Resenha
Livro: Laranja Mecânica
Autor: Anthony Burguess
Ano de lançamento: 1962
Número de páginas: 224
Editora: Aleph
Um
livro muito horrorshow!
Um clássico da literatura
mundial, Laranja Mecânica é um romance de formação que acompanha o amadurecimento
de Alex, um garoto que vive numa Inglaterra futurista, membro de uma gangue que
pratica atos de ultraviolência.
Narrado pelo próprio
personagem principal, o livro é dividido em três partes: a primeira parte trata
da vida de Alex com seus drugis (companheiros), descrevendo as noites da gangue
que ele faz parte: tomar leite moloko, roubar, estuprar e abusar. Mostram
também como era a sociedade no romance, dividida em classes, hierarquizada, com
muitos pobres e muita violência. Esses atos ultraviolentos não são
exclusividade da turma de Alex. Fica claro que é comum adolescentes cometerem
esses delitos ao longo da narrativa. Os crimes são detalhados minunciosamente,
o que pode acabar embrulhando o estômago de pessoas mais sensíveis. Numa dessas
noites de crimes, Alex é traído por seus companheiros e acaba sendo preso,
condenado à 14 anos de prisão. Ele tinha apenas 15 anos na época.
A segunda parte narra a
vida de Alex na prisão. Ele não perde traços de seu comportamento violento, o
que acaba fazendo com que ele se torne objeto de um experimento que prometia curá-lo
da violência e deixa-lo livre da prisão em 15 dias. Ele aproveita a deixa para
sair mais cedo da cadeia e participa do tratamento, chamado Ludovico. O
tratamento consistia em assistir diariamente filmes ultraviolentos, após a
administração de um remédio que fazia com que ele associasse as cenas com um
enorme mal-estar, fazendo com que ele se sentisse a ponto de morrer toda vez
que visse ou pensasse em atos de violência, ou até mesmo sexo.
A terceira parte narra a
vida de Alex logo após ele deixar a prisão. Todo o livro utiliza-se de uma
linguagem chamada Nadsat, inventada pelo autor, inspirada na linguagem dos
jovens ingleses e russos da época em que ele escreveu o livro, com suas gírias
e malemolência. Na versão que li há um glossário ao final do livro com o
significado das palavras, mas recomendo não o olhar. A estranheza provocada
pelo fato de não sabermos o significado das palavras é necessária para
emergirmos na atmosfera do livro. Acredito que olhar o glossário deixaria tudo
menos interessante.
O livro trabalha com a
questão do livre-arbítrio, afinal Alex só começou a agir bem após passar por
uma tortura e aborda a questão do Estado: ate onde pode ir o seu controle na
vida das pessoas, nas suas vontades individuais? A certa altura do livro um
capelão da prisão se questiona se um homem que não pode escolher ser bom é
igual ou pior aquele que escolhe ser mau. Podemos perceber uma crítica forte ao
behaviorismo, que é um conjunto de abordagens nascidas nos séculos XIX e XX que
propõe o comportamento como objeto de estudo da psicologia. A terapia/tortura
do livro me fez lembrar da época da faculdade quando estudei em Psicologia da
Educação o método pavloviano que consiste em um condicionamento clássico, um
processo que descreve a gênese e modificação de alguns comportamentos com base
nos efeitos binômio estímulo-resposta sobre o sistema nervoso central dos seres
vivos. Até que ponto nossas escolhas são realmente nossas?
Também podemos extrapolar
o debate que o livro traz para uma temática que vira e mexe está presente nos
noticiários ou nas propagandas eleitorais de certos políticos de extrema
direita: a redução da maioridade penal. Acompanhamos um Alex adolescente que
apenas faz piorar seus comportamentos ultraviolentos na prisão, em contato com
criminosos mais velhos e mais experientes. O próprio tratamento Ludovico nasce
da necessidade de esvaziar as prisões, visto que já era evidente que as cadeias
não recuperavam ninguém, pelo contrário, apenas pioravam. Esse debate já era
feito há quase cinquenta anos atrás. Hoje temos observado que o Brasil é um dos
países que possui uma das maiores populações carcerárias do mundo,
principalmente de jovens negros e pobres, acompanhando os Estados Unidos, país
onde as prisões são privadas e cada preso é uma possibilidade de lucrar em
potencial. O livro nos ajuda a refletir sobre esse fato, se o encarceramento é
uma solução para nos livrar da violência.
Como a obra é narrada
pelo próprio Alex, senti muita repulsa e ojeriza em várias partes onde ele
conta sobre os atos perpetrados nas noites violentas. Com a linguagem Nadsat,
há uma certa veracidade nos relatos, que parecem estar sendo narrados por um
adolescente de fato. Mas depois, quando ele passa pelo tratamento/tortura de
ser obrigado a assistir filmes horríveis, ficar de pálpebras abertas, entre
outras ações deploráveis, sentimos pena desse ser, que afinal, apesar de tudo,
é apenas um adolescente. O autor joga com essa ambiguidade da vida, afinal, se
o Alex é criminoso e tem que pagar pelos delitos que cometeu, a pessoa que
tortura ele não seria igualmente um criminoso? Quem vigia os vigilantes? O
autor também nos mostra que todas as pessoas podem ter um lado violento, quando
escracha cenas de violência policial, aparelho repressor do Estado, e velhinhos
aparentemente inocentes cometendo atos de ultraviolência por vingança.
O livro é um clássico,
pois é atemporal e nos fornece material denso para posteriores debates. Possui
uma adaptação para o cinema de 1972, com direção do Kubrick. Recomendo
fortemente a leitura desse livro horrorshow, meus drugis!
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