domingo, 30 de dezembro de 2018

Desde que o samba é samba


Resenha
Livro: Desde que o samba é samba
Autor: Paulo Lins
Ano: 2012
Número de páginas: 303

Paulo Lins se consagrou como autor com seu primeiro romance lançado em 1997, Cidade de Deus. Passados 15 anos, lança seu segundo romance. O livro é um romance documental, feito  a partir de uma extensa pesquisa bibliográfica, em livros, sites e falas de entidades de umbanda e candomblé, que retrata o surgimento do samba, a reinvenção desse ritmo, o surgimento de novos instrumentos,  no bairro Estácio, no Rio de Janeiro, assim como a origem da primeira escola de samba, Deixa Falar.

Além desse enredo público, a trama gira em torno de 3 personagens, de maneira mais privada: o malandro Brancura, o português Sodré e a prostituta Valdirene. Ademais, temos personagens secundários, tão importantes quanto esses, como Tia Almeida (tia Ciata), Silva(Ismael Silva), Bide e Bastos. Figuram pessoas importantes de maneira pontual, como Carmen Miranda, Mário de Andrade, entre outros.

Gosto de romances que instigam nossa curiosidade. Nem todos os episódios narrados são verdadeiros, então é necessário que haja uma pesquisa paralela à leitura do livro a fim de verificar a veracidade dos fatos.

O triângulo amoroso formado por Brancura, Valdirene e Sodré consegue nos prender desde o início. Os personagens são carismáticos. A todo momento eu conseguia imaginar um filme ou seriado resultando do livro.

É importante destacar: o livro narra o surgimento da Umbanda, pois é impossível falar sobre samba sem abordar a importância dessa religião estritamente brasileira, que surgiu em São Gonçalo, tendo completado 110 anos esse ano. As rodas de samba aconteciam nos terreiros de Umbanda e Candomblé a fim de driblar a polícia. Como o livro se passa entre os anos de 1927-29, havia pouco tempo desde a abolição da escravidão, menos de 50 anos. Portanto, qualquer prática que minimamente estivesse ligada aos negros sofria criminalização. A polícia espancava as pessoas , retia instrumentos musicais, impedia os blocos de pularem o carnaval.

No livro , a repressão da polícia é retratada como uma das possíveis causas para a criação da escola de samba, pois com a oficialização do bloco, seus participantes poderiam brincar o carnaval em paz.

O bairro Estácio é cenário principal dessa trama, com seus prostíbulos, bares e lanchonetes. A vida das prostitutas é retratada com muita semelhança com o real, com suas dores e sofrimentos. A efervescência , o caldo cultural existente naquela época, é sentido ao longo das linhas do romance. Existem muitas cenas de sexo e violência no livro, assim como é abordada a questão da homossexualidade de Ismael Silva. O autor mantem o nome verdadeiro apenas de alguns personagens, acredito eu que seja para se resguardar de possíveis processos. Mas com uma rápida pesquisa no google, você conseguirá descobrir a quem o autor se refere. Possui alguns traços da corrente literária naturalista, mas nada que seja exagerado, do meu ponto de vista.

A linguagem é acessível, dinâmica, com algumas gírias da época, que não prejudicam em nada o entendimento. Apesar de ter preferência pelo livro Cidade de Deus, gostei bastante da obra pelo seu conjunto: enredo, que é original, pois quase não se vê livros que retratam essas raízes do samba de maneira romanceada; personagens cativantes e complexos; descrições meticulosas que ficariam ótimas em um filme ou série; a importância da abordagem da cultura negra nos dias de hoje; violência institucionalizada do Estado, representada pelos policiais ( vemos como os sujeitos negros são marginalizados e estavam isolados com poucos anos passados da abolição da escravidão, e o Estado sempre se ocupando de traçar essa exclusão). Vale muito a pena a leitura !

Nenhum comentário:

Postar um comentário

2001- Uma odisseia no espaço

                                                               Resenha   Livro: 2001- Uma odisseia no espaço   Autor: Arthur ...