Resenha
Livro: Alvo Noturno
Autor: Ricardo Piglia
Lançamento : 2011
Ricardo Piglia foi um escritor argentino, nascido em 1941, que morreu no
ano de 2017 em consequência da doença que descobriu em 2014: esclerose lateral
amniotrófica. Autor de cinco romances, dentre eles Alvo Noturno , Dinheiro
Queimado e inúmeros ensaios. Pelo livro Alvo Noturno recebeu o prêmio literário
venezuelano Romulo Gallegos, já concedido a Gabriel García Marquez, Roberto
Bolaños entre outros, além do prêmio Dashiel Hammet.
Alvo Noturno é um livro de narrativa policial na superfície, mas que
possui muitas camadas a serem desvendadas. Faz parte da literatura noir, que se
caracteriza por histórias que misturam terror, mistério e elementos policiais,
mas que vai além da investigação policial.
Assim faz Piglia nesse romance: temos um crime, que já é apresentado nas
primeiras páginas. Em um povoado no interior é assassinado Tony Durán, um porto
riquenho negro, morador de Nova Jersey, que chega ao interior da Argentina com
muito dinheiro. Tony teve um caso com as gêmeas Belladona, filhas de um dos
mandachuvas daquele local.
Emilio Renzi, alter ego de Piglia, já presente em outras obras, é enviado
de Buenos Aires para o povoado para investigar a morte, mas seu principal
objetivo é traçar um painel social daquele local. Essa obra é muito mais que um
romance policial usual, visto que o mais importante não é conhecermos o
assassino, o responsável pela morte. O crime fica na superfície. O autor está
mais preocupado que consigamos conhecer um pouco mais sobre a sociedade
argentina retratada na época.
O livro se passa na década de 1970, a mesma época da ditadura na
Argentina. Temos personagens usuais de romances policiais, como o Croce, o comissário investigador, que possui
métodos nada comuns para solucionar seus casos de crime, se internando em
manicômios ou indo para a cadeia de vez em quando para pensar, adota métodos
indutivos e não dedutivos, um excêntrico em sua essência.
Ricardo Piglia narra com êxito o processo de desconcentração industrial
que ocorreu na Argentina, assim como suas consequências. Os desmandos e
crueldades do capitalismo ficam bem evidentes ao longo de toda a trama. Também
podemos perceber por que a chegada de Durán em povoado do interior causa tanto
espanto: ele era um negro, com dinheiro. Quase não existem negros na Argentina,
pois foram exterminados, como fica bem evidenciado no romance.
Podemos observar a extrema concentração fundiária que existe no meio rural
argentino, onde temos uma pequena parcela da população possuindo muitas
propriedades de terra, enquanto a maior parte fica relegada ser empregada dessa
minoria rica, sem nenhuma perspectiva de melhoria, pois os possuidores de terra
já herdam a mesma, por ocasião de nascimento.
O estilo noir, o fato da revelação
da identidade do criminoso não ser o ponto principal do livro, se constituindo,
mais do que isso, em um painel da
sociedade argentina da época, me lembra muito a prosa de Leonardo Padura, escritor
cubano, autor de romances policiais nada convencionais também, onde, assim como
em Alvo Noturno, o principal é conseguirmos conhecer um pouco mais sobre as
complexas sociedades, de Piglia, a argentina e de Padura, a de Cuba. Adoro
livros nesse estilo e fiquei extremamente feliz em poder conhecer mais um autor
latino-americano que contemple esse tipo de escrita. A América Latina é muita
rica em literatura, basta sabermos procurar.
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