Resenha
Livro:
Orlando
Autora:
Virginia Woolf
Lançamento:
11 de outubro de 1928
Virginia
Woolf nasceu em 1822 na Inglaterra e se tornou uma das mais importantes figuras
da literatura moderna. Estreou na literatura em 1915, com o romance The Voyage
Out. Virginia sofria de profunda depressão e bipolaridade, e veio a se matar em
1941, jogando-se em um rio.
Apesar
de ter sido casada a vida inteira com Leonard Woolf, crítico literário, teve um
romance com sua amiga Vita Sackville West. O livro Orlando é uma carta de amor à
sua amante Vita. Nessa obra prima da literatura mundial, temos um biógrafo que
acompanha a vida de Orlando, um personagem imortal, durante quatro séculos: o
começo da história se dá na era elisabetana na Inglaterra, no século XVI até
chegar à segunda década do século passado. Durante todo esse tempo, Orlando
morou em vários países diferentes. Um dos pontos interessantes é que o livro
termina no tempo presente (presente da escritora, naquela época), no dia 11 de
outubro de 1928, mesma data do lançamento do romance. Apesar de acompanhar a
trajetória da personagem durante quatrocentos anos, Orlando termina a história
com apenas 36 anos.
Em
um dia, quando Orlando tinha 30 anos, dormiu durante uma semana e acordou
mulher. Simples assim. Sem sofrimentos ou dores. Orlando viveu 30 anos como
homem e acorda mulher em determinado momento. Se a questão dos transgêneros já
é polêmica nos dias atuais, imagina no começo do século passado? Virginia já
entendia a questão de gênero há quase um século atrás e hoje em dia ainda
lutamos pelos direitos das pessoas trans, homossexuais, da população LGBT de
maneira geral. Ponto de destaque é que quando Orlando chega em sua residência
como mulher, nenhum dos seus empregados duvida de sua identidade. Orlando já
mandava um recado em plena década de 20 do século passado: devemos respeitar e
legitimar a identidade de gênero de todas as pessoas. Abaixo segue um trecho
que mostra como ocorreu a mudança de gênero de Orlando:
“A
mudança parecia ter ocorrido completamente e sem sofrimentos, e de tal maneira
que o próprio Orlando não demonstrava surpresa com ela. Muita gente,
considerando isso, e sustentando que uma mudança de sexo é contra a natureza,
esforçou-se para provar que (1) Orlando
sempre tinha sido mulher, (2)Orlando é, neste momento, homem. Deixemos biólogos
e psicólogos decidirem. Para nós é suficiente constatar o seguinte fato:
Orlando foi homem até os trinta anos; nessa ocasião tornou-se mulher e assim
permaneceu daí por diante.”
É
muito interessante a maneira como a autora aborda essa questão. Orlando era um
sedutor quando homem, por vezes machista, acreditava que as mulheres deveriam
estar sempre arrumadas, penteadas,castas,caprichosas e que viviam para servir
aos homens, sendo sentimentais e temperamentais em exagero. Quando Orlando se
torna mulher, passa a questionar tudo aquilo que aceitou como certo durante
toda sua vida, sobre o gênero oposto que possuía. Seriam as mulheres mesmo
frágeis, temperamentais? A autora aborda o machismo presente na sociedade
através do estranhamento que Orlando sente sendo do gênero feminino ao
constatar que na realidade, ser mulher vai muito mais além daquelas
frivolidades que os homens diziam que as mulheres possuíam.
Em
minha opinião, Orlando possuía um uma identidade de gênero fluida, se
comportando ora como representante do gênero masculino, ora do feminino, como
podemos constatar em um trecho abaixo:
“Embora
diferentes, os sexos se confundem. Em cada ser humano ocorre uma vacilação
entre um sexo e outro; e às vezes só as roupas conservam a aparência masculina
e feminina, quando, interiormente, o sexo está em completa oposição com o que
se encontra à vista.”
A
autora abordou, através desse romance, a pluralidade existente nos seres
humanos, somos diversos e complexos. Orlando, quando se descobre mulher,
continua a ter atração por mulheres e também começa a sentir por homens. A orientação sexual(por quem você se atrai) é
independente de sua identidade de gênero, que é o modo como você se enxerga no
mundo. Nesse ponto podemos enxergar um retrato de sua companheira Vita e a
relação que as duas mulheres tiveram durante alguns anos.
Nesse
romance também temos a passagem do tempo de maneira relativa, pois, apesar de
atravessar quatro séculos, Orlando termina com 36 anos. Ou seja, existem
pessoas com as quais dividimos pouquíssimo tempo de vida e que parecem tão
intensos, que demoram séculos. Em contrapartida, podemos viver anos com outra
pessoa e parecer que passou apenas um dia.
Além
de todas as questões de gênero abordadas, machismo e passagem de tempo, a
autora também fala sobre o fazer literário. Temos passagens belíssimas sobre
como eternizar momentos através da literatura, o papel do escritor, do poeta,
entre outros.
Somado
à todos esses assuntos presentes no enredo, que por si só, já tornam a obra um
clássico, temos a escrita maravilhosa de Virginia, que parece uma pintura. As
descrições são minunciosas, por vezes imaginei a cena que estava lendo presente
em um quadro, tamanha atenção aos detalhes dada pela autora. Também há a presença
de forte desenvolvimento psicológico de seus personagens, fato que não era
comum nos romances da época, que somente serviam para falar sobre determinados
assuntos, sem desenvolver psicologicamente seus personagens, sendo esse mais um
ponto que contribui para que a obra seja considerada um clássico atemporal, que
deve ser lida, distribuída, refletida e compartilhada. Extremamente necessária
nos dias atuais.
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