sábado, 18 de agosto de 2018

O sol na cabeça


Resenha
Livro: O sol na cabeça
Autor: Geovani Martins
Ano de lançamento: 2018
Número de páginas: 119

Geovani Martins é um escritor brasileiro de apenas 26 anos, nascido em Bangu, já morou na Rocinha e atualmente vive no Vidigal. Já trabalhou em diversos ofícios, como atendente de lanchonete, garçom em bufê infantil, barraca de praia e “homem-placa”. Participou da Festa Literária das Periferias, a Flup, teve alguns de seus contos publicados na revista setor X e foi convidado para a programação paralela da Flip. Por que eu fiz toda essa apresentação inicial do autor? Por que o fato de ser quem ele é- pobre, negro, morador de favela- é certamente a inspiração para os treze contos que compõem o livro.

O livro O sol na cabeça já teve seus direitos vendidos para virar filme e já foi comercializado para nove países diferentes. O que o torna tão especial? É um livro que possui treze contos, todos diferentes e sem ligação entre si, mas que giram em torno de uma temática principal: a vida nas periferias.

A obra impressiona pelo realismo e pela presença de muitas vozes. Nos contos onde o narrador é personagem, a linguagem é característica da juventude periférica, com gírias, muitas vezes locais, com traços de oralidade. Isso impressiona, parece que estamos escutando uma pessoa contar, tamanho o grau de realidade que esse tipo de escrita confere. Já nos contos onde o narrador é observador, a linguagem já é a da gramática normativa. Isso confere um extremo realismo aos contos, pois parecem que foram escritos por pessoas realmente diferentes, e você passa a acreditar naquelas histórias.

Percebam que usei as palavras realismo e realidade, por que é basicamente disso que os contos tratam.  A realidade da vida nas periferias brasileiras, mais especificamente no Rio de Janeiro. Mas ao invés daquela visão que muitos, que não vivem a realidade de uma favela tem, estereotipada, conseguimos enxergar as cores, sons, e beleza na vida daquelas pessoas que são tão maltratadas pelo Estado, seja pelas mãos da polícia , dos bandidos ou pela ausência de políticas públicas.
O trecho abaixo é apenas um dos inúmeros que evidenciam a desigualdade presente no Rio de Janeiro:

“ Era tão bom tudo aquilo, que queria continuar trabalhando pra sempre, pensava isso enquanto estava em casa; mas, quando chegava nos condomínios, pegava o cano que usava pra recolher as bolinhas de tênis, pisava na quadra, sentia o sol esquentando na minha cabeça, a obrigação de servir gente que nem olhava na minha cara, nessas horas eu queria nunca mais depender de ninguém nessa vida.

O Brasil é um país que foi formado e carrega até hoje traços de seu passado colonial, com tradições escravocratas, onde o negro era e ainda é tratado como não gente, pela elite e, muitas vezes, pela classe média. Isso fica bem explicitado na obra, com o medo no olhar da classe média quando um menino negro passa, o desprezo e o nojo dirigidos aos moradores da periferia, os não gente.

Também podemos observar a poesia do cotidiano, em vários contos, pois na pobreza e na periferia não existe somente tristeza, existem vários momentos de alegria. No conto da velhinha candomblecista, pude sentir o aconchego daquele centro espírita, o carinho das crianças para com ela.

Um ponto muito importante a ser observado, que reflete a realidade das periferias: quase nenhum personagem tem pai, é a mãe que cria. O pai fugiu, foi embora, ou quando muito, anda sempre bêbado. Isso encontra eco na realidade, pois a maior parte das famílias das classes mais baixa é chefiada por mulheres. A resistência, a força e fibra dessas mulheres fica homenageada nessa obra.

Minha primeira experiência com a leitura de um livro completo de literatura marginal e só tenho elogios à obra. Meu conselho é que fiquemos de olho no que mais o Geovani irá produzir, pois o autor promete, visto esse livro ser o seu de estreia. Recomendo muito a leitura do livro por todos os motivos que foram falados. A leitura nos faz conhecer realidades que não são nossas e nos faz praticar empatia. Acho que essa é uma das maiores contribuições da literatura: a prática desse sentimento tão importante nos dias atuais. Boa leitura!

“Tive que ouvir que tava errado por falar pro ceis
Que seu povo me lembra Hitler
Carregam tradições escravocratas
E não aguentam ver um preto líder”
Música Junho de 94, Djonga

Nenhum comentário:

Postar um comentário

2001- Uma odisseia no espaço

                                                               Resenha   Livro: 2001- Uma odisseia no espaço   Autor: Arthur ...