Resenha
Livro: Tenda dos Milagres
Autor: Jorge Amado
Ano de lançamento: 1969
Tenda dos Milagres, livro predileto do autor Jorge
Amado , se passa em duas épocas diferentes: tempo presente e passado, na virada
do século XIX para o XX. O livro se passa na Bahia, e acompanhamos o
trabalho de Fontes, um antropólogo poeta, que começou a pesquisar sobre a vida
de Pedro Archanjo, um cidadão extremamente influente na sociedade baiana. Mas
Fontes não começa a pesquisar a vida desse escritor, cientista, poeta por
vontade própria: recebe a encomenda de um gringo, que vindo ao Brasil, declara
amar a obra de Pedro Archanjo.
Já no começo da obra, podemos perceber a crítica ao
colonialismo: Pedro Archanjo já era estudada na Bahia, por professores de
Universidades, porém, ele apenas começou a fazer sucesso na mídia quando um gringo evidenciou a
importância de sua vida e obra, denotando que apenas o que vem de fora é bom,
pois até aquele momento da obra, ninguém ligava para Pedro Archanjo, nem ao
menos sabiam da existência desse homem.
Pedro Archanjo era escritor. Foi bedel da Faculdade de
Medicina da Bahia. Bedel é um cargo administrativo de pequeno porte em
universidades, profissão que exerceu durante mais de 30 anos. Archanjo
questionava a sociedade racista de sua época. Na virada do século XIX para o XX
podemos acompanhar através do enredo do livro, as teorias eugenistas, que a
medicina brasileira ajudou a corroborar . Essas teorias
diziam que a sociedade brasileira deveria se livrar dos mestiços e dos negros,
em busca de formar uma sociedade pura, branca. Acompanhamos com dor as várias
demonstrações de racismo, onde os negros e mestiços são apontados como
criminosos única e exclusivamente pela sua cor, o tamanho de seu crânio , ou
suas feições.
Esse quadro A
Redenção de Cam, do pintor Modesto Brocos evidencia as teorias eugenistas do
começo do século. Nessa pintura, temos uma mãe negra, que possui uma filha um
pouco mais clara, mas ainda negra e um genro branco, nascendo seu neto branco.
A mãe levanta as mãos para o céu, agradecendo a benção de conseguir finalmente
branquear sua família. O título do quadro remete à história bíblica da maldição
lançada por Noé ao seu filho Cam, que disse que ele seria o último escravo dos
seus irmãos. Os povos de pele escura seriam descendentes de Cam, justificativa
que foi utilizada por muito tempo para validar a escravidão.
Além disso, Pedro Archanjo era do candomblé, religião
marginalizada e perseguida, desde a época retratada no livro, até o presente em
nossa sociedade. No livro retrata-se a perseguição aos terreiros de candomblé,
muitas vezes tendo suas giras e festas reprimidas com violência. Não somente as
manifestações religiosas eram reprimidas com violência, mas todos as
características da cultura do povo negro, como as comidas típicas, a luta da
capoeira. Vemos as dificuldades que os negros tinham para estudar, trabalhar em
empregos dignos, mesmo lutando para isso acontecer.
Pedro Archanjo acreditava que a chave para o combate
ao racismo estava na mistura que forma nosso povo, visto que todos nós
possuímos sangue negro. Esse livro é uma homenagem ao povo negro, que tanta
batalha e sofre com o racismo nosso de cada dia. Foi escrito em 1969, mas
poderia ter sido escrito hoje, por conta de todos os problemas que ainda
assolam nossa sociedade. É um livro-protesto, que coloca sal na ferida do racismo,
um livro que aponta sem medo. Como dizia Pedro Archanjo, ainda que tentem nos
derrubar, somos muitos, e sempre nascerão mais de nós.
Deixo vocês com um trecho da música Eu só peço a Deus,
de Renan Inquérito:
“É
o Brasil da mistura, miscigenação
Quem
não tem sangue de preto na veia deve ter na mão
Eu
só peço a Deus!”
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