Resenha
Livro: O sol na cabeça
Autor: Geovani Martins
Ano de lançamento: 2018
Número de páginas: 119
Geovani Martins é um escritor brasileiro de apenas 26
anos, nascido em Bangu, já morou na Rocinha e atualmente vive no Vidigal. Já
trabalhou em diversos ofícios, como atendente de lanchonete, garçom em bufê
infantil, barraca de praia e “homem-placa”. Participou da Festa Literária das
Periferias, a Flup, teve alguns de seus contos publicados na revista setor X e
foi convidado para a programação paralela da Flip. Por que eu fiz toda essa
apresentação inicial do autor? Por que o fato de ser quem ele é- pobre, negro,
morador de favela- é certamente a inspiração para os treze contos que compõem o
livro.
O livro O sol na cabeça já teve seus direitos vendidos
para virar filme e já foi comercializado para nove países diferentes. O que o
torna tão especial? É um livro que possui treze contos, todos diferentes e sem
ligação entre si, mas que giram em torno de uma temática principal: a vida nas
periferias.
A obra impressiona pelo realismo e pela presença de
muitas vozes. Nos contos onde o narrador é personagem, a linguagem é
característica da juventude periférica, com gírias, muitas vezes locais, com
traços de oralidade. Isso impressiona, parece que estamos escutando uma pessoa
contar, tamanho o grau de realidade que esse tipo de escrita confere. Já nos
contos onde o narrador é observador, a linguagem já é a da gramática normativa.
Isso confere um extremo realismo aos contos, pois parecem que foram escritos
por pessoas realmente diferentes, e você passa a acreditar naquelas histórias.
Percebam que usei as palavras realismo e realidade,
por que é basicamente disso que os contos tratam. A realidade da vida nas periferias
brasileiras, mais especificamente no Rio de Janeiro. Mas ao invés daquela visão
que muitos, que não vivem a realidade de uma favela tem, estereotipada, conseguimos
enxergar as cores, sons, e beleza na vida daquelas pessoas que são tão
maltratadas pelo Estado, seja pelas mãos da polícia , dos bandidos ou pela
ausência de políticas públicas.
O trecho abaixo é apenas um dos inúmeros que
evidenciam a desigualdade presente no Rio de Janeiro:
“ Era tão bom tudo
aquilo, que queria continuar trabalhando pra sempre, pensava isso enquanto
estava em casa; mas, quando chegava nos condomínios, pegava o cano que usava
pra recolher as bolinhas de tênis, pisava na quadra, sentia o sol esquentando
na minha cabeça, a obrigação de servir gente que nem olhava na minha cara,
nessas horas eu queria nunca mais depender de ninguém nessa vida. ”
O Brasil é um país que foi formado e carrega até hoje
traços de seu passado colonial, com tradições escravocratas, onde o negro era e
ainda é tratado como não gente, pela elite e, muitas vezes, pela classe média.
Isso fica bem explicitado na obra, com o medo no olhar da classe média quando
um menino negro passa, o desprezo e o nojo dirigidos aos moradores da
periferia, os não gente.
Também podemos observar a poesia do cotidiano, em
vários contos, pois na pobreza e na periferia não existe somente tristeza,
existem vários momentos de alegria. No conto da velhinha candomblecista, pude
sentir o aconchego daquele centro espírita, o carinho das crianças para com
ela.
Um ponto muito importante a ser observado, que reflete
a realidade das periferias: quase nenhum personagem tem pai, é a mãe que cria.
O pai fugiu, foi embora, ou quando muito, anda sempre bêbado. Isso encontra eco
na realidade, pois a maior parte das famílias das classes mais baixa é chefiada
por mulheres. A resistência, a força e fibra dessas mulheres fica homenageada
nessa obra.
Minha primeira experiência com a leitura de um livro completo
de literatura marginal e só tenho elogios à obra. Meu conselho é que fiquemos
de olho no que mais o Geovani irá produzir, pois o autor promete, visto esse
livro ser o seu de estreia. Recomendo muito a leitura do livro por todos os
motivos que foram falados. A leitura nos faz conhecer realidades que não são
nossas e nos faz praticar empatia. Acho que essa é uma das maiores
contribuições da literatura: a prática desse sentimento tão importante nos dias
atuais. Boa leitura!
“Tive
que ouvir que tava errado por falar pro ceis
Que
seu povo me lembra Hitler
Carregam
tradições escravocratas
E
não aguentam ver um preto líder”
Música Junho de 94, Djonga
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