Resenha
Livro: O fim do homem soviético
Autora: Svetlana Aleksiévitch
Ano de lançamento: 2013
Não costumo fazer resenhas de livros que não sejam
literários. Gosto bastante de ler livros reportagem, feitos por jornalistas.
Apesar de não ser costume resenhá-los, essa presente obra se torna a primeira
exceção nessa minha regra.
O livro traz entrevistas organizadas pela autora feitas do
ano de 1991 até 2012. Ela divide o livro em duas partes. Uma vai de 1991 até
2001 e a segunda parte de 2001 até 2012. São colhidos relatos de pessoas
comuns, que viveram nos tempos da União Soviética e como o fim dela afetou suas
trajetórias. Imagine passar toda a sua vida vivendo numa nação e, de um dia
para o outro, essa nação não existir mais? Essa é a essência do livro.
A autora consegue capturar essa sensação de desolamento
vivida pelas pessoas. A maior parte delas que viveram sob o antigo regime, tem
saudades daquela época. Eles relatam que para a pessoa simples, a vida era boa.
Todos tinham direito à educação, saúde, coisas essenciais eram gratuitas.
Podemos acompanhar o relato de pessoas que foram presas na época de Stalin e,
mesmo essas pessoas, lembram com saudade do passado.
Em 1991 chega a tão anunciada “liberdade”, com a perestroika
e glasnot. Mas na visão das pessoas entrevistadas, não houve liberdade. A não
ser aquela liberdade capitalista, de consumir o que você quiser, desde que
tenha o dinheiro disponível. Mais do que o fim de uma era, de um regime, essa
abertura marca o fim do homo sovieticus.
É muito interessante observar a diferença dos depoimentos de
filhos e pais/avós. Enquanto os mais velhos se interessam muito por leitura,
pois na URSS todos tinham direito à educação, todos liam, desde a mais tenra
infância. Já os mais novos têm seus deuses na música, no glamour, não se
interessam muito por leitura como seus antepassados. Muda-se a lógica de vida.
Antes, era necessária pouca coisa material para ser feliz. Hoje, é necessário
ter muito dinheiro para conseguir chegar às suas aspirações, ser se torna ter.
As passagens que nos contam como a cozinha era importante
para a família da URSS são lindíssimas, dotadas de poesia do cotidiano. Era
nesse cômodo familiar que havia as conversas proibidas nos outros locais da
casa, era lá que criticavam o regime, riam, comiam.
Além de todo o lirismo que consegue ser extraído desses
relatos de pessoas comuns, há também muita tristeza e violência. Nas passagens
das pessoas que foram presas, passaram anos em campos de trabalho forçado,
tendo sido denunciados muitas vezes por um vizinho, um amigo. Se você fosse
denunciado naquela época, fazendo qualquer coisa contrária ao regime, era
prisão na certa.
Podemos sentir também como a atual Rússia é cruel, tanto com
os russos mais simples quanto para os imigrantes. Pessoas com nível superior,
como engenheiros, contadores, professores, trabalhando como taxistas,
vendedores. Isso tudo é muito perverso. Além do fato da Rússia em sua
superfície esbanjar opulência, enquanto em seu subsolo legitima espancamento de
imigrantes, homossexuais, mulheres.
Acredito que esse livro deva ser lido em qualquer contexto
histórico, pois a autora consegue trazer a individualidade das histórias
esquecidas pelos livros de histórias ao mesmo tempo que unifica esses relatos
em torno de características comuns. Dá voz aos esquecidos. Uma obra belíssima,
onde a realidade se torna poesia.
Quando ouvimos o outro, estamos praticando empatia. Sentimento tão
necessário atualmente.