domingo, 22 de julho de 2018

O fim do homem soviético


Resenha
Livro: O fim do homem soviético
Autora: Svetlana Aleksiévitch
Ano de lançamento: 2013

Não costumo fazer resenhas de livros que não sejam literários. Gosto bastante de ler livros reportagem, feitos por jornalistas. Apesar de não ser costume resenhá-los, essa presente obra se torna a primeira exceção nessa minha regra.

O livro traz entrevistas organizadas pela autora feitas do ano de 1991 até 2012. Ela divide o livro em duas partes. Uma vai de 1991 até 2001 e a segunda parte de 2001 até 2012. São colhidos relatos de pessoas comuns, que viveram nos tempos da União Soviética e como o fim dela afetou suas trajetórias. Imagine passar toda a sua vida vivendo numa nação e, de um dia para o outro, essa nação não existir mais? Essa é a essência do livro.

A autora consegue capturar essa sensação de desolamento vivida pelas pessoas. A maior parte delas que viveram sob o antigo regime, tem saudades daquela época. Eles relatam que para a pessoa simples, a vida era boa. Todos tinham direito à educação, saúde, coisas essenciais eram gratuitas. Podemos acompanhar o relato de pessoas que foram presas na época de Stalin e, mesmo essas pessoas, lembram com saudade do passado.

Em 1991 chega a tão anunciada “liberdade”, com a perestroika e glasnot. Mas na visão das pessoas entrevistadas, não houve liberdade. A não ser aquela liberdade capitalista, de consumir o que você quiser, desde que tenha o dinheiro disponível. Mais do que o fim de uma era, de um regime, essa abertura marca o fim do homo sovieticus.

É muito interessante observar a diferença dos depoimentos de filhos e pais/avós. Enquanto os mais velhos se interessam muito por leitura, pois na URSS todos tinham direito à educação, todos liam, desde a mais tenra infância. Já os mais novos têm seus deuses na música, no glamour, não se interessam muito por leitura como seus antepassados. Muda-se a lógica de vida. Antes, era necessária pouca coisa material para ser feliz. Hoje, é necessário ter muito dinheiro para conseguir chegar às suas aspirações, ser se torna ter.

As passagens que nos contam como a cozinha era importante para a família da URSS são lindíssimas, dotadas de poesia do cotidiano. Era nesse cômodo familiar que havia as conversas proibidas nos outros locais da casa, era lá que criticavam o regime, riam, comiam.

Além de todo o lirismo que consegue ser extraído desses relatos de pessoas comuns, há também muita tristeza e violência. Nas passagens das pessoas que foram presas, passaram anos em campos de trabalho forçado, tendo sido denunciados muitas vezes por um vizinho, um amigo. Se você fosse denunciado naquela época, fazendo qualquer coisa contrária ao regime, era prisão na certa.

Podemos sentir também como a atual Rússia é cruel, tanto com os russos mais simples quanto para os imigrantes. Pessoas com nível superior, como engenheiros, contadores, professores, trabalhando como taxistas, vendedores. Isso tudo é muito perverso. Além do fato da Rússia em sua superfície esbanjar opulência, enquanto em seu subsolo legitima espancamento de imigrantes, homossexuais, mulheres.

Acredito que esse livro deva ser lido em qualquer contexto histórico, pois a autora consegue trazer a individualidade das histórias esquecidas pelos livros de histórias ao mesmo tempo que unifica esses relatos em torno de características comuns. Dá voz aos esquecidos. Uma obra belíssima, onde a realidade se torna poesia.   Quando ouvimos o outro, estamos praticando empatia. Sentimento tão necessário atualmente.

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