domingo, 3 de junho de 2018

Alvo Noturno


Resenha
Livro: Alvo Noturno
Autor: Ricardo Piglia
Lançamento : 2011



Ricardo Piglia foi um escritor argentino, nascido em 1941, que morreu no ano de 2017 em consequência da doença que descobriu em 2014: esclerose lateral amniotrófica. Autor de cinco romances, dentre eles Alvo Noturno , Dinheiro Queimado e inúmeros ensaios. Pelo livro Alvo Noturno recebeu o prêmio literário venezuelano Romulo Gallegos, já concedido a Gabriel García Marquez, Roberto Bolaños entre outros, além do prêmio Dashiel Hammet.

Alvo Noturno é um livro de narrativa policial na superfície, mas que possui muitas camadas a serem desvendadas. Faz parte da literatura noir, que se caracteriza por histórias que misturam terror, mistério e elementos policiais, mas que vai além da investigação policial.  Assim faz Piglia nesse romance: temos um crime, que já é apresentado nas primeiras páginas. Em um povoado no interior é assassinado Tony Durán, um porto riquenho negro, morador de Nova Jersey, que chega ao interior da Argentina com muito dinheiro. Tony teve um caso com as gêmeas Belladona, filhas de um dos mandachuvas daquele local.

Emilio Renzi, alter ego de Piglia, já presente em outras obras, é enviado de Buenos Aires para o povoado para investigar a morte, mas seu principal objetivo é traçar um painel social daquele local. Essa obra é muito mais que um romance policial usual, visto que o mais importante não é conhecermos o assassino, o responsável pela morte. O crime fica na superfície. O autor está mais preocupado que consigamos conhecer um pouco mais sobre a sociedade argentina retratada na época.

O livro se passa na década de 1970, a mesma época da ditadura na Argentina. Temos personagens usuais de romances policiais, como o  Croce, o comissário investigador, que possui métodos nada comuns para solucionar seus casos de crime, se internando em manicômios ou indo para a cadeia de vez em quando para pensar, adota métodos indutivos e não dedutivos, um excêntrico em sua essência.

Ricardo Piglia narra com êxito o processo de desconcentração industrial que ocorreu na Argentina, assim como suas consequências. Os desmandos e crueldades do capitalismo ficam bem evidentes ao longo de toda a trama. Também podemos perceber por que a chegada de Durán em povoado do interior causa tanto espanto: ele era um negro, com dinheiro. Quase não existem negros na Argentina, pois foram exterminados, como fica bem evidenciado no romance.

Podemos observar a extrema concentração fundiária que existe no meio rural argentino, onde temos uma pequena parcela da população possuindo muitas propriedades de terra, enquanto a maior parte fica relegada ser empregada dessa minoria rica, sem nenhuma perspectiva de melhoria, pois os possuidores de terra já herdam a mesma, por ocasião de nascimento.

O estilo noir, o fato da  revelação da identidade do criminoso não ser o ponto principal do livro, se constituindo, mais do que isso, em um  painel da sociedade argentina da época, me lembra muito a prosa de Leonardo Padura, escritor cubano, autor de romances policiais nada convencionais também, onde, assim como em Alvo Noturno, o principal é conseguirmos conhecer um pouco mais sobre as complexas sociedades, de Piglia, a argentina e de Padura, a de Cuba. Adoro livros nesse estilo e fiquei extremamente feliz em poder conhecer mais um autor latino-americano que contemple esse tipo de escrita. A América Latina é muita rica em literatura, basta sabermos procurar.

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