domingo, 9 de setembro de 2018

Lituma nos Andes


Resenha
Livro: Lituma nos Andes
Autor: Mario Vargas Llosa
Ano de lançamento: 1993
Número de páginas: 272

Mario Vargas Llosa é conhecido por não ter papas na língua e falar o que pensa. Suas falas são sempre polêmicas e confesso que esse foi o motivo pelo qual eu atrasava a leitura dos seus livros. Foi ganhador do prêmio Nobel de literatura em 2010. Concorreu à presidência no Peru nos anos 90, tendo sido derrotado por Fujimori. É no meio dessa efervescência política que Llosa publica Lituma nos Andes.

O livro fala sobre dois policiais que foram levados à Nacco, cidade situada na altitude Andina, que só conseguia sustentar sua existência graças à construção de uma estrada que atravessaria os Andes. Os funcionários da lei foram chamados pois três pessoas desapareceram, não tendo sido achados seus corpos. Eles foram para os Andes investigar essas mortes.

Acompanhamos a investigação sob o ponto de vista , na maior parte das vezes, de Lituma. Lituma é um cidadão de Piura, cidade urbanizada e é sob essa ótica que ele analisa a vida cotidiana dos moradores da montanha, chamados de serranos. Ele é um personagem preconceituoso em relação à população local, tratando-os como atrasados, movidos pelo mistiscismo, violentos, enquanto exalta a civilidade e urbanidade de quem vive na costa. Já é de se imaginar que o personagem que dá nome ao livro não desperte muita simpatia nos moradores, em sua maior parte indígenas, que tratam o investigador com desconfiança.

Tomas é um cabo de polícia, braço direito de Lituma. Tomasito e Lituma passam as noites conversando sobre o amor perdido do cabo, Mercedes. Essas passagens são responsáveis pelos respiros de amor, tão necessários em meio ao caos violento do cotidiano diário das montanhas, relatado por Lituma. São diálogos repletos de lirismo por parte de Tomas, que nunca superou a perda de seu amor, mantendo esperança de um dia reencontrá-la.

Também é muito presente no livro o grupo Sendero Luminoso, que teve origem em um movimento criado por intelectuais de orientação marxista, que foi responsável por alguns ataques na década de 70 e 80 no Peru. No livro, esse grupo acaba sendo demonizado, retratando os indivíduos pertencentes ao movimento como animalizados, cegos. Não sei até que ponto isso corresponde à verdade. Não me aprofundei no tema de maneira a contrapor ou corroborar com essa visão.

São retratadas no livro as crenças dos indígenas das montanhas. É muito rico sob o ponto de vista cultural, nos fazendo viajar através do mundo dos pishtacos, apus, entre outras figuras míticas das montanhas. A descrição dos Andes é riquíssima, levando o leitor a sentir que estava realmente inserido no cenário em questão.

Quanto ao ritmo de escrita, o autor mistura temporalidades sem divisão gráfica, o que pode parecer um pouco confuso à primeira vista, mas que traz certa dinâmica ao texto, sendo fácil se acostumar ao ritmo peculiar de escrita após algumas páginas lidas.

O ponto principal que o livro, em minha opinião, traz à discussão é a dicotomia entre civilização e barbárie. Onde começa nossa humanidade? Até onde somos capazes de ir para nos salvar? O que nos separa dos bárbaros? Essa divisão fica evidente na separação entre costeiros(os humanos, civilizados) e os serranos (atrasados, não humanos, bárbaros). Essa visão será desconstruída ao longo do livro, pois todos nós temos humanidade e barbárie em nosso coração. A maior parte das pessoas não é ruim ou boa cem por cento do tempo. Esse entrecruzamento será responsável por uma das grandes sacadas do livro.

Quanto ao final, assim como outros escritores latino-americanos, que faziam parte do boom latino americano, Llosa nos presenteia com um desfecho digno de realismo mágico. A construção da história se dá todo do ponto de vista da racionalidade, para ser contrariada ao final. Não posso detalhar mais, com risco de conter spoilers. Recomendo fortemente a leitura desse livro, pois o autor consegue transformar uma simples história policial em um delicioso romance. Boas leituras!

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