quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Quarto de despejo- diário de uma favelada

Foto de: Emanoel Daflon

Resenha
Livro: Quarto de Despejo
Autora: Carolina Maria de Jesus
Ano de lançamento: 1960

“Quando eu não tinha nada o que comer, em vez de xingar eu escrevia. Tem pessoas que, quando estão nervosas, xingam ou pensam na morte como solução. Eu escrevia o meu diário.”

Com essa fala da Carolina Maria de Jesus começo minha resenha. Quarto de despejo é o diário de uma mulher negra, pobre, favelada e mãe solteira que viveu no Canindé, extinta favela de São Paulo, às margens do Rio Tietê na década de 1950. O diário acompanha sua vida e rotina durante cinco anos, de 1955 até 1960.  Ela foi descoberta por um repórter, de nome Aurélio Dantas, que tendo sido convocado a escrever sobre a favela, conheceu Carolina e sensivelmente percebeu que ela tinha muito a contar.
Catadora de papel - e tudo mais que pudesse arrumar -, Carolina contava sua história através de cadernos velhos que encontrava no lixo. Ela era mãe de três crianças, as quais criava sozinha. Essa obra é extremamente densa, cruel e real. Realíssima! A autora estudou pouquíssimo tempo na escola, mas apesar disso, seu texto é repleto de lirismo e metáforas. Podemos perceber um exemplo disso na fala abaixo:

“Eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.” 

Uma narrativa real e contundente dessa maneira só poderia ser obra de uma pessoa que vivia essa crua realidade. No livro, acompanhamos o relato de sua rotina e cotidiano da favela. Todas as brigas, violência, incesto, estupro, e principalmente e acima de tudo, a FOME. A fome é companheira fiel de Carolina e sua família durante toda a obra. Muitas vezes, senti vontade de chorar lendo trechos em que ela melhorava ou piorava seu humor de acordo com a disponibilidade de comida. Me fez refletir sobre pessoas que vivem nessa situação ainda, sem nem ter o que comer. Carolina vivia um dia após o outro. Sentimos na pele seu desespero quando não havia conseguido catar nada para tirar o sustento para seus filhos. Uma realidade cruel, que data da década de 50, mas não poderia ser mais atual. As favelas continuam a ser os Quartos de Despejo das cidades.
“É assim no dia 13 de maio eu lutava contra a escravatura atual- a fome.”
Como mulher negra e mãe, podemos perceber a opressão totalmente ampliada que Carolina sofria. O pai de um de seus filhos possuía recursos, mas mesmo assim não ajudava na criação de sua filha, ficando a cargo de Carolina todo o peso de sustentar sozinha uma família. Podemos perceber a todo momento como ela precisa se impor a todo momento para não ser mais uma mulher explorada e abusada dentro da favela.

“Quando eu era menina o meu sonho era ser homem para defender o Brasil porque eu lia na História do Brasil e ficava sabendo que existia guerra. Só lia os nomes masculinos como defensor da pátria. Então eu dizia para a minha mãe: - Porque a senhora não faz eu virar homem.”

Para além de toda dificuldade, fome e violência retratada na favela, podemos perceber um fato marcante: a solidariedade entre os que nada possuem. Na maior parte das vezes, os moradores da favela brigam e se desentendem, fruto do contexto em que estão inseridos, que é desesperador. Mas muitas das vezes eles se ajudam. Compartilham comida, cantam, fazendo da vida um fardo mais leve, quando compartilhado.
Acredito que toda pessoa deveria ler essa obra prima da nossa literatura. Uma literatura verdade, contada por uma pessoa que viveu e sentiu toda aquela realidade retratada. Por isso, apesar de erros gramaticais, não poderia ser mais adequada, cumprindo a função da língua, que é estabelecer comunicação. 

Foi muito difícil falar sobre esse livro por que são tantas questões retratadas, tanta realidade imprimida, tanto sentimento, que fica difícil colocar em palavras toda a enxurrada de emoções descarregada em mim com a leitura dessa obra. Por todos os motivos citados (e muitos outros), não deixem de ler e refletir sobre esse livro. Indispensável, para nos formarmos e reformarmos como seres humanos!

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