Resenha
Livro: A distância entre nós
Ano de lançamento: 2006
Um
livro, muitas reflexões. Ultimamente, tenho lido livros bem ricos, que me levam
a pensar na vida e no sentido que atribuímos a ela. Mas a obra A distância
entre nós, de Thirty Umrigar, me fez pensar mais do que os outros livros que li
nos últimos tempos, pois aborda assuntos que me são muito caros: raça, classe,
gênero, e sexualidade.
Através
de uma narrativa fluida, porém não menos densa, a autora nos faz conhecer duas
personagens tão distintas e tão semelhantes, ao mesmo tempo: uma empregada e
sua patroa. A história se passa na Índia atual. A empregada se chama Bhima e
passou vários anos de sua vida dedicados a servir sua patroa, Sera, uma mulher
culta, bem educada e viúva parsi, uma casta de grande prestígio na Índia.
Unidas
pelo fardo de ser mulher em uma sociedade patriarcal, ditada por costumes
machistas, assim como na nossa sociedade ocidental, criam um laço, que é
cultivado durante longos anos de convivência e dores compartilhadas: Bhima
sofre por ser pobre, não ter estudos, estar sempre sendo enganada e passa para
trás pelas outras pessoas; em contrapartida, Sera teve um casamento
extremamente infeliz, com um marido violento que a agredia. Bhima sempre a
ajudava após as surras de seu marido, cuidando dela, o que fez fortalecer ainda
mais os lações entre as duas mulheres.
Um
ponto interessante é que os personagens possuem camadas, não são, de maneira
alguma, maniqueístas. Por exemplo, apesar de Sera tratar Bhima bem,
diferentemente da forma como suas amigas tratam seus empregados, não permite
que sua funcionária sente nas cadeiras de sua casa nem coma junto com sua
família. A família de Sera se resume a sua filha Dinaz, que está grávida e seu
genro Viraf, os dois tendo indo morar com Sera após a morte de seu marido. A
família de Bhima é ainda menor: após ser abandonada por seu esposo, Gopal, e
sua filha morrer, seu único parente é Maya, sua neta, filha de Pooja, sua filha
que morreu. Maya, com apenas 17 anos, está grávida de um filho ilegítimo, fato
que traz preocupações exacerbadas para sua vó, pois elas vivem em uma sociedade
conservadora, onde a “honra” de uma mulher importa bastante.
Ao
longo da trama, podemos observar a maneira cruel com que os pobres são tratados
pela sociedade. Basta apenas a pessoa possuir dinheiro e poder para ser bem
tratada, com dignidade. Quando a pessoa é desafortunada, até mesmo os médicos
de hospitais, que deveriam cuidar dos pacientes de maneira isonômica, acabam
preterindo uns em relação a outros.
Maya
muitas vezes questiona sua vó sobre a importância que ela atribui à família de
Sera. Quantas vezes não deixou sua própria família sozinha para ir cuidar dos
parentes de sua patroa? Esse questionamento me fez lembrar do filme brasileiro
“Que horas ela volta?”, pois nele vemos uma mulher que cuidou a vida inteira do
filho da patroa e acaba não tendo tempo para cuidar de sua própria prole.
Podemos
perceber também como a sexualidade da mulher, seja aqui no ocidente como no
oriente, é podada a todo momento. Como o nosso corpo não nos pertence: a
sociedade patriarcal acredita possuir e controlar nossos corpos. Quando
subvertemos essa lógica machista e fazemos uso de nosso corpo para nossos
próprios prazeres ou necessidades , somos rechaçadas, enquanto os homens são
estimulados a todo momento a se conhecer, a usar os corpos de outrem para se
satisfazer. Seja aqui ou em Bombaim.
Vemos
duas mulheres unidas pela dor de suas vidas, mas ao mesmo tempo, quando a
verdade de uma dura realidade se revela, a classe a qual cada uma pertence
acaba separando-as. O recado é claro: os poderosos do mundo nunca irão aceitar
de bom grado que a plebe alcance e galgue os mesmos patamares que os seus.
A
autora consegue construir muito bem a humanidade de todos os personagens: como
podemos ser destrutivos, ou mesmo a mão que acalanta em horas difíceis. Somos
seres complexos, plurais, não podendo ser definidos de maneira simplista. Acabo
minha resenha por aqui recomendando fortemente a leitura do livro.
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