Resenha
Livro: O Deus das Pequenas Coisas
Autora: Arundhati Roy
Ano de lançamento: 1997
A história do livro se
passa em vários momentos: na Índia da década de 60 mesclando momentos da Índia
atual (para a época do livro), na cidade de Ayemenem, estado de Kerala . A obra
gira em torno de dois irmãos gêmeos bivitelinos muito unidos: Rahel e Estha.
Esses irmãos foram separados quando tinham sete anos de idade, por conta de um
acontecimento que mudou e moldou a vida dos dois e de toda a sua família. A
partir desse acontecimento, somos convidados a conhecer profundamente outros
personagens dessa trama.
Passamos a conhecer a
intimidade de Ammu, a mãe dos gêmeos, que tinha um sonho de viver a vida, mas
acaba casando com o primeiro homem que aparece na sua frente, para se libertar
de seus pais, porém acaba caindo em outro tipo de prisão: a de um marido alcóolatra
e violento; conhecemos Chacko, o tio dos gêmeos que não consegue superar o
divórcio com sua ex-mulher; conhecemos Mamacchi, a avó cega das crianças; Baby
Kochama, tia-avô e inimiga, sempre pronta a fazer mal a qualquer pessoa por
puro prazer; Sophie Mol, a prima dos gêmeos que tem um desfecho trágico na
história e finalmente Velutha, um sindicalista, membro do Partido Comunista, e
paravan, intocável.
O livro aborda muito bem
a questão dos intocáveis na Índia. As situações que essas pessoas passavam
simplesmente por terem sido designadas ao nascer como pertencentes da casta dos
intocáveis, que não possui outra função na sociedade, a não ser a de servir os
tocáveis. O livro também trabalha muito bem a questão do marxismo e do partido
comunista, que estava muito em voga na sociedade indiana, como uma tentativa de
acabar com o sistema de castas na sociedade indiana, pelo menos em tese.
A escrita do livro é
extremamente poética, me fazendo lembrar por muitas vezes o realismo mágico de
Gabriel Garcia Marquez. A autora utiliza muitas figuras de linguagem, tais como
metáforas, sinestesias, personificação, hipérboles. Não somente figuras de
linguagem, mas outros recursos literários para podermos entender como os gêmeos
pensavam e se expressavam. Eles gostam de juntar algumas palavras, como em
Refrescodelaranja, refrescodelimão. Outras, eles gostam de separar, como em De
Pois. Assim, podemos observar como essas crianças pensavam, e o texto ganha um
tom próprio peculiar por conta desses detalhes. Aliás, a obra toda é um
conjunto de detalhes extremamente bem trabalhados.
A obra nos faz refletir
sobre as pequenas coisas do cotidiano e como no final das contas, são elas que
importam. Elas que moldam nossa vida, seja de forma positiva ou negativa.
Sempre nos lembraremos dos pequenos detalhes de um dia muito feliz ou muito
triste por exemplo. Nos leva a refletir também, assim como na vida dessa
família indiana tradicional, parafraseando o rapper Don L: uma frase muda o fim
do filme. Ou seja, pequenos acontecimentos determinam e mudam o rumo de nossas
vidas e podem influenciar no caminho traçado por nós a partir deles. Nos nossos
sentimentos, nossos medos, angústias.
Podemos fazer uma
reflexão também sobre o amor, a partir da relação proibida entre Velutha e
Ammu. Afinal, quem merece ser amado? E quanto? E como? Os dois, mesmo sabendo
de todos os riscos envolvidos na relação entre um tocável e um intocável na
sociedade tradicional indiana na década de 60 escolhem viver um breve
relacionamento, pois afinal, é nesses pequenos momentos compartilhados que os
dois sofredores, por motivos diferentes, encontram a felicidade. O Deus das
Pequenas Coisas e a sonhadora Ammu.
Quando lerem o Deus das
Pequenas Coisas, prestem atenção aos detalhes, à sonoridade, ao não dito, que
tem tanto ou maior significado do que é dito dentro do universo da trama. E
mergulhem nessa leitura!