Resenha
Livro: Lituma nos Andes
Autor: Mario Vargas Llosa
Ano de lançamento: 1993
Número de páginas: 272
Mario Vargas Llosa é conhecido por não ter papas na
língua e falar o que pensa. Suas falas são sempre polêmicas e confesso que esse
foi o motivo pelo qual eu atrasava a leitura dos seus livros. Foi ganhador do
prêmio Nobel de literatura em 2010. Concorreu à presidência no Peru nos anos
90, tendo sido derrotado por Fujimori. É no meio dessa efervescência política
que Llosa publica Lituma nos Andes.
O livro fala sobre dois policiais que foram levados à
Nacco, cidade situada na altitude Andina, que só conseguia sustentar sua
existência graças à construção de uma estrada que atravessaria os Andes. Os
funcionários da lei foram chamados pois três pessoas desapareceram, não tendo
sido achados seus corpos. Eles foram para os Andes investigar essas mortes.
Acompanhamos a investigação sob o ponto de vista , na
maior parte das vezes, de Lituma. Lituma é um cidadão de Piura, cidade
urbanizada e é sob essa ótica que ele analisa a vida cotidiana dos moradores da
montanha, chamados de serranos. Ele é um personagem preconceituoso em relação à
população local, tratando-os como atrasados, movidos pelo mistiscismo,
violentos, enquanto exalta a civilidade e urbanidade de quem vive na costa. Já
é de se imaginar que o personagem que dá nome ao livro não desperte muita
simpatia nos moradores, em sua maior parte indígenas, que tratam o investigador
com desconfiança.
Tomas é um cabo de polícia, braço direito de Lituma.
Tomasito e Lituma passam as noites conversando sobre o amor perdido do cabo,
Mercedes. Essas passagens são responsáveis pelos respiros de amor, tão
necessários em meio ao caos violento do cotidiano diário das montanhas,
relatado por Lituma. São diálogos repletos de lirismo por parte de Tomas, que
nunca superou a perda de seu amor, mantendo esperança de um dia reencontrá-la.
Também é muito presente no livro o grupo Sendero
Luminoso, que teve origem em um movimento criado por intelectuais de orientação
marxista, que foi responsável por alguns ataques na década de 70 e 80 no Peru.
No livro, esse grupo acaba sendo demonizado, retratando os indivíduos
pertencentes ao movimento como animalizados, cegos. Não sei até que ponto isso
corresponde à verdade. Não me aprofundei no tema de maneira a contrapor ou
corroborar com essa visão.
São retratadas no livro as crenças dos indígenas das
montanhas. É muito rico sob o ponto de vista cultural, nos fazendo viajar
através do mundo dos pishtacos, apus, entre outras figuras míticas das
montanhas. A descrição dos Andes é riquíssima, levando o leitor a sentir que
estava realmente inserido no cenário em questão.
Quanto ao ritmo de escrita, o autor mistura
temporalidades sem divisão gráfica, o que pode parecer um pouco confuso à
primeira vista, mas que traz certa dinâmica ao texto, sendo fácil se acostumar
ao ritmo peculiar de escrita após algumas páginas lidas.
O ponto principal que o livro, em minha opinião, traz
à discussão é a dicotomia entre civilização e barbárie. Onde começa nossa humanidade?
Até onde somos capazes de ir para nos salvar? O que nos separa dos bárbaros?
Essa divisão fica evidente na separação entre costeiros(os humanos,
civilizados) e os serranos (atrasados, não humanos, bárbaros). Essa visão será
desconstruída ao longo do livro, pois todos nós temos humanidade e barbárie em
nosso coração. A maior parte das pessoas não é ruim ou boa cem por cento do
tempo. Esse entrecruzamento será responsável por uma das grandes sacadas do
livro.
Quanto ao final, assim como outros escritores
latino-americanos, que faziam parte do boom latino americano, Llosa nos
presenteia com um desfecho digno de realismo mágico. A construção da história
se dá todo do ponto de vista da racionalidade, para ser contrariada ao final.
Não posso detalhar mais, com risco de conter spoilers. Recomendo fortemente a
leitura desse livro, pois o autor consegue transformar uma simples história
policial em um delicioso romance. Boas leituras!
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