domingo, 28 de janeiro de 2018

O bebê de Rosemary

Resenha
Livro: O bebê de Rosemary
Autor: Ira Levin
Ano de lançamento:  1967

Rosemary é uma típica mulher norte americana do final da década de 70: dona de casa, sente o desejo de ser uma boa mãe. Seu marido é Guy, um ator egocêntrico, empenhado em fazer decolar sua carreira, e não mede esforços para que isso ocorra. Os dois são recém casados e conseguem um apartamento para morar no edifício Bramford, que tem fama de mal assombrado, pois vários acontecimentos estranhos já ocorreram nele: suicídios, assassinatos, bruxarias, entre outros casos peculiares.

Rosemary é alertada pelo seu amigo de longa data, Hutch, sobre os perigos do lugar, mas , seu marido Guy, controlador, consegue convencê-la do contrário. Os dois então se mudam para esse apartamento. Nesse local, conhecem um casal de vizinhos idosos: Minnie e Roman. Os dois começam a se intrometer na vida do casal, e esse fato ganha proporções estratosféricas quando Rosemary descobre estar grávida.

Rosemary não se recorda do dia que engravidou do marido, pois o mesmo teve relações sexuais com ela desacordada. Esse  é o primeiro ponto que eu gostaria de ressaltar. Para mim, esse livro é sobre o machismo. Sobre como nossa sociedade patriarcal controla o corpo e mente das mulheres. Levando em conta que esse livro foi lançado em 1967, esses efeitos eram muito mais rígidos, porém encontramos ainda nos dias atuais o machismo. Apesar da protagonista ser casada com Guy, configura estupro do mesmo jeito, visto que ele teve relações sexuais com ela sem seu consentimento, de maneira brutal. O que me chocou foi a reação de Rosemary: apenas se afastou durante um tempo de seu marido, não entendendo aquilo como abuso físico. Vemos esse tipo de reação hoje em dia, visto que muitas pessoas acreditam que o marido tem direitos sobre o corpo da mulher, podendo ter relações sexuais com ela do jeito que lhe apetecer.

Quando a protagonista engravida, o casal de idosos passa a controlar sua vida, juntamente com o marido, Guy, escolhendo até mesmo o médico que seria responsável pelo parto dela. Rose acredita estar sendo vítima de um complô, um ritual satânico, envolvendo ela e seu bebê, sem seu consentimento.

É extremamente interessante esse ponto, pois quando Rosemary tenta denunciar os abusos que sofre, taxam-a de louca, histérica, dizem estar sofrendo os males da gravidez. Exatamente a forma como as pessoas reagem quando uma mulher tenta denunciar seu marido, namorado, companheiro. As pessoas sempre duvidam da vítima, o que não era diferente na década de 70, pelo contrário, era até pior.

O livro consegue ser angustiante , na maneira como retrata Rosemary, sendo controlada e manipulada por todos à sua volta, suportando as dores da gestação, como consequência do dom divino de ser mãe. Para mim, como mulher, tive vontade algumas vezes de sacudir a Rose e alertá-la sobre o perigo que sofria, e não reagia. O autor vai nos dando pistas sobre a solução do mistério ao longo de toda a trama. Entendi como uma metáfora de uma mulher presa em um relacionamento abusivo em que todos que estão à volta conseguem perceber isso, menos ela que está envolvida, numa teia de acontecimentos, e não consegue se desgrudar. Obra necessária e extremamente atual.

domingo, 21 de janeiro de 2018

Admirável Mundo Novo


Resenha
Livro: Admirável Mundo Novo
Autor: Aldous Huxley
Ano de lançamento: 1932

Admirável Mundo Novo é um livro de ficção científica, cujo cenário é uma Londres futurista no ano de 632 D. F. (Depois de Ford). Nessa sociedade, Ford é considerado um Deus. Para quem não sabe, ele foi um industrial que criou o fordismo, um sistema de produção que tem como principal característica a produção em massa, que foi utilizado na época de sua criação (1914) para a produção de carros.

Nessa sociedade do futuro, a religião, a monogamia, casamento e leitura, são condenados. Nenhum tipo de prazer individual é estimulado. É uma sociedade altamente hierárquica, dividida em castas, sendo elas: Alfa, Beta, Delta, Gama e Ípsilons; os Alfas são os que trabalham menos e disfrutam todos os prazeres possíveis e os Ípsilons fazem os trabalhos braçais, mais pesado, tendo todas as outras castas como intermediárias. Não nascem mais crianças: os bebês são fabricados em laboratórios e condicionados socialmente, enquanto embriões. Os embriões que se tornaram indivíduos das castas superiores recebem melhor tratamento do que os que se tornaram das castas inferiores, estes últimos sofrendo por muitas vezes o processo bokanovsky, um tipo de reprodução onde um óvulo fecundando pode gerar até 96 indivíduos, clones entre si.

É interessante notar que não há questionamento: todos são felizes vivendo em suas castas, em seus locais de origem. Uma prisão onde seus moradores são escravos felizes, que gostam do que fazem. Isso me faz pensar no papel que a mídia e as redes sociais desempenham a fim de que nos seja mostrada uma felicidade supérflua, que acreditamos estar vivendo. Em nosso sistema vigente, é importante que morramos de trabalhar e sejamos felizes pelo fato de ao fim do dia termos objetos como televisão e computador, que nos distraiam de toda a exploração e cansaço diários.

Tudo é extremamente controlado pelo Estado Vigente: desde a hora de acordar, trabalhos que serão realizados durante o dia, até mesmo as diversões. As crianças são criadas pelo Estado e estimuladas desde cedo a realizar práticas sexuais, os chamados jogos eróticos. Além disso, recebem uma educação hipnopédica: escutam durante a noite regras da sociedade, para serem fixadas em seu subconsciente e repetidas, não pensadas e refletidas, através de um condicionamento pavloviano.  Todos são perfeitamente felizes. Ao final da jornada de trabalho ou diversão, recebem uma droga de nome “soma”, que os anestesia e os poda de sentimentos. Não existe insatisfação, instabilidade. O casamento é um conceito desconhecido, assim como relacionamentos monogâmicos. Em contrapartida, o sexo é estimulado: cada um pertence a todos. Não há nenhum cuidado com o outro, nenhum apego emocional. O autor já previa há 80 anos que nosso sistema atual também não priorizaria relações pessoais, apego. Isso não gera lucro, não faz a roda econômica girar. É interessante que acreditemos estarmos perto um do outro, via internet, quando na verdade, estamos nos distanciando cada dia que passa. Estamos sofrendo um processo de desumanização, onde somos meras peças substituíveis. Podemos perceber a crítica do autor aos tempos líquidos que vivemos atualmente, onde relacionamentos – de todos os tipos: amorosos, trabalhistas, etc -  são cada dia mais curtos e superficiais, fluidos, etéreos.

Essa obra não possui personagens individuais bem desenvolvidos, priorizando o desenrolar do enredo como um todo. Temos alguns destaques, como: Bernard Max, um Alfa Mais que recebeu doses de álcool no pseudo sangue quando embrião, por engano, e não se encaixa no padrão físico de sua casta, por isso é repelido pelos seus iguais, o que gera uma insatisfação e vontade de ser diferente; o “Selvagem”, jovem que vivia por engano em uma “reserva”, local onde os seres humanos ainda vivem de maneira semelhante à que vivemos hoje, tendo filhos de maneira vivípara, casando-se , entre outros.


Esse livro me fez lembrar Matrix, e as pílulas azul e vermelha. Se nos fosse dado a oportunidade, escolheríamos qual delas? A felicidade superficial da pílula azul, assim como os personagens do livro, em que a maior parte dos seres humanos são meros soldados em um jogo de xadrez, a felicidade não questionada? Ou escolheríamos saber a verdade, com a pílula vermelha? Assim como o Selvagem, escolheríamos a vida, com todas as suas vicissitudes, infelicidades mas também alegrias reais, beleza, liberdade?

domingo, 14 de janeiro de 2018

O Apanhador no Campo de Centeio

Resenha
Livro: O Apanhador no Campo de Centeio
Autor:  J. D. Salinger.
Ano de lançamento: 1951

 O Apanhador no Campo de Centeio, de nome original The Catcher in the Rye é o livro mais conhecido do escritor J. D. Salinger, que foi publicado em formato de revista originalmente, nos anos de 1945 e 1946 e, posteriormente, em 1951, foi lançado em formato de livro.

O livro narra um fim de semana na vida de Holden Caulfield, um jovem de 17 anos, de classe média, morador da cidade de Nova York. Holden já foi expulso de quatro colégios, e no momento atual do livro se encontra em uma clínica de reabilitação (ou casa de repouso, não fica muito claro), narrando fatos que ocorreram no ano anterior quando foi expulso de mais uma escola. Holden fica vagando por Nova York, a fim de não ir para casa e decepcionar mais uma vez os pais.

Com um enredo simples e inteligível, qual seria o motivo desse livro ter se tornado um clássico da literatura mundial? Se fizermos uma leitura apenas superficial, muitas metáforas e críticas sociais serão passadas batidas. Basta uma leitura mais profunda e um esforço maior, intelectualmente falando, para compreendermos o motivo de tanto alarde.

O livro foi escrito no final da década de 40, início de 50. Fazem parte de sua escrita palavrões, gírias da época, além de falar abertamente sobre a sexualidade de jovens. Por esses motivos, foi proibido em vários locais dos Estados Unidos e a censura permanece ainda em alguns lugares até hoje.

Temos que pensar que o livro se passa há mais de 50 anos atrás. A adolescência como um conceito que corresponde ao período de transição entre a infância e fase adulta só foi criado no final do século XIX e se consolidou na década de 60. Portanto, os adolescentes nessa época eram seres “alienígenas” nem crianças, nem adultos, o meio termo, ainda sem nome e características específicas.  Observamos o descontentamento de Holden em relação a isso: muito grande para fazer certos tipos de coisas, muito pequeno para outras, sem conseguir se definir ao certo.  Percebe-se que ele não deseja crescer. Odeia a falsidade do mundo dos adultos, que fingem ser o que não são apenas por aparência, sucesso; ama a inocência das crianças. Ele odeia tudo que se refere ao mundo adulto, em contrapartida, seus amores são infantis: adora conversar com a irmã de dez anos, a história preferida de seu irmão escritor é uma que fala sobre um peixinho, entre outros fatos.

O título se refere à resposta dada à sua irmã, quando é questionado por ela sobre o que quer fazer quando crescer. Ele responde que quer ser apanhador num campo de centeio. Fala que gostaria de ficar vigiando crianças que brincam em um campo de centeio à beira de um precipício, enquanto eles as apanha para não caírem nesse abismo. Podemos entender como a passagem da infância para o mundo adulto. Holden se sente responsável por fazer vigília sobre a inocência das crianças, não deixa-las irem para o abismo do mundo adulto, feito de medos, inseguranças, falsidade, espetacularização.

É interessante notarmos que os personagens do livro não são unidimensionais, sempre bons ou sempre ruins. Possuem várias camadas. A Phoebe, irmã de Holden, é um exemplo desse fato. Com apenas dez anos, é admirada por seu irmão por sua aparente inocência e é descrita por ele como pueril, ingênua. Quando a conhecemos, percebemos que ela é uma criança, que conserva sim seu lado inocente em alguns momentos, mas em outros é extremamente madura e percebe a solidão do irmão, tenta sempre apoiá-lo, compreendê-lo, ser seu suporte. O professor Antolini, que não se relaciona com ele de maneira ditatorial, parece ser um ótimo camarada, mas acaba realizando uma tentativa de abuso contra Holden.

Além da tentativa de abuso mencionada acima, percebemos que não é a primeira vez que o personagem principal se depara com esse tipo de fato: ele menciona que já foi abusado repetidas vezes quando criança. Esse pode ser um dos motivos de sua desconfiança para com os adultos, sua mágoa. Além desse trauma, Holden presenciou o suicídio de um colega de escola.
Além de todos os temas que concernem à vida do indivíduo  Holden, percebemos no livro uma crítica ao sistema que estamos inseridos, em que a maior preocupação das pessoas é o ter, mostrar, do que o ser. Símbolo da contracultura, essa obra prima já adiantava o descontentamento daqueles que não se encaixam, não se deixem vencer, e mesmo assim adoecem , inevitavelmente, em decorrência do nosso modo de vida.

Uma curiosidade: o autor do livro se tornou um recluso. Após o lançamento da obra, nunca mais foi visto em sociedade. Além disso, esse livro foi encontrado nas mãos do assassino de John Lennon, que disse ter se inspirado no personagem principal para cometer o assassinato. Conspirações à parte, o livro vale a pena ser lido para pensarmos os rumos de nossa sociedade atual, fazendo paralelos com nosso passado.

domingo, 7 de janeiro de 2018

Tenda dos Milagres

Resenha
Livro: Tenda dos Milagres
Autor: Jorge Amado
Ano de lançamento: 1969

Tenda dos Milagres, livro predileto do autor Jorge Amado , se passa em duas épocas diferentes: tempo presente e passado, na virada do século XIX para  o XX.  O livro se passa na Bahia, e acompanhamos o trabalho de Fontes, um antropólogo poeta, que começou a pesquisar sobre a vida de Pedro Archanjo, um cidadão extremamente influente na sociedade baiana. Mas Fontes não começa a pesquisar a vida desse escritor, cientista, poeta por vontade própria: recebe a encomenda de um gringo, que vindo ao Brasil, declara amar a obra de Pedro Archanjo.

Já no começo da obra, podemos perceber a crítica ao colonialismo: Pedro Archanjo já era estudada na Bahia, por professores de Universidades, porém, ele apenas começou a fazer sucesso  na mídia quando um gringo evidenciou a importância de sua vida e obra, denotando que apenas o que vem de fora é bom, pois até aquele momento da obra, ninguém ligava para Pedro Archanjo, nem ao menos sabiam da existência desse homem.

Pedro Archanjo era escritor. Foi bedel da Faculdade de Medicina da Bahia. Bedel é um cargo administrativo de pequeno porte em universidades, profissão que exerceu durante mais de 30 anos. Archanjo questionava a sociedade racista de sua época. Na virada do século XIX para o XX podemos acompanhar através do enredo do livro, as teorias eugenistas, que a medicina brasileira ajudou a corroborar . Essas teorias diziam que a sociedade brasileira deveria se livrar dos mestiços e dos negros, em busca de formar uma sociedade pura, branca. Acompanhamos com dor as várias demonstrações de racismo, onde os negros e mestiços são apontados como criminosos única e exclusivamente pela sua cor, o tamanho de seu crânio , ou suas feições.


Esse quadro A Redenção de Cam, do pintor Modesto Brocos evidencia as teorias eugenistas do começo do século. Nessa pintura, temos uma mãe negra, que possui uma filha um pouco mais clara, mas ainda negra e um genro branco, nascendo seu neto branco. A mãe levanta as mãos para o céu, agradecendo a benção de conseguir finalmente branquear sua família. O título do quadro remete à história bíblica da maldição lançada por Noé ao seu filho Cam, que disse que ele seria o último escravo dos seus irmãos. Os povos de pele escura seriam descendentes de Cam, justificativa que foi utilizada por muito tempo para validar a escravidão.



Além disso, Pedro Archanjo era do candomblé, religião marginalizada e perseguida, desde a época retratada no livro, até o presente em nossa sociedade. No livro retrata-se a perseguição aos terreiros de candomblé, muitas vezes tendo suas giras e festas reprimidas com violência. Não somente as manifestações religiosas eram reprimidas com violência, mas todos as características da cultura do povo negro, como as comidas típicas, a luta da capoeira. Vemos as dificuldades que os negros tinham para estudar, trabalhar em empregos dignos, mesmo lutando para isso acontecer.

Pedro Archanjo acreditava que a chave para o combate ao racismo estava na mistura que forma nosso povo, visto que todos nós possuímos sangue negro. Esse livro é uma homenagem ao povo negro, que tanta batalha e sofre com o racismo nosso de cada dia.  Foi escrito em 1969, mas poderia ter sido escrito hoje, por conta de todos os problemas que ainda assolam nossa sociedade. É um livro-protesto, que coloca sal na ferida do racismo, um livro que aponta sem medo. Como dizia Pedro Archanjo, ainda que tentem nos derrubar, somos muitos, e sempre nascerão mais de nós.
Deixo vocês com um trecho da música Eu só peço a Deus, de Renan Inquérito:


“É o Brasil da mistura, miscigenação
Quem não tem sangue de preto na veia deve ter na mão

Eu só peço a Deus!”

2001- Uma odisseia no espaço

                                                               Resenha   Livro: 2001- Uma odisseia no espaço   Autor: Arthur ...