sexta-feira, 20 de outubro de 2017

A invenção das asas

                                             Foto:Emanoel Daflon

Resenha
Livro: A invenção das Asas
Autora:  Sue Monk Kidd
Ano de lançamento: 2014

Hetty “Encrenca” Grimké: uma menina que era escrava e foi dada de presente à uma outra menina de sua idade quando tinha 10 anos. Seu nome de “branco” é Hetty, mas tradicionalmente os negros davam nomes aos seus filhos que correspondiam às características percebidas de sua própria personalidade, por isso Encrenca. Sarah Grimké: filha de juiz, moradora da Carolina do Sul, abolicionista, e feminista. A obra em questão tem essas duas protagonistas, e retrata a vida das duas durante 35 anos. Baseado na figura histórica de Sarah Grimké, uma abolicionista e feminista que acreditava que os negros eram iguais aos brancos, no século XIX, na Carolina do Sul, altamente escravocrata e racista.

Hetty, quando tinha 10 anos foi dada como propriedade para a Sarah quando esta fez 11 anos, mesmo Sarah tendo sido contra a posse de pessoas. Desde pequena, Sarah acreditava que negros e brancos eram pessoas iguais e deveriam gozar dos mesmos direitos. Desde pequena, lutava para se libertar de uma sociedade conservadora, preconceituosa, inclusive para se libertar de sua própria família. Já Hetty, sempre sonhou com a liberdade, para si e sua mãe, Charlotte. Desde criança, acompanhava os castigos desumanizantes que os negros escravizados sofriam. Esse é um livro feminista, pois mostra a luta por liberdade e emancipação de duas mulheres, claro que em graus diferenciados. Podemos perceber isso com a fala de Hetty quando se dirige à Sarah:

                  “Eu sou presa pelo corpo, mas você é presa pela mente.”

Um ponto muito importante que podemos perceber no livro é a legitimação da escravidão por parte da igreja. Em alguns trechos em que a Sarah está na igreja, podemos perceber como os dogmas da igreja contribuíram para a perpetuação da escravidão no Sul dos Estados Unidos. Um exemplo que podemos observar, e que foi verídico, conforme informado pela autora, foi o fato de Sarah ensinar crianças escravizadas a ler na aula de catequese e ser punida pelo padre por conta disso. Sarah também tenta fazer a libertação de Hetty, da maneira como ela pode quando é pequena, ensinando a pequena Encrenca a ler.

Podemos perceber a visão que os escravos possuíam do Deus retratado pela igreja, por conta da legitimação da escravidão por parte da Igreja, nesse trecho de Encrenca:

“Carregava a imagem de Deus na minha cabeça. Um homem branco, segurando uma bengala como a sinhá ou evitando escravos como o senhor Grimké.”

A obra mescla capítulos em que a narração fica por conta de Sarah e outros capítulos que fica por conta da Hetty. Com isso, podemos ler e conhecer o lado da escravidão vivido e sofrido pelos próprios escravos. Quando elas são crianças ainda, podemos perceber como a Sarah tem direito a ter sonhos, perspectivas de vida, enquanto a Hetty tem a sua infância negada.

Podemos perceber a trajetória tão importante das irmãs Grimké, não somente a Sarah, mas também sua irmã Angelina, que foram abolicionistas e defendiam o direito da mulher e dos negros de serem tratados como iguais na sociedade. Repare, elas iam além do que estava imposto, visto que mulheres não poderiam falar em público, muito menos defender a ideia de que negros eram iguais aos brancos. Nessa época, o Norte dos Estados Unidos já condenava a escravidão, porém não existia a defesa de igualdade racial. Elas foram mulheres que abdicaram de riquezas, famílias em prol de perseguir seus sonhos de liberdade.

A metáfora estabelecida pelo título da imagem é sensacional. Os negros são tratados como criaturas dotadas de poder e mágica, na sua terra Natal e possuíam asas, que são cortadas quando são levados à força pelos diversos locais onde a escravidão ocorreu.

O livro é antes de tudo um livro sobre amizade, sobre amor entre mulheres, não no sentido sexual do termo, mas em relação a amizade, parceria, que é abordada de forma sutil e muito bem construída ao longo de toda a trama.

A autora é uma mulher branca, por conta disso, devemos refletir sobre o motivo de muitas autoras brancas conseguirem escrever sobre a época da escravidão e racismo, e fazerem tanto sucesso e gerarem comoção com suas obras, enquanto obras de escritoras negras não alcançam o mesmo sucesso. É necessário que cada vez mais as próprias protagonistas pertencentes às minorias marginalizadas sejam capazes de escrever sobre suas próprias histórias e alcançarem igual sucesso e comoção às escritoras brancas.

Recomendo fortemente a leitura, por todos os motivos já mencionados. Fecho a resenha com uma frase que me fez refletir muito acerca do conteúdo do livro, fala proferida pela Encrenca:


“Permanecer em silêncio frente ao mal é em si uma das formas do mal.”

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