domingo, 15 de julho de 2018

A hora da estrela


Resenha
Livro: A hora da estrela
Autora: Clarice Lispector
Ano de lançamento: 1977

“O que é mais do que invenção, é minha obrigação contar sobre essa moça entre milhares delas. É dever meu, nem que seja de pouca arte, o de revelar-lhe a vida. Por que há o direito ao grito. Então eu grito.”

Começo minha resenha desse clássico da literatura brasileira. Todos deveríamos ter direito ao grito, à fala. Mas , infelizmente, em nossa sociedade, só tem voz e vez uma determinada parcela da população. Por que estou falando sobre isso? Por que é exatamente em torno disso que grande parte da história irá girar.

Clarice Lispector foi uma escritora e jornalista nascida na Ucrânia e naturalizada no Brasil. Dizia que era pernambucana. É considerada como uma das maiores escritoras brasileiras do século XX e a mais importante escritora judia desde Kafka. Por conta da perseguição que havia em sua terra natal aos judeus naquela época, mudou-se com sua família para o Brasil.

A hora da estrela trata de vários temas complexos, de maneira fluida. O livro começa com um narrador, chamada Rodrigo S. M, que é o alter ego de Clarice, narrando a história de Macabéa, uma nordestina que vivia no rio, por ocasião da perda da sua única parente viva.

O narrador utiliza muita metalinguagem, ou seja, usa a língua portuguesa, um livro, para falar sobre o ato de escrever um livro. Essas passagens nas quais são feitas essas reflexões são extremamente apaixonantes. O(a) autor(a) consegue nos transmitir a angustia que é passar para o papel uma determinada história. Rodrigo diz que gosta de fatos, que, assim como João Cabral de Mello Neto, trataria a palavra como pedra, por que os fatos existem. Se compromete a fazer uma narrativa simples. O que acaba não ocorrendo. Repleto de metáforas e reflexões acerca da vida e do fazer literário, o livro inteiro é uma obra prima. É interessante como tem uma passagem em que ele fala que outro escritor também poderia fazer o trabalho dela. Mas, com a prerrogativa de ser homem, visto que mulheres são muito piegas. O que é curioso e acredito ter sido uma provocação da escritora. Quando o escritor falar sobre fatos simples, já está falando sobre o ponto de vista dele, portanto, sendo subjetivo, nunca pedra somente. Para mim, serve para mostrar que, por mais que a realidade possa parecer simples na superfície, ela é complexa. Assim como Macabéa. Vamos à sua história.

Macabéa era uma moça nordestina, que foi viver no Rio. Criada pela tia, não conheceu o amor, a amizade, o carinho. Sua tia não a tratava bem, e vivia colocando-a de castigo. Desde sua infância, sempre foi sozinha. Com a morte da sua única família, foi trabalhar no rio. Possuindo curso de datilografia, acaba trabalhando nessa profissão, ganhando menos de um salário mínimo. Sonha com o dia que irá ter dinheiro para comprar coca cola e ir ao cinema. Mora num apartamento com outras quatro Marias. Mas, mesmo a casa sendo cheia, se sente só. Sua única companhia é um rádio, onde ouve diariamente sua estação preferida.

Um dia, decide faltar ao trabalho e acaba conhecendo Olimpio, um homem nordestino que se tornou seu namorado. Nunca tendo conhecido nenhum tipo de afeto, se apaixona por ele, mesmo esse homem nunca tendo tratado-a de maneira digna. Sempre maltratava a Macabéa, que, iludida, achava que iria um dia ser a esposa dele e constituir família. Até o momento que Olimpio trai ela com a colega de trabalho da mesma, Glória. Ela fica desolada e , ouvindo conselhos da própria Glória, vai visitar uma cartomante, que lhe conta o desfecho de sua vida.

Como sabemos de todos esses pensamentos? Não é através da própria protagonista. Ela não possui falar, ou tem mínimas, ao redor do livro inteiro. É o autor Rodrigo que acaba transformando toda a história , que ele pretendia ser narração perfeita de fatos pedra, em uma linda história literária, e( por que não? ) inventa.

A protagonista é extremamente calada, mostrando, através de sua dificuldade com as palavras, a dificuldade que tem em viver. Não se reconhece como um prego substituível. Somente recebe toda a dor e sofrimento da vida, sem nunca lutar. Mas o que esperar de uma mulher que nunca conheceu o afeto verdadeiro? Que teve que migrar de seu local de origem para uma terra desconhecida? Uma imigrante nordestina, como tantos outros que vemos, não é enxergada pela sociedade. Quando é, é estereotipada. Clarice (Rodrigo) consegue aqui complexificar o pobre. Desmistificando o estereotipo de personagens pobres sendo simples. Macabéa, apesar de não se expressar em palavras, é complexa. A capital Rio de Janeiro invisibiliza os nordestinos. Podemos sentir ao longo de toda a narrativa o desamparo, a solidão, a tristeza de quem nunca foi ouvido, nunca foi visto.  Podemos perceber essa desamparo através do seguinte trecho:

“Limito-me a contar as fracas aventuras de uma moça numa cidade toda feita contra ela.”

Narrativa complexa, extraordinária. Nunca tinha lido essa autora, mas com a leitura desse clássico, já fui buscar outros livros da mesma. Joia rara, preciosidade da literatura brasileira. Quando chegará a hora de sermos estrela?

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