Resenha
Livro: A invenção das Asas
Autora: Sue
Monk Kidd
Ano de lançamento: 2014
Hetty
“Encrenca” Grimké: uma menina que era escrava e foi dada de presente à uma
outra menina de sua idade quando tinha 10 anos. Seu nome de “branco” é Hetty,
mas tradicionalmente os negros davam nomes aos seus filhos que correspondiam às
características percebidas de sua própria personalidade, por isso Encrenca.
Sarah Grimké: filha de juiz, moradora da Carolina do Sul, abolicionista, e
feminista. A obra em questão tem essas duas protagonistas, e retrata a vida das
duas durante 35 anos. Baseado na figura histórica de Sarah Grimké, uma
abolicionista e feminista que acreditava que os negros eram iguais aos brancos,
no século XIX, na Carolina do Sul, altamente escravocrata e racista.
Hetty,
quando tinha 10 anos foi dada como propriedade para a Sarah quando esta fez 11
anos, mesmo Sarah tendo sido contra a posse de pessoas. Desde pequena, Sarah
acreditava que negros e brancos eram pessoas iguais e deveriam gozar dos mesmos
direitos. Desde pequena, lutava para se libertar de uma sociedade conservadora,
preconceituosa, inclusive para se libertar de sua própria família. Já Hetty,
sempre sonhou com a liberdade, para si e sua mãe, Charlotte. Desde criança,
acompanhava os castigos desumanizantes que os negros escravizados sofriam. Esse
é um livro feminista, pois mostra a luta por liberdade e emancipação de duas
mulheres, claro que em graus diferenciados. Podemos perceber isso com a fala de
Hetty quando se dirige à Sarah:
“Eu
sou presa pelo corpo, mas você é presa pela mente.”
Um
ponto muito importante que podemos perceber no livro é a legitimação da
escravidão por parte da igreja. Em alguns trechos em que a Sarah está na
igreja, podemos perceber como os dogmas da igreja contribuíram para a
perpetuação da escravidão no Sul dos Estados Unidos. Um exemplo que podemos
observar, e que foi verídico, conforme informado pela autora, foi o fato de
Sarah ensinar crianças escravizadas a ler na aula de catequese e ser punida
pelo padre por conta disso. Sarah também tenta fazer a libertação de Hetty, da
maneira como ela pode quando é pequena, ensinando a pequena Encrenca a ler.
Podemos
perceber a visão que os escravos possuíam do Deus retratado pela igreja, por
conta da legitimação da escravidão por parte da Igreja, nesse trecho de
Encrenca:
“Carregava
a imagem de Deus na minha cabeça. Um homem branco, segurando uma bengala como a
sinhá ou evitando escravos como o senhor Grimké.”
A
obra mescla capítulos em que a narração fica por conta de Sarah e outros
capítulos que fica por conta da Hetty. Com isso, podemos ler e conhecer o lado
da escravidão vivido e sofrido pelos próprios escravos. Quando elas são
crianças ainda, podemos perceber como a Sarah tem direito a ter sonhos,
perspectivas de vida, enquanto a Hetty tem a sua infância negada.
Podemos
perceber a trajetória tão importante das irmãs Grimké, não somente a Sarah, mas
também sua irmã Angelina, que foram abolicionistas e defendiam o direito da
mulher e dos negros de serem tratados como iguais na sociedade. Repare, elas
iam além do que estava imposto, visto que mulheres não poderiam falar em
público, muito menos defender a ideia de que negros eram iguais aos brancos.
Nessa época, o Norte dos Estados Unidos já condenava a escravidão, porém não
existia a defesa de igualdade racial. Elas foram mulheres que abdicaram de
riquezas, famílias em prol de perseguir seus sonhos de liberdade.
A
metáfora estabelecida pelo título da imagem é sensacional. Os negros são tratados
como criaturas dotadas de poder e mágica, na sua terra Natal e possuíam asas,
que são cortadas quando são levados à força pelos diversos locais onde a
escravidão ocorreu.
O
livro é antes de tudo um livro sobre amizade, sobre amor entre mulheres, não no
sentido sexual do termo, mas em relação a amizade, parceria, que é abordada de
forma sutil e muito bem construída ao longo de toda a trama.
A
autora é uma mulher branca, por conta disso, devemos refletir sobre o motivo de
muitas autoras brancas conseguirem escrever sobre a época da escravidão e
racismo, e fazerem tanto sucesso e gerarem comoção com suas obras, enquanto
obras de escritoras negras não alcançam o mesmo sucesso. É necessário que cada
vez mais as próprias protagonistas pertencentes às minorias marginalizadas
sejam capazes de escrever sobre suas próprias histórias e alcançarem igual
sucesso e comoção às escritoras brancas.
Recomendo
fortemente a leitura, por todos os motivos já mencionados. Fecho a resenha com
uma frase que me fez refletir muito acerca do conteúdo do livro, fala proferida
pela Encrenca:
“Permanecer
em silêncio frente ao mal é em si uma das formas do mal.”
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