domingo, 23 de setembro de 2018

O conto da Aia


Resenha
Livro: O conto da Aia
Autora: Margaret Atwood
Ano de lançamento: 1985
Número de páginas: 366

Margaret Atwood é uma escritora canadense de 78 anos que já escreveu romances, ensaios, poesias, contos e histórias em quadrinho. Ganhadora de vários prêmios internacionais, e está na calçada da fama do Canadá, em Toronto.
O livro O conto da Aia, de nome original The Handmand’s Tale, foi adaptado para o cinema na década de 90 e ganhou uma adaptação mais recente na forma de série de tv, produzida pela Hulu, streaming que não chegou ao Brasil ainda, concorrente da Netflix. É exibida no Brasil pela Paramount. Já tem duas temporadas e a terceira está confirmada.

A obra fala sobre um futuro distópico, onde o presidente dos Estados Unidos sofre um golpe por parte de um grupo religioso fazendo com que o país se torne uma teocracia, baseando suas leis na bíblia, passando a se chamar Gilead.

Nesse novo país, as mulheres não têm direito à nada: nome próprio, ler, escrever, trabalhar, sair de casa. Por conta de desastres ambientais, a maior parte das mulheres não consegue ter filhos. São divididas em castas: as tias (responsáveis por educarem as futuras reprodutoras da nação); as esposas, que se vestem de azul e por não conseguirem cumprir com seu papel na sociedade, são obrigadas a tolerar a presença de uma aia em sua casa; as Marthas, que se vestem de verde, uma espécie de governanta da casa dos oficiais; e finalmente as Aias. As Aias, que se vestem de vermelho, são mulheres que ainda são férteis e utilizadas como receptáculos, meros úteros de duas pernas, para ter filhos para os comandantes. Os comandantes são o que conhecemos hoje como governadores, prefeitos etc.

A história é narrada por Offred. Reparem no nome: Of (significa “de”) mais o nome a quem essas mulheres pertenciam. A Offred pertencia ao comandante Fred. As mulheres não possuíam mais seu nome passado, destituídas do que nos diferencia, elas são simplesmente úteros, cuja função é a reprodução. Quando uma mulher muda de casa, outra se torna Offred e assim por diante.

Todo mês no período fértil as Aias são estupradas pelos comandantes, num ritual bizarro. A esposa participa desse ritual. Confesso que as descrições desse processo me deixaram nauseadas.

Offred ainda consegue se lembrar de como era antes desse regime teocrático se instalar. Ela tinha uma família, uma filha e um marido e acaba sendo separada de todos que ama. Mas ela possui algo que ninguém consegue remover: a sua memória, suas lembranças. É através do seu pensamento que a protagonista consegue se manter viva, como um traço de realidade no bálsamo de tristeza, irracionalidade, que a cerca. Isso que a faz manter-se viva e ao mesmo tempo, acaba gerando angústia, pois ela se recorda como era ser mulher naquela sociedade. Necessitamos permanecer vigilantes aos nossos direitos, sempre, pois de uma hora para outra, eles podem ser retirados.
A justificativa que se dá para o cerceamento das mulheres é bíblica e cercada de protecionismo. Os homens dizem estar protegendo as mulheres de toda aquela liberdade que havia sido conquistada e mal utilizada.

Aliás, o livro como um todo me deixou enojada. Por se tratar de uma ficção, uma distopia, carrega um quê de profecia. Como não traçar paralelos com a realidade em que vivemos? Algum dia não fomos tratadas como meros receptáculos pelo Estado? Acompanhamos a discussão sobre descriminalização do aborto recentemente. Até mesmo nos casos em que há garantia de aborto legalizado no Brasil, a mulher encontra dificuldades para consegui fazê-lo. No outro extremo, observamos a proposta de esterilização compulsória das mulheres mais pobres, negando-as o direito de planejar suas vidas, construir suas famílias. Em que momento da história recente tivemos nossos plenos direitos garantidos? A nossa sociedade é machista e por isso, nós, mulheres, somos vistas como meros objetos criados para a satisfação do homem.

É um livro amargo, difícil de digerir, impossível esquecer. Acredito que essa seja uma das funções da literatura: incomodar, tocar na ferida, machucar. Por vezes, precisei parar para respirar ao ler algumas passagens do livro. Mas, não podemos perder a esperança de que, em algum dia, consigamos construir uma sociedade mais justa e mais igualitária para todas e todos. Por isso, fecho a resenha com esse trecho abaixo:


“Sigo adiante esta história triste e faminta e sórdida, esta história trôpega e mutilada, porque afinal, quero que você a ouça... Pelo fato de estar lhe contando alguma coisa, estou pelo menos acreditando em você... Por que estou contando está história para você, desejando sua existência, logo você existe.”

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