Resenha
Livro: Reima
Autor: Dau Bastos
Ano:2009
Número de páginas: 384
Editora: Record
Reima é um livro lançado
pelo autor Dau Bastos, que além de escritor leciona literatura brasileira na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Conta a história de personagens,
que de tão bem desenvolvidas, parecem pessoas reais, moradores possíveis da
cidade do Rio de Janeiro, mais especificamente da região de Santa Teresa, no
morro dos Prazeres e do Cerro, além de narrar o cotidiano dos moradores do
condomínio Equitativa, que fica entre os dois morros em conflito, que abriga
pessoas de classe média.
A obra se desenrola nesse
espaço e no tempo presente. Acompanhamos a trajetória dos traficantes, que são
humanizados, não se tornando pobres coitados, mas é feito todo um esforço para
mostra-los como são: pessoas, seres humanos. As causas que levaram os
traficantes Camarão e Reimoso a se tornarem o que são também são bem
evidenciadas ao longo da trama.
Também acompanhamos a
vida de Boiô, um músico que cresceu no morro dos Prazeres, bissexual e foi
ganhar a vida na Europa. Com esse personagem, escancara-se a homofobia presente
no Brasil. Também ficamos conhecendo Juca, morador dos Prazeres que se tornou
um líder da associação de moradores e enfrenta o poder local, seja dos
desmandos dos traficantes ou da polícia.
O enredo se desenrola
contando um conflito que ocorreu naquela região, envolvendo os moradores dos
três locais citados. Com os moradores do condomínio de classe média desvela-se
as contradições dos mesmos e da sociedade dividida em classes e todos os
conflitos oriundos dessa organização. Desde Clara, a síndica que passou a se
importar com os moradores do morro por serem funcionários do prédio, mas gasta
o equivalente ao salário dos funcionários de um mês em cosméticos, até Manuela,
mulher jovem universitária de esquerda, que deseja o fim da desigualdade, filha
de Gabriel, um homem conservador, com ideais meio psicopatas e dado ao crime.
Os personagens não são
unidimensionais. Todos, seja os moradores do morro ou da classe média, tem
atitudes boas e ruins, amam, odeiam, traem, transam, choram e riem, são como
nós, seres humanos perfeitos em nossa imperfeição. Além do excelente
desenvolvimento de personagens, a construção do conflito é memorável. Toda a
violência vivida pelos favelados, seja pelas mãos do Estado ou de sujeitos que
atuam na ilegalidade, pode ser sentida por nós. Os traficantes são construídos
como meras peças de uma engrenagem, substituíveis, enquanto grandes empresários
estão por trás da guerra às drogas, guerra essa que mata pobres, negros e
periféricos, sem produzir resultado esperado pela população. Também demostra
que essa guerra é em certa medida estimulada pela grande mídia e tem apoio
maciço de grande parcela da população, que por temer por sua segurança, apoia
atrocidades.
A sinopse do livro pode
enganar. Muitas pessoas podem achar que se trata de um livro de ação, suspense,
que narrará o conflito, com sangue, tiroteio e violência. Isso ocorre, mas o
foco não é o suspense em si, mas as consequências dessa violência, os atores
que sofrem, os sujeitos que provocam, o estado da cidade do Rio, as
desigualdades que os cidadãos cariocas enfrentam, o racismo do Estado,
institucionalizado. Existem muitas cenas de sexo no livro, mas que se encaixam
no contexto e acabam compondo o conjunto de maneira orquestrada e equilibrada.
Por todos os motivos
mencionados, ler essa obra em tempos de intolerância, desamor, violência e
falta de empatia é um excelente exercício para nos fazer pensar em nossas
próprias contradições, nosso modo de ler e interpretar o mundo, nossa sociedade
desigual, mas que não precisa ser assim para sempre. Recomendo a leitura!