela elite e, muitas vezes, pela classe média. Isso fica bem explicitado na obra, com o medo no olhar da classe média quando um menino negro passa, o desprezo e o nojo dirigidos aos moradores da periferia, os não gente.

Também podemos observar a poesia do cotidiano, em vários contos, pois na pobreza e na periferia não existe somente tristeza, existem vários momentos de alegria. No conto da velhinha candomblecista, pude sentir o aconchego daquele centro espírita, o carinho das crianças para com ela.

Um ponto muito importante a ser observado, que reflete a realidade das periferias: quase nenhum personagem tem pai, é a mãe que cria. O pai fugiu, foi embora, ou quando muito, anda sempre bêbado. Isso encontra eco na realidade, pois a maior parte das famílias das classes mais baixa é chefiada por mulheres. A resistência, a força e fibra dessas mulheres fica homenageada nessa obra.

Minha primeira experiência com a leitura de um livro completo de literatura marginal e só tenho elogios à obra. Meu conselho é que fiquemos de olho no que mais o Geovani irá produzir, pois o autor promete, visto esse livro ser o seu de estreia. Recomendo muito a leitura do livro por todos os motivos que foram falados. A leitura nos faz conhecer realidades que não são nossas e nos faz praticar empatia. Acho que essa é uma das maiores contribuições da literatura: a prática desse sentimento tão importante nos dias atuais. Boa leitura!

“Tive que ouvir que tava errado por falar pro ceis
Que seu povo me lembra Hitler
Carregam tradições escravocratas
E não aguentam ver um preto líder”
Música Junho de 94, Djonga

domingo, 5 de agosto de 2018

Todo dia


Resenha
Livro: Todo Dia
Autor: David Levithan
Ano de lançamento: 2012
Número de páginas: 280

Todos os dias , A acorda em um corpo diferente. Tem 16 anos e toda sua vida foi assim. Uns dias acorda no corpo de meninas que gostam de meninos, outros no corpo de meninas que gostam de meninas, meninos que gostam de meninos , no corpo de pessoas brancas, negras, pobres, ricas, enfim, a única certeza é que a pessoa terá a mesma idade de A. Quando A era pequeno, já havia percebido que tinha famílias diferentes a cada dia, mas achava que isso fosse o normal para todos. Conforme foi crescendo, foi começando a entender sua condição.

Imagine não possuir corpo, somente uma essência? Não possuir gênero, família, amigos? Assim vive A. Não se importa muito com a situação. Já desistiu de tentar entendê-la. Vive conforme suas regras: tentar não se apegar e tentar não interferir tanto na vida da pessoa que o abriga, afinal, ele é apenas um hospedeiro por 24 horas. Mas tudo isso muda quando ele ocupa o corpo de um garoto chamado Justin e se apaixona por sua namorada, Rhiannon. A partir desse momento, A muda suas regras e passa a querer viver o amor ao lado dessa menina por quem está apaixonada (o).

A premissa do livro por si só já chama atenção, pois é muito diferente de tudo que estamos acostumados a ler. Acredito que a principal mensagem do livro seja sobre empatia. Será que somos capazes de amar alguém que muda de corpo todos os dias? Afinal, amamos corpos ou essências? Você continuaria a amar seu marido, esposa, namorada(o) se isso ocorresse? É interessante colocar esse debate em questão. 

Podemos estendê-lo para discutir identidade de gênero e orientação sexual. Identidade de gênero é como você se identifica no mundo, de acordo com os papeis de gênero estabelecidos na sociedade que você vive. Homem, mulher, não binário. Já orientação sexual diz respeito à quem você se atrai, por quem você sente carinho.  A diferença entre esses dois conceitos fica bem exemplificada nas situações do livro.

A já acordou no corpo de pessoas suicidas, drogadas. Uma diversidade enorme de vidas. Os adolescentes que lerem o livro vão se identificar, provavelmente, com algumas das situações vividas pelo(a) protagonista. Afinal, são fatos que fazem parte da vida da maior parte das pessoas de 16 anos. Nisso, o livro cumpre um papel crucial: de fazer o leitor se colocar no lugar das pessoas, praticando a identificação emocional com o outro, que não é você. O autor trabalha esses problemas cotidianos de maneira não sensacionalista e panfletária, a meu ver, uma abordagem correta dos temas. O sentimento juvenil de não se encaixar em lugar nenhum, de não se sentir completo, de construção de identidade, é bem representado pelas várias vidas do personagem.

Rhiannon e A irão viver um romance intenso e arrebatador. Mas será que Rhiannon consegue amar além da capa, além da casca do corpo? Ela é uma personagem nada maniqueísta, possui muitas camadas e é dotada de realidade, pois somos seres humanos, passíveis de erros e contradições. Mais um ponto positivo para o romance.

Por tudo que foi explicitado acima, recomendo fortemente a leitura do romance. É relativamente curto, perfeito para jovens adultos e adolescentes, especialmente esses últimos, que estão em constante processo de construção de identidades. Aliás, quem não está se construindo e reconstruindo o tempo inteiro? Livro gostoso de ler, fluido, dinâmico, e que nos faz refletir sobre questões sérias e urgentes, de maneira leve. Acredito que a mensagem principal, dentre tantas outras, seja: pratiquemos empatia! Só ela nos salva! Deixo vocês com uma citação que achei extremamente marcante.


“Não sei como isso funciona, nem o porquê. Parei de tentar entender há muito tempo. Nunca vou compreender, não mais do que qualquer pessoa normal entenderá a própria existência. Depois de algum tempo é preciso aceitar o fato de que você simplesmente existe. ”

2001- Uma odisseia no espaço

                                                               Resenha   Livro: 2001- Uma odisseia no espaço   Autor: Arthur ...