domingo, 15 de abril de 2018

Orlando: Uma biografia


Resenha
Livro: Orlando
Autora: Virginia Woolf
Lançamento: 11 de outubro de 1928

Virginia Woolf nasceu em 1822 na Inglaterra e se tornou uma das mais importantes figuras da literatura moderna. Estreou na literatura em 1915, com o romance The Voyage Out. Virginia sofria de profunda depressão e bipolaridade, e veio a se matar em 1941, jogando-se em um rio.

Apesar de ter sido casada a vida inteira com Leonard Woolf, crítico literário, teve um romance com sua amiga Vita Sackville West. O livro Orlando é uma carta de amor à sua amante Vita. Nessa obra prima da literatura mundial, temos um biógrafo que acompanha a vida de Orlando, um personagem imortal, durante quatro séculos: o começo da história se dá na era elisabetana na Inglaterra, no século XVI até chegar à segunda década do século passado. Durante todo esse tempo, Orlando morou em vários países diferentes. Um dos pontos interessantes é que o livro termina no tempo presente (presente da escritora, naquela época), no dia 11 de outubro de 1928, mesma data do lançamento do romance. Apesar de acompanhar a trajetória da personagem durante quatrocentos anos, Orlando termina a história com apenas 36 anos.

Em um dia, quando Orlando tinha 30 anos, dormiu durante uma semana e acordou mulher. Simples assim. Sem sofrimentos ou dores. Orlando viveu 30 anos como homem e acorda mulher em determinado momento. Se a questão dos transgêneros já é polêmica nos dias atuais, imagina no começo do século passado? Virginia já entendia a questão de gênero há quase um século atrás e hoje em dia ainda lutamos pelos direitos das pessoas trans, homossexuais, da população LGBT de maneira geral. Ponto de destaque é que quando Orlando chega em sua residência como mulher, nenhum dos seus empregados duvida de sua identidade. Orlando já mandava um recado em plena década de 20 do século passado: devemos respeitar e legitimar a identidade de gênero de todas as pessoas. Abaixo segue um trecho que mostra como ocorreu a mudança de gênero de Orlando:

“A mudança parecia ter ocorrido completamente e sem sofrimentos, e de tal maneira que o próprio Orlando não demonstrava surpresa com ela. Muita gente, considerando isso, e sustentando que uma mudança de sexo é contra a natureza, esforçou-se para provar que  (1) Orlando sempre tinha sido mulher, (2)Orlando é, neste momento, homem. Deixemos biólogos e psicólogos decidirem. Para nós é suficiente constatar o seguinte fato: Orlando foi homem até os trinta anos; nessa ocasião tornou-se mulher e assim permaneceu daí por diante.”

É muito interessante a maneira como a autora aborda essa questão. Orlando era um sedutor quando homem, por vezes machista, acreditava que as mulheres deveriam estar sempre arrumadas, penteadas,castas,caprichosas e que viviam para servir aos homens, sendo sentimentais e temperamentais em exagero. Quando Orlando se torna mulher, passa a questionar tudo aquilo que aceitou como certo durante toda sua vida, sobre o gênero oposto que possuía. Seriam as mulheres mesmo frágeis, temperamentais? A autora aborda o machismo presente na sociedade através do estranhamento que Orlando sente sendo do gênero feminino ao constatar que na realidade, ser mulher vai muito mais além daquelas frivolidades que os homens diziam que as mulheres possuíam.

Em minha opinião, Orlando possuía um uma identidade de gênero fluida, se comportando ora como representante do gênero masculino, ora do feminino, como podemos constatar em um trecho abaixo:

“Embora diferentes, os sexos se confundem. Em cada ser humano ocorre uma vacilação entre um sexo e outro; e às vezes só as roupas conservam a aparência masculina e feminina, quando, interiormente, o sexo está em completa oposição com o que se encontra à vista.”

A autora abordou, através desse romance, a pluralidade existente nos seres humanos, somos diversos e complexos. Orlando, quando se descobre mulher, continua a ter atração por mulheres e também começa a sentir por homens.  A orientação sexual(por quem você se atrai) é independente de sua identidade de gênero, que é o modo como você se enxerga no mundo. Nesse ponto podemos enxergar um retrato de sua companheira Vita e a relação que as duas mulheres tiveram durante alguns anos.

Nesse romance também temos a passagem do tempo de maneira relativa, pois, apesar de atravessar quatro séculos, Orlando termina com 36 anos. Ou seja, existem pessoas com as quais dividimos pouquíssimo tempo de vida e que parecem tão intensos, que demoram séculos. Em contrapartida, podemos viver anos com outra pessoa e parecer que passou apenas um dia.

Além de todas as questões de gênero abordadas, machismo e passagem de tempo, a autora também fala sobre o fazer literário. Temos passagens belíssimas sobre como eternizar momentos através da literatura, o papel do escritor, do poeta, entre outros.

Somado à todos esses assuntos presentes no enredo, que por si só, já tornam a obra um clássico, temos a escrita maravilhosa de Virginia, que parece uma pintura. As descrições são minunciosas, por vezes imaginei a cena que estava lendo presente em um quadro, tamanha atenção aos detalhes dada pela autora. Também há a presença de forte desenvolvimento psicológico de seus personagens, fato que não era comum nos romances da época, que somente serviam para falar sobre determinados assuntos, sem desenvolver psicologicamente seus personagens, sendo esse mais um ponto que contribui para que a obra seja considerada um clássico atemporal, que deve ser lida, distribuída, refletida e compartilhada. Extremamente necessária nos dias atuais.

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