domingo, 13 de maio de 2018

Fahrenheit 451


Resenha
Livro: Fahrenheit 451
Autor: Ray Bradbury
Ano de lançamento: 1953

A distopia é a filosofia ou pensamento baseado em ficção que representa a antítese, o contrário da utopia. De acordo com a revista Galileu, é uma história com uma lição, que em geral, envolve a denúncia de regimes ditatoriais, tirânicos e autocráticos. Em suma, é uma janela escancarada para as consequências de qualquer tentativa de moldar e dar direção a algo tão plural quanto a civilização.

Fahrenheit 451 é uma distopia, um dos livros clássicos da ficção científica, obra-prima do autor. É importante levarmos em consideração o contexto do lançamento do livro, que se deu após o fim da Segunda Guerra Mundial, sendo uma clara crítica à censura intelectual promovida pelo nazismo.

O livro conta a história de Guy Montag, um bombeiro, que, ao invés de apagar incêndios, faz o trabalho inverso: é um incendiário. Nessa sociedade distópica, os bombeiros colocam fogo em livros, pois eles são muito perigosos, e foram proibidos à população.  Ele é casado com Mildred, uma mulher que passa os dias vendo telões e conversando com a TV e não troca nenhuma palavra de profundidade com seu marido. Guy leva sua vida normalmente, fazendo aquele trabalho que foi designado para fazer, sem refletir criticamente sobre, até conhecer sua nova vizinha: Clarisse.

Clarisse é uma adolescente, mas faz o que ninguém mais nessa sociedade tem a ousadia de fazer: pensar. No mundo do livro, as pessoas não leem, não refletem, necessitam de diversões instantâneas, saberes resumidos, fluidez, apatia, analfabetismo político. Ninguém pensa por si próprio, são levados a pensar, a sentir e não apreender, nem se envolver.
Voltando à Clarisse. Ela desperta no protagonista a vontade de pensar, de observar a natureza, contemplar o outro, assim, conhecendo a si mesmo. Podemos traçar paralelos com nossa sociedade atual, onde vivemos com o nariz enfiado em nossas telas de celulares, computadores e televisores, e não nos olhamos, não conversamos, não nos sentimos, não nos apreendemos. A realidade virtual é a que importa. O impressionante é que o autor criticava esse modelo de sociedade há mais de meio século atrás.

A sociedade do livro é – assustadoramente, devo acrescentar- parecida com a nossa. Nas escolas, não há professores. Os alunos aprendem com telas, onde passam vídeo aulas, semelhante ao que tentam empurrar para nossos estudantes atualmente: desvalorizando a profissão dos professores. Escolas onde os alunos não podem questionar, apenas aceitar. Existe um momento que a Clarisse questiona: me chamam de anti-social por não me encaixar nesse modelo de escola, porém eu observo, aprendo. Eles ficam parados em frente às telas. Quem é o verdadeiro anti-social? O que se encaixa nessa sociedade doente ou não?
Trago abaixo um trecho que exemplifica o papel da escola e da educação na sociedade do livro, e que podemos traçar paralelos com a nossa também:

“A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias e as línguas são abolidas, gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas, e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é que conta, o prazer está por toda a parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas?”

Um ponto de destaque também: quase não existe parto normal na história. Os bebês nascem por cesárea. Semelhante à nossa realidade? Exatamente. Desumanizamos o modo de ser, estamos desumanizando, afastando a nossa humanidade desde a via do nascimento. Não estou dizendo que cesárea não é uma via humana de nascer, óbvio que é. Mas as altas taxas dessa cirurgia que salva vida, não eram para existir em condições normais.

O conhecimento pode ser perigoso. Os livros nos fazem pensar, nos desmobilizam, nos fazem sair do senso comum. Enfrentamos atualmente na sociedade brasileira um sem número de manifestações de ódio ao conhecimento, à reflexão, à ciência. Penso continuamente onde iremos parar com essa paixão ao avesso desenfreada pela não reflexão. 

O fascismo, que segundo Márcia Tiburi, ocorre quando não nos colocamos no lugar do outro, quando não praticamos alteridade, ronda e atravessa nossa sociedade. Diante disso, os livros, de literatura ou não ficcionais, são responsáveis por nos abrir os olhos. Penso que a literatura é importante, pois nos faz colocar no lugar de outra pessoa, praticamos empatia, sentimento tão importante, nessa nossa modernidade líquida, onde somos levados continuamente a nos desconectar verdadeiramente do outro que está ao nosso lado. Citando um trecho do filme argentino Medianeras: “Tantos quilômetros de cabos servem para nos unir ou para nos manter afastados, cada um no seu lugar?“.  Eis a questão. Por isso, digo : vida longa aos livros.

Abaixo, segue um trecho ,  que acho perfeito para fechar a resenha, que resume um dos papeis da literatura em nossa vida.

“ A maioria de nós não pode sair correndo por ai, falar com todo mundo, conhecer todas as cidades do mundo. Não temos tempo, dinheiro ou tantos amigos assim. As coisas que você está procurando, Montag, estão no mundo, mas a única possibilidade que o sujeito comum terá de ver noventa e nove por cento delas está em um livro. Não peça garantias. E não espere ser salvo por uma coisa, uma pessoa, máquina ou biblioteca. Trate de agarrar a sua própria tábua e, se você se afogar, pelo menos morra sabendo que estava no rumo da costa.”

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