Resenha
Livro: A metamorfose
Autor: Franz Kafka
Número de páginas: 96
Editora: Principis, ano 2018
Uma obra curta, essencialmente simples de entender, se
observarmos apenas a superfície; um mergulho mais profundo nos faz capaz de
entender um pouco mais sobre a natureza humana, solidão, capitalismo, direitos
humanos, entre outras questões.
O enredo é velho conhecido da maior parte das pessoas:
o jovem Gregor Samsa acorda em um belo dia em sua cama com um corpo diferente
do seu usual, pois agora ele é um inseto. Gregor era um caixeiro viajante que
sustentava a família – mãe, pai e irmã- e trabalhava apenas por essa razão,
pois os seus pais possuíam uma dividia com seu chefe; do contrário já teria
largado há tempos o emprego, pois o odiava. Gregor era o provedor da família e
extremamente valorizado enquanto tal.
Quando o protagonista perde o horário pro trabalho,
pois acordara como um inseto (importante destacar que o autor não especifica
qual, deixando a cargo de nossa imaginação aquele mais asqueroso e repugnante
que pudermos imaginar), seus pais começam a bater na porta, juntamente com sua
irmã para ver o que acontecera. Logo em seguida, chega o gerente da empresa em
pessoa a fim de verificar a razão da ausência de seu empregado. Na realidade,
vemos como a família e o chefe não estão preocupados com a saúde ou o bem-estar
do Gregor, mas somente com as consequências que adviriam da falta no trabalho.
Podemos perceber como o protagonista trata a questão
de ter se tornado um inseto como secundário, ao passo que tenta convencer seu
chefe de que está perfeitamente saudável para trabalhar. O chefe, a despeito de
todos os serviços prestados durante cinco anos em que o empregado nunca
faltara, sai correndo e abandona o trabalhador na amargura. É angustiante
perceber a maneira como a qual Gregor tenta convencer a todos que sua condição
é passageira e que ele poderia estar trabalhando normalmente. Muitos
trabalhadores vão trabalhar mesmo doentes por conta do medo de demissões,
ameaças por parte dos chefes e isso fica muito explicitado nessa parte. Assim
como no filme Daniel Blake, podemos perceber que um trabalhador improdutivo é
uma pedra no caminho do sistema, ele é descartável e quando não está saudável, o
mais acertado, dentro da lógica capitalista, é descarta-lo.
Se tem uma palavra que define essa novela é angústia.
É terrivelmente desesperador ver a maneira como a família de Greg muda o
tratamento em relação à ele a partir do momento que o provedor se torna um
inválido, que necessita de cuidados e provisão financeira. Quantos de nós já
testemunhamos famílias que descartam seus idosos, as pessoas doentes, muitas vezes
cuidando de forma a não os deixar morrer apenas, mas sem falar uma palavra de
carinho e conforto? Assim que Greg se sente, jogado fora, inutilizado.
Greg se sente aprisionado em sua casca, em seu próprio
corpo. Nesse momento fiz uma analogia às pessoas transexuais, que são pessoas
que não se identificam com o sexo biológico com o qual nasceram. Essas pessoas
são excluídas e marginalizadas na sociedade, assim como Greg, tratadas como
repugnantes apenas por não se encaixarem no corpo com o qual nasceram, na
casca, que nada mais é que um envoltório.
O autor utiliza um estilo que iria conferir a ele sua
fama: narra episódios absurdos com extremo realismo, com verossimilhança. O que
é real e o que não pode ocorrer se misturam, se imbricam a ponto da gente
questionar o que é concreto, o que existe verdadeiramente.
Podemos pensar em todos os excluídos de nossa
sociedade e ao tratamento que recebem. Esse livro joga em nossa cara as chagas
de nossa sociedade, a hipocrisia, ao revelar que no final, o monstro de verdade
não é o inseto repugnante, mas sim os “cidadãos de bem”. Leitura altamente
recomendada!
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