domingo, 7 de janeiro de 2018

Tenda dos Milagres

Resenha
Livro: Tenda dos Milagres
Autor: Jorge Amado
Ano de lançamento: 1969

Tenda dos Milagres, livro predileto do autor Jorge Amado , se passa em duas épocas diferentes: tempo presente e passado, na virada do século XIX para  o XX.  O livro se passa na Bahia, e acompanhamos o trabalho de Fontes, um antropólogo poeta, que começou a pesquisar sobre a vida de Pedro Archanjo, um cidadão extremamente influente na sociedade baiana. Mas Fontes não começa a pesquisar a vida desse escritor, cientista, poeta por vontade própria: recebe a encomenda de um gringo, que vindo ao Brasil, declara amar a obra de Pedro Archanjo.

Já no começo da obra, podemos perceber a crítica ao colonialismo: Pedro Archanjo já era estudada na Bahia, por professores de Universidades, porém, ele apenas começou a fazer sucesso  na mídia quando um gringo evidenciou a importância de sua vida e obra, denotando que apenas o que vem de fora é bom, pois até aquele momento da obra, ninguém ligava para Pedro Archanjo, nem ao menos sabiam da existência desse homem.

Pedro Archanjo era escritor. Foi bedel da Faculdade de Medicina da Bahia. Bedel é um cargo administrativo de pequeno porte em universidades, profissão que exerceu durante mais de 30 anos. Archanjo questionava a sociedade racista de sua época. Na virada do século XIX para o XX podemos acompanhar através do enredo do livro, as teorias eugenistas, que a medicina brasileira ajudou a corroborar . Essas teorias diziam que a sociedade brasileira deveria se livrar dos mestiços e dos negros, em busca de formar uma sociedade pura, branca. Acompanhamos com dor as várias demonstrações de racismo, onde os negros e mestiços são apontados como criminosos única e exclusivamente pela sua cor, o tamanho de seu crânio , ou suas feições.


Esse quadro A Redenção de Cam, do pintor Modesto Brocos evidencia as teorias eugenistas do começo do século. Nessa pintura, temos uma mãe negra, que possui uma filha um pouco mais clara, mas ainda negra e um genro branco, nascendo seu neto branco. A mãe levanta as mãos para o céu, agradecendo a benção de conseguir finalmente branquear sua família. O título do quadro remete à história bíblica da maldição lançada por Noé ao seu filho Cam, que disse que ele seria o último escravo dos seus irmãos. Os povos de pele escura seriam descendentes de Cam, justificativa que foi utilizada por muito tempo para validar a escravidão.



Além disso, Pedro Archanjo era do candomblé, religião marginalizada e perseguida, desde a época retratada no livro, até o presente em nossa sociedade. No livro retrata-se a perseguição aos terreiros de candomblé, muitas vezes tendo suas giras e festas reprimidas com violência. Não somente as manifestações religiosas eram reprimidas com violência, mas todos as características da cultura do povo negro, como as comidas típicas, a luta da capoeira. Vemos as dificuldades que os negros tinham para estudar, trabalhar em empregos dignos, mesmo lutando para isso acontecer.

Pedro Archanjo acreditava que a chave para o combate ao racismo estava na mistura que forma nosso povo, visto que todos nós possuímos sangue negro. Esse livro é uma homenagem ao povo negro, que tanta batalha e sofre com o racismo nosso de cada dia.  Foi escrito em 1969, mas poderia ter sido escrito hoje, por conta de todos os problemas que ainda assolam nossa sociedade. É um livro-protesto, que coloca sal na ferida do racismo, um livro que aponta sem medo. Como dizia Pedro Archanjo, ainda que tentem nos derrubar, somos muitos, e sempre nascerão mais de nós.
Deixo vocês com um trecho da música Eu só peço a Deus, de Renan Inquérito:


“É o Brasil da mistura, miscigenação
Quem não tem sangue de preto na veia deve ter na mão

Eu só peço a Deus!”

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