domingo, 1 de abril de 2018

A distância entre nós


Resenha
Livro: A distância entre nós
Ano de lançamento: 2006

Um livro, muitas reflexões. Ultimamente, tenho lido livros bem ricos, que me levam a pensar na vida e no sentido que atribuímos a ela. Mas a obra A distância entre nós, de Thirty Umrigar, me fez pensar mais do que os outros livros que li nos últimos tempos, pois aborda assuntos que me são muito caros: raça, classe, gênero, e sexualidade.

Através de uma narrativa fluida, porém não menos densa, a autora nos faz conhecer duas personagens tão distintas e tão semelhantes, ao mesmo tempo: uma empregada e sua patroa. A história se passa na Índia atual. A empregada se chama Bhima e passou vários anos de sua vida dedicados a servir sua patroa, Sera, uma mulher culta, bem educada e viúva parsi, uma casta de grande prestígio na Índia.

Unidas pelo fardo de ser mulher em uma sociedade patriarcal, ditada por costumes machistas, assim como na nossa sociedade ocidental, criam um laço, que é cultivado durante longos anos de convivência e dores compartilhadas: Bhima sofre por ser pobre, não ter estudos, estar sempre sendo enganada e passa para trás pelas outras pessoas; em contrapartida, Sera teve um casamento extremamente infeliz, com um marido violento que a agredia. Bhima sempre a ajudava após as surras de seu marido, cuidando dela, o que fez fortalecer ainda mais os lações entre as duas mulheres.

Um ponto interessante é que os personagens possuem camadas, não são, de maneira alguma, maniqueístas. Por exemplo, apesar de Sera tratar Bhima bem, diferentemente da forma como suas amigas tratam seus empregados, não permite que sua funcionária sente nas cadeiras de sua casa nem coma junto com sua família. A família de Sera se resume a sua filha Dinaz, que está grávida e seu genro Viraf, os dois tendo indo morar com Sera após a morte de seu marido. A família de Bhima é ainda menor: após ser abandonada por seu esposo, Gopal, e sua filha morrer, seu único parente é Maya, sua neta, filha de Pooja, sua filha que morreu. Maya, com apenas 17 anos, está grávida de um filho ilegítimo, fato que traz preocupações exacerbadas para sua vó, pois elas vivem em uma sociedade conservadora, onde a “honra” de uma mulher importa bastante.

Ao longo da trama, podemos observar a maneira cruel com que os pobres são tratados pela sociedade. Basta apenas a pessoa possuir dinheiro e poder para ser bem tratada, com dignidade. Quando a pessoa é desafortunada, até mesmo os médicos de hospitais, que deveriam cuidar dos pacientes de maneira isonômica, acabam preterindo uns em relação a outros.

Maya muitas vezes questiona sua vó sobre a importância que ela atribui à família de Sera. Quantas vezes não deixou sua própria família sozinha para ir cuidar dos parentes de sua patroa? Esse questionamento me fez lembrar do filme brasileiro “Que horas ela volta?”, pois nele vemos uma mulher que cuidou a vida inteira do filho da patroa e acaba não tendo tempo para cuidar de sua própria prole.

Podemos perceber também como a sexualidade da mulher, seja aqui no ocidente como no oriente, é podada a todo momento. Como o nosso corpo não nos pertence: a sociedade patriarcal acredita possuir e controlar nossos corpos. Quando subvertemos essa lógica machista e fazemos uso de nosso corpo para nossos próprios prazeres ou necessidades , somos rechaçadas, enquanto os homens são estimulados a todo momento a se conhecer, a usar os corpos de outrem para se satisfazer. Seja aqui ou em Bombaim.

Vemos duas mulheres unidas pela dor de suas vidas, mas ao mesmo tempo, quando a verdade de uma dura realidade se revela, a classe a qual cada uma pertence acaba separando-as. O recado é claro: os poderosos do mundo nunca irão aceitar de bom grado que a plebe alcance e galgue os mesmos patamares que os seus.

A autora consegue construir muito bem a humanidade de todos os personagens: como podemos ser destrutivos, ou mesmo a mão que acalanta em horas difíceis. Somos seres complexos, plurais, não podendo ser definidos de maneira simplista. Acabo minha resenha por aqui recomendando fortemente a leitura do livro.



Nenhum comentário:

Postar um comentário