Resenha
Livro: A hora da estrela
Autora: Clarice Lispector
Ano de lançamento: 1977
“O
que é mais do que invenção, é minha obrigação contar sobre essa moça entre
milhares delas. É dever meu, nem que seja de pouca arte, o de revelar-lhe a
vida. Por que há o direito ao grito. Então eu grito.”
Começo minha resenha
desse clássico da literatura brasileira. Todos deveríamos ter direito ao grito,
à fala. Mas , infelizmente, em nossa sociedade, só tem voz e vez uma
determinada parcela da população. Por que estou falando sobre isso? Por que é
exatamente em torno disso que grande parte da história irá girar.
Clarice Lispector foi uma
escritora e jornalista nascida na Ucrânia e naturalizada no Brasil. Dizia que
era pernambucana. É considerada como uma das maiores escritoras brasileiras do
século XX e a mais importante escritora judia desde Kafka. Por conta da
perseguição que havia em sua terra natal aos judeus naquela época, mudou-se com
sua família para o Brasil.
A hora da estrela trata
de vários temas complexos, de maneira fluida. O livro começa com um narrador,
chamada Rodrigo S. M, que é o alter ego de Clarice, narrando a história de
Macabéa, uma nordestina que vivia no rio, por ocasião da perda da sua única
parente viva.
O narrador utiliza muita
metalinguagem, ou seja, usa a língua portuguesa, um livro, para falar sobre o
ato de escrever um livro. Essas passagens nas quais são feitas essas reflexões
são extremamente apaixonantes. O(a) autor(a) consegue nos transmitir a angustia
que é passar para o papel uma determinada história. Rodrigo diz que gosta de
fatos, que, assim como João Cabral de Mello Neto, trataria a palavra como
pedra, por que os fatos existem. Se compromete a fazer uma narrativa simples. O
que acaba não ocorrendo. Repleto de metáforas e reflexões acerca da vida e do
fazer literário, o livro inteiro é uma obra prima. É interessante como tem uma
passagem em que ele fala que outro escritor também poderia fazer o trabalho
dela. Mas, com a prerrogativa de ser homem, visto que mulheres são muito
piegas. O que é curioso e acredito ter sido uma provocação da escritora. Quando
o escritor falar sobre fatos simples, já está falando sobre o ponto de vista
dele, portanto, sendo subjetivo, nunca pedra somente. Para mim, serve para
mostrar que, por mais que a realidade possa parecer simples na superfície, ela
é complexa. Assim como Macabéa. Vamos à sua história.
Macabéa era uma moça
nordestina, que foi viver no Rio. Criada pela tia, não conheceu o amor, a
amizade, o carinho. Sua tia não a tratava bem, e vivia colocando-a de castigo.
Desde sua infância, sempre foi sozinha. Com a morte da sua única família, foi
trabalhar no rio. Possuindo curso de datilografia, acaba trabalhando nessa
profissão, ganhando menos de um salário mínimo. Sonha com o dia que irá ter
dinheiro para comprar coca cola e ir ao cinema. Mora num apartamento com outras
quatro Marias. Mas, mesmo a casa sendo cheia, se sente só. Sua única companhia
é um rádio, onde ouve diariamente sua estação preferida.
Um dia, decide faltar ao
trabalho e acaba conhecendo Olimpio, um homem nordestino que se tornou seu
namorado. Nunca tendo conhecido nenhum tipo de afeto, se apaixona por ele,
mesmo esse homem nunca tendo tratado-a de maneira digna. Sempre maltratava a
Macabéa, que, iludida, achava que iria um dia ser a esposa dele e constituir
família. Até o momento que Olimpio trai ela com a colega de trabalho da mesma,
Glória. Ela fica desolada e , ouvindo conselhos da própria Glória, vai visitar
uma cartomante, que lhe conta o desfecho de sua vida.
Como sabemos de todos esses
pensamentos? Não é através da própria protagonista. Ela não possui falar, ou
tem mínimas, ao redor do livro inteiro. É o autor Rodrigo que acaba transformando
toda a história , que ele pretendia ser narração perfeita de fatos pedra, em
uma linda história literária, e( por que não? ) inventa.
A protagonista é
extremamente calada, mostrando, através de sua dificuldade com as palavras, a
dificuldade que tem em viver. Não se reconhece como um prego substituível.
Somente recebe toda a dor e sofrimento da vida, sem nunca lutar. Mas o que
esperar de uma mulher que nunca conheceu o afeto verdadeiro? Que teve que
migrar de seu local de origem para uma terra desconhecida? Uma imigrante
nordestina, como tantos outros que vemos, não é enxergada pela sociedade. Quando
é, é estereotipada. Clarice (Rodrigo) consegue aqui complexificar o pobre.
Desmistificando o estereotipo de personagens pobres sendo simples. Macabéa,
apesar de não se expressar em palavras, é complexa. A capital Rio de Janeiro
invisibiliza os nordestinos. Podemos sentir ao longo de toda a narrativa o
desamparo, a solidão, a tristeza de quem nunca foi ouvido, nunca foi
visto. Podemos perceber essa desamparo
através do seguinte trecho:
“Limito-me a contar as fracas aventuras de uma moça
numa cidade toda feita contra ela.”
Narrativa complexa,
extraordinária. Nunca tinha lido essa autora, mas com a leitura desse clássico,
já fui buscar outros livros da mesma. Joia rara, preciosidade da literatura
brasileira. Quando chegará a hora de sermos estrela?
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