Resenha
Livro: Desde que o samba é samba
Autor: Paulo Lins
Ano: 2012
Número de páginas: 303
Paulo Lins se consagrou como autor com seu primeiro
romance lançado em 1997, Cidade de Deus. Passados 15 anos, lança seu segundo
romance. O livro é um romance documental, feito a partir de uma extensa pesquisa bibliográfica,
em livros, sites e falas de entidades de umbanda e candomblé, que retrata o
surgimento do samba, a reinvenção desse ritmo, o surgimento de novos
instrumentos, no bairro Estácio, no Rio
de Janeiro, assim como a origem da primeira escola de samba, Deixa Falar.
Além desse enredo público, a trama gira em torno de 3
personagens, de maneira mais privada: o malandro Brancura, o português Sodré e
a prostituta Valdirene. Ademais, temos personagens secundários, tão importantes
quanto esses, como Tia Almeida (tia Ciata), Silva(Ismael Silva), Bide e Bastos.
Figuram pessoas importantes de maneira pontual, como Carmen Miranda, Mário de
Andrade, entre outros.
Gosto de romances que instigam nossa curiosidade. Nem
todos os episódios narrados são verdadeiros, então é necessário que haja uma
pesquisa paralela à leitura do livro a fim de verificar a veracidade dos fatos.
O triângulo amoroso formado por Brancura, Valdirene e
Sodré consegue nos prender desde o início. Os personagens são carismáticos. A
todo momento eu conseguia imaginar um filme ou seriado resultando do livro.
É importante destacar: o livro narra o surgimento da
Umbanda, pois é impossível falar sobre samba sem abordar a importância dessa
religião estritamente brasileira, que surgiu em São Gonçalo, tendo completado
110 anos esse ano. As rodas de samba aconteciam nos terreiros de Umbanda e
Candomblé a fim de driblar a polícia. Como o livro se passa entre os anos de
1927-29, havia pouco tempo desde a abolição da escravidão, menos de 50 anos.
Portanto, qualquer prática que minimamente estivesse ligada aos negros sofria
criminalização. A polícia espancava as pessoas , retia instrumentos musicais,
impedia os blocos de pularem o carnaval.
No livro , a repressão da polícia é retratada como uma
das possíveis causas para a criação da escola de samba, pois com a
oficialização do bloco, seus participantes poderiam brincar o carnaval em paz.
O bairro Estácio é cenário principal dessa trama, com
seus prostíbulos, bares e lanchonetes. A vida das prostitutas é retratada com
muita semelhança com o real, com suas dores e sofrimentos. A efervescência , o
caldo cultural existente naquela época, é sentido ao longo das linhas do
romance. Existem muitas cenas de sexo e violência no livro, assim como é
abordada a questão da homossexualidade de Ismael Silva. O autor mantem o nome
verdadeiro apenas de alguns personagens, acredito eu que seja para se
resguardar de possíveis processos. Mas com uma rápida pesquisa no google, você
conseguirá descobrir a quem o autor se refere. Possui alguns traços da corrente
literária naturalista, mas nada que seja exagerado, do meu ponto de vista.
A linguagem é acessível, dinâmica, com algumas gírias
da época, que não prejudicam em nada o entendimento. Apesar de ter preferência
pelo livro Cidade de Deus, gostei bastante da obra pelo seu conjunto: enredo,
que é original, pois quase não se vê livros que retratam essas raízes do samba
de maneira romanceada; personagens cativantes e complexos; descrições
meticulosas que ficariam ótimas em um filme ou série; a importância da
abordagem da cultura negra nos dias de hoje; violência institucionalizada do
Estado, representada pelos policiais ( vemos como os sujeitos negros são
marginalizados e estavam isolados com poucos anos passados da abolição da
escravidão, e o Estado sempre se ocupando de traçar essa exclusão). Vale muito
a pena a leitura !